Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os 61 anos da TV no Brasil

Em 18 de setembro de 1950 tem início, com Assis Chateaubriand, o primeiro canal de televisão do Brasil: Rede Tupi. De lá para cá, muita coisa mudou. Passamos do improviso à profissionalização. A TV é um fenômeno de massas e influi decisivamente em nossas vidas. São muitas conquistas, mas nem tudo é festa. Na verdade, graças a seu padrão de excelência, é consenso que está entre as melhores do mundo. É por isso que a data é tão importante. Marca o aniversário do nosso maior veículo midiático, que atinge todo o país. Portanto, pensar e refletir sobre sua história é fundamental.

No Brasil, as concessões de televisão estão nas mãos de uma burguesia compromissada com o grupo dominante no poder. Logo, está claro que não quer mudanças na estrutura de dominação vigente; afinal, se beneficia do poder. De outro lado, nossa cultura é riquíssima. Por isso, somos desprezados pela mídia, que nos vê como clientes alienados e consumistas de seus produtos.

O fato inegável é que a TV passou por mudanças importantes ao longo do tempo e hoje é a praça pública. Ou melhor, assumiu o lugar da ágora (praça pública) e passou a sediar e mediar campanhas eleitorais, fóruns de grandes discussões e debates nacionais. Quem não se lembra, há algumas décadas, quando os candidatos ao pleito eleitoral faziam comícios em praça pública? Portanto, podemos afirmar sem exagero que é mediadora de grandes eventos públicos que mobilizam a população pelo país.

O príncipe eletrônico

Além disso, se transformou, também, num circo de horrores. É o caso das touradas e dos reality shows, que exibem a mediocridade intelectual e moral das pessoas. Se observarmos nossos telejornais, vemos que não privilegiam a informação jornalística. Ou seja, transformam em show a notícia. Jornalismo existe para garantir o direito à informação. Portanto, inadmite o espetáculo e o picadeiro. Como espaço midiático, a televisão abriu mão da ética em favor do circo da notícia. Um caso de repercussão nacional – Escola Base – nos dá a dimensão do divórcio entre ética e TV. [Em 1994, os donos da Escola Base Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, o pai de um estudante e o motorista da perua escolar foram acusados de abusarem sexualmente dos alunos. O assunto teve grande repercussão na mídia. Depois das investigações ficou comprovado que as denúncias eram falsas.]

No Brasil, a televisão está a serviço da classe dominante e por isso, na maioria das vezes, as informações são manipuladas, distorcidas e não correspondem, realmente, ao que acontece. Na realidade, faltam limites no mundo da TV. É lamentável: real e virtual se confundem. É a barbárie. No primeiro semestre de 2003, Silvio Santos, dono do SBT, simulou que estava doente e que venderia a emissora. O episódio mexeu com o país, depois foi negado. Resultado: ruptura entre ficção e realidade.

Tem mais, o fato é que o príncipe eletrônico – expressão do sociólogo Otávio Ianni – exerce enorme poder de manipulação e fascínio sobre as massas. Por exemplo, as imagens do ataque terrorista ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, se sobrepõem aos fatos.

Os princípios básicos

Apesar dos incríveis avanços tecnológicos alcançados pela nossa TV, há muito que fazer. É preciso melhorar: nível cultural do povo, saúde ruim, noções precárias de cidadania e desconhecimento da lei. Os abusos que a mídia pratica decorrem dessa realidade vigente pelo país. Por outro lado, o cidadão tem em mãos o poder de escolha. Assim, vale a pena transcrever parte do artigo de Gilberto Dimenstein, “Gugu e o Domingo Ilegal”, publicado na Folha S.Paulo em 21 de setembro de 2003:

“A mídia, no geral, ainda não se percebe como um instrumento de formação, atendo-se à informação e ao entretenimento – e reflete nossa maior fragilidade, que é a lógica da ignorância, a mesma que fez de um tipo como Gugu algoz e vítima de si próprio.”

Afinal, quando vamos mudar essa realidade? Certamente, quando garantirmos ao cidadão comum melhor formação escolar, o acesso à saúde, à habitação, à justiça e à informação de qualidade. Em conclusão, apesar dos problemas discutidos sobre a mídia, ela pode ser uma aliada na construção da democracia, da cidadania e do Estado de Direito neste país. De outra forma, não se pode ignorar seu papel, influência e prestígio junto à população. Afinal, não se pode negar que a TV é o espelho da sociedade. É como afirma Eugênio Bucci: “Criticar a televisão é um exercício de utilidade pública, um exercício urgente e inadiável.”

A Constituição Federal (art. 221, par. 1º a 4º), estabelece com clareza os princípios básicos que devem nortear os programas de TV e rádio: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promoção da cultura nacional e regional, estímulo à produção independente que objetive sua divulgação, regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei e respeitos aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Referências

** ABRAMO, Perseu.Padrões de manipulação na grande imprensa.São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.

** BUCCI, Eugênio (org.).A TV AOS 50: Criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

** DIMENSTEIN, Gilberto. “Gugu e o Domingo Ilegal”, jornal Folha de S.Paulo, p. C10, 21/0/03.

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[Ricardo Santos é jornalista e professor]