Nos últimos dias, o Rei Mídia sofreu seu primeiro baque internacional. O primeiro, mas não único, neste século 21. O fechamento do News of the World, de propriedade do magnata australiano Rupert Murdoch. Como sabemos, o Rei Mídia deriva seu poder de tudo o que é mundano – da política à economia, da cultura aos esportes – e seu poder é um que não aceita divergência e muito menos pluralidade de pensamento e diversidade de opinião.
O Rei Mídia cria seus diversos reizinhos, qual filhos pródigos, esbanjam influência, constroem algumas reputações, destroem outras. Cada reizinho governa seu império de comunicação, defende seus próprios interesses a pretexto de defender os interesses da sociedade e só é respaldado por sua fraternidade, por seus pares.
Ao Rei Mídia, a Constituição de um país nada mais é que um papelório qualquer: ele cria suas próprias leis, revoga-as quando bem entende, leva-as ao desuso e as classifica em apenas duas espécies, as que pegam e as que não pegam. Na política, o Rei Mídia declara o inimigo a ser combatido, preferencialmente aquele ungido nas urnas, e trata como aliado de primeira hora qualquer liderança de pequeno e médio portes que se lance a defender suas ideias e posições, sua ideologia e também… sua própria história.
Ao Rei Mídia acorrem todos os que são presas de vaidade mórbida, os que só sobrevivem se estiverem sob iluminação de holofotes e aqueles que têm interesse em manter no mais completo breu sua história pregressa.
Julgamentos irrecorríveis
Ao Rei Mídia todas as honrarias devem ser prestadas. As suas salas de visita são as diretorias, as editorias, as redações dos jornais e revistas, das emissoras de rádio e de TV. Compete ao soberano proclamar quem lhe visitou, prestou as devidas homenagens e foi aceito como comensal em “almoço de negócios”. Sim, para este reino não existe almoço de cortesia, almoço grátis, todos são de negócios.
Ao Rei Mídia nenhum espaço pode ficar desocupado. Se a oposição se encontra desfalcada, o Rei Mídia providencia assuntos e temas candentes, escândalos de todos os formatos e tamanhos e escala a forma como cada um será abordado, dirigido, concluído. Se novos conglomerados econômicos estão em vias de existir, é de bom alvitre que antes apresentem todo o detalhamento para sua prévia aprovação. O não cumprimento desse requisito básico resulta em negócio natimorto.
Ao Rei Mídia, palavras como decência e honradez parecem se encontrar em constante estado de embriaguez: é decente e honrado quem receber sua bênção, sua atenção positiva, seu espaço nobre. É corrupto todo aquele que assim o rei designar. Pouco importa em que base ocorra tal julgamento de valor.
Aos olhos do Rei Mídia, o império nunca vai bem, está sempre a um passo do insondável abismo, sempre prestes a ser ultrapassado pelos vizinhos próximos (ou distantes) em questões como acúmulo de riqueza, ativos econômicos duráveis, estabilidade da moeda, desenvolvimento social e qualidade de vida. Interessa-lhe apenas que a pirâmide mantenha sua forma tradicional – uma grande base de pobres e miseráveis, uma classe média acinturada e alguns punhados de bilionários e milionários no topo.
O Rei Mídia tem pavor de ser contrariado. E para que a catástrofe não recaia de vez sobre seus súditos a verdade incômoda precisa ser imediatamente transformada em deslavada mentira e a notícia falsa, sem mais nem menos, pode logo se transmutar em verdade líquida e certa.
O Rei Mídia por mais que esteja errado estará sempre certo. Seus julgamentos são irrecorríveis. Para Sua Majestade o arbítrio, a censura, o autoritarismo, o aparelhamento partidário e o cinismo são sempre armas usadas de forma vil pelo inimigo. E será tratado como inimigo todo aquele – seja governante ou governado – que ouse se insurgir contra o Rei Mídia.
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[Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter]
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