Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O sucesso da não ficção

O Estado de S. Paulo, 17/4

Daniel Piza

 

História de papel

Enquanto tantos choramingam pelo fim do jornalismo em papel e do livro de papel, a narrativa de não ficção nunca foi tão lida. Muitos best-sellers são escritos por jornalistas e historiadores. Os leitores, talvez em parte porque a ficção já não lhes dê os grandes personagens do passado, ficam mais e mais curiosos por grandes histórias reais. Isso inclui coletâneas, coisa que os adoradores da cultura virtual consideram despropositada. Nas redações, a gente diz que uma boa história não é um cachorro morder um homem, e sim o contrário. Mas boas histórias não são apenas as inusitadas; podem ser também as triviais, desde que olhadas por um ângulo inusitado. O jornalismo literário nada mais é que uma narrativa factual com menor compromisso em relação a regras como o lide (o primeiro parágrafo que traz informações primordiais), com maior liberdade para dar ‘clima’ em detalhes e diálogos e usar mais recursos de linguagem. Esses elementos são pródigos nos títulos a seguir.

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The Only Game in Town, org. David Remnick – Ainda há de chegar o dia em que a cultura brasileira vai dar o devido valor aos escritores que escrevem sobre esporte a ponto de reuni-los em um livro deste porte (tenho algumas antologias, mas pouco abrangentes e caprichadas). São os melhores textos sobre esporte publicados na revista The New Yorker. Não entendo bolinhas de beisebol, por exemplo, mas Roger Angell escreve tão bem, é tão capaz de usá-lo para refletir sobre coisas maiores, que não tiro os olhos de cada palavra. E o texto de John Updike sobre a despedida de Ted Williams, Hub Fans Bid Kid Adieu, talvez seja o melhor jamais escrito sobre qualquer esporte. Lillian Ross sobre um toureiro americano, Martin Amis sobre o tenista Pete Sampras, John Cheever sobre sua infância de esportista frustrado, John McPhee mostrando de novo por que é o repórter dos repórteres sobre o craque do basquete Bill Bradley. Enquanto isso, no Brasil, a ABL convida Ronaldinho para homenagem a José Lins do Rego, mas ninguém dali tira o fardão para falar do ludopédio.

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At the Fights, org. George Kimball e John Schulian – Sei que gostar de tourada e boxe é démodé, mas eu acho interessante. Quando se lê um volume destes, no entanto, a questão se torna secundária: entre os autores americanos que escreveram sobre boxe estão Jack London, A.J. Liebling (também incluído na coletânea acima), James Baldwin, Murray Kempton, Norman Mailer, Joyce Carol Oates (sim, uma dama) e ele, David Remnick, biógrafo de Muhammad Ali. Fiquei particularmente feliz de ver o texto de H.L. Mencken, Dempsey vs. Carpentier, que é mais do que o relato da luta: é uma demonstração de como as pessoas, sobretudo numa situação emocional e patriótica como a que os esportes propiciam, veem apenas o que querem ver. Fiquei a sonhar com uma antologia de escritores dos mais diversos países, o que incluiria Cortázar e Camus…

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A Beleza e o Inferno, de Roberto Saviano – A coletânea do autor de Gomorra, livro sobre gangues italianas que vendeu milhões, gerou um filme e obrigou o jornalista a viver sob escolta para sempre, também fala um pouco de boxe e, mais importante, de futebol. Trata-se de um perfil de Lionel Messi, o genial ‘Pulga’, e nele Saviano diz: ‘Ver Messi significa observar alguma coisa que vai além do futebol e coincide com a beleza em si’. Baixinho por deficiência hormonal, ele desliza por entre os grandalhões e não cai, em sua dança solitária até o gol. Saviano também homenageia a grande Miriam Makeba, cantora sul-africana, morta quando se apresentava em solidariedade a Saviano. O livro tem várias outras histórias de pessoas que enfrentam a injustiça e o crime.

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Honra Teu Pai, de Gay Talese – Este é um livro de 1971, um clássico, já publicado antes no Brasil (como Honrados Mafiosos), mas é impossível falar de livro-reportagem e não falar de Talese. Por sinal, é seu um dos textos de At the Fights, um perfil de Floyd Patterson. Meus livros preferidos são Fama e Anonimato – com os perfis também modelares de Frank Sinatra e Joe DiMaggio – e A Mulher do Próximo, sobre a liberação sexual da contracultura. Mas Honra Teu Pai é fascinante não só para quem se interessa pela máfia, mas também por falar de laços familiares. Talese conta a história do clã Bonanno como uma saga, sem o sentimentalismo das sagas ficcionais do século 20.

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Realidade Revista, de José Hamilton Ribeiro e José Carlos Marão – Inspirada no jornalismo literário americano que Lillian Ross, Norman Mailer, Gay Talese, Truman Capote, Tom Wolfe e outros tornaram célebre nos anos 50 e 60, como ‘new journalism’, a revista Realidade foi lançada em 1966 e se tornou quase uma lenda no jornalismo brasileiro. Parte dessa lenda, que muitas vezes deixa de lado empreitadas anteriores como a Senhor (ainda por merecer lembrança no nosso mesquinho mercado editorial), foi motivada pela ausência de coletâneas como a agora lançada. O melhor é a agilidade dos textos, com muitas falas e atenção a personagens antes ignorados na grande imprensa, embora os textos não tenham frases como ‘Picasso resfriado é Picasso sem pintura, Ferrari sem combustível’, de Talese, ou passagens mais densas, mais reflexivas.

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O Jornalista e o Assassino, de Janet Malcolm – Esse é o primeiro título da coleção de jornalismo literário da Companhia das Letras a sair em livro de bolso. Quem ainda não leu, eis a chance. Malcolm é conhecida por suas reportagens culturais sobre Chekhov, Freud ou Sylvia Plath, mas este livro entrou no currículo de todos os cursos de jornalismo porque trata do processo que um médico condenado por assassinato moveu contra um jornalista que escreveu um livro com suas entrevistas e depoimentos. Malcolm aponta o erro fundamental do repórter: não ser cético, não pôr em dúvida a versão que ouve, não enxergar que o personagem pode não ser tão interessante quanto se queria que fosse. Toda narrativa edita fatos, mas as boas não param de procurá-los.

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A Vida Imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot – O livro já vendeu milhões de exemplares em dezenas de países e esteve entre os destaques de 2010 nas principais publicações do mundo. Skloot é uma jornalista de ciência que um dia ouviu de um professor de biologia a referência às células ‘HeLa’ que vinham sendo mantidas vivas em cultura desde a morte da doadora. Investigou a história e descobriu que Henrietta Lacks, negra, jamais consentiu com a doação. O livro conta em detalhes sua vida, a reação de sua família ao saber como os laboratórios estavam lucrando com aquelas células, em especial da filha religiosa, e descreve as preciosas pesquisas sobre câncer feitas em centros como o Johns Hopkins. Skloot parece achar que houve um desrespeito enorme e que as pessoas cujos tecidos são usados pela ciência devem ser pagas por isso, mas não aprofunda a solução. O que vale em seu livro é a história em si, muito mais atraente do que um homem mordendo um cachorro.

Cadernos do cinema. Fui com os filhos no fim de semana passado ver Rio, do brasileiro Carlos Saldanha, que participou da memorável trilogia A Era do Gelo. Não é tão memorável – não há, por exemplo, nada tão criativo quanto o esquilo lutando por sua noz -, mas é bem divertido. A história é sobre uma arara azul que volta ao Brasil para conhecer Jane e salvar a espécie; para isso, enfrentam contrabandistas de animais, incluindo uma batalha entre aves e micos.

O melhor do filme, além da qualidade artística (sobretudo a textura das penas), são essas sequências cômicas, e talvez a melhor delas seja a da Sapucaí, numa espécie de corrida de carros alegóricos. Muitos se queixaram de mostrar carnaval, favela e futebol com tomadas aéreas do Corcovado e a geografia deslumbrante de morros, prédios e praias. Bem, se fosse sobre Nova York e mostrasse musicais, lojas e o skyline de arranha-céus, reclamariam?

Por que não me ufano. Comentei na semana passada o recital memorável de Keith Jarrett na Sala São Paulo, mas não tive espaço para contar as agruras que passamos para adquirir o ingresso, já que só permitiram uma credencial por jornal. Dois dias antes do evento, telefonei para o serviço indicado pela bilheteria. A espera foi de 23 minutos. O ingresso custou R$ 400 e precisei pagar mais R$ 80 por uma tal ‘taxa de conveniência’, nada conveniente para mim. A moça pediu meu email para enviar confirmação. A quarta-feira chegou, e nada do email. Ansioso para não perder o recital, telefonei para cobrar a confirmação. A gravação disse: ‘Você é a chamada de número 14; tempo de espera previsto, 40 minutos’. E sabe como se chama o serviço? Ingresso Rápido.

Outro serviço que andou me torturando foi o do cartão Diners Club. Como eu tinha umas parcelas a pagar e decidi quitá-las de uma vez, telefonei para a central de atendimento para saber quanto deveria depositar. Me passaram para outra central, a de cobrança. Fui então informado do valor e, no prazo estipulado, paguei exatamente o combinado. Não é que, na fatura de dois meses depois, apareceu uma parcela que não teria sido lançada? Telefonei para a central de cobrança, mas me disseram que tinha de ser na de atendimento… A funcionária me disse que houve um erro na informação do valor total e, logo, eu deveria pagar a parcela restante. Expliquei a ela que na antecipação aquela parcela teria sido bem menor, mas ela não entendeu. Fiz reclamação formal, me pediram 5 dias úteis e estou até agora esperando. Liguei na ouvidoria e me pediram 20 dias. Por enquanto, só eu perdi dinheiro. E eles, o cliente.