Rodolfo Dantas, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa pretendiam recuperar o liberalismo herdado da monarquia e liquidado pela ditadura militar republicana. O jornal foi empastelado, depois fechado, Rui Barbosa obrigado a exilar-se, o jornal depois compôs-se com o sistema. Todos se compõem com o sistema. Coisas do Brasil. Coisas do Jornal do Brasil
Dois grandes empresários e condes papalinos – Pereira Carneiro e Candido Mendes – o compram, depois brigam, Pereira Carneiro ganha a parada, mas a pendência arrasta-se por décadas no STF sempre engavetada na mesa do meritíssimo Luiz Galotti (cujos pareceres eram obrigatoriamente publicados com destaque).
O JB foi o jornal da cidade, jornal do Carnaval, depois ‘jornal das cozinheiras’ (por causa dos classificados na primeira página), mas nunca deixou de ser o ‘jornal da Academia’ [Brasileira de Letras] graças à presença na direção do pernambucano Aníbal Freire. Nesta condição deu guarita a muitos escribas, alguns sem caráter e sem talento, apenas dois verdadeiramente imortais: Barbosa Lima Sobrinho e Alceu Amoroso Lima.
A condessa Pereira Carneiro (née Maurina Dunshee Abranches), de uma família maranhense, recebia os conterrâneos com tapete vermelho: José Sarney foi correspondente em S. Luiz (demitido em 1962 porque só mandava despachos que o favoreciam como político). Outros tornaram-se estrelas do jornalismo: Nonato Masson, Ferreira Gullar e Odilo Costa, filho.
Renovação
Genro da condessa, Manoel Francisco do Nascimento Brito recebeu a tarefa de renovar o grupo (rádio e jornal) e o fez com audácia: tornou-se o primeiro publisher da imprensa brasileira. Fez da rádio um modelo de criatividade, entregou a direção do jornal a Odilo Costa, filho para torná-lo tão moderno e influente como o Correio da Manhã. Mas não sabia resistir aos acenos do poder.
Em agosto de 1958, o udenista Odilo publicou na primeira página uma foto de JK de braços abertos recebendo o secretário de Estado Foster Dulles com o título ‘Tenha paciência, mister’. JK, o bonzinho, enfureceu-se, e Brito, que negociava um vultuoso empréstimo para reequipar o jornal, não teve dúvidas – afastou Odilo.
Coisas do Brasil, coisas do Jornal do Brasil.
Àquela altura, um grupo de jovens jornalistas (Reynaldo Jardim, Ferreira Gullar, Jânio de Freitas, Wilson Figueiredo, Araújo Neto, Luis Lobo, Carlos Lemos e outros), com a colaboração do escultor Amilcar de Castro, operavam a mais profunda, cabal e duradoura reforma editorial da imprensa brasileira. Envolvia o visual, conceito de jornalismo, estilo de texto, pauta. Uma revolução jornalística e cultural – jornalismo e cultura eram então inseparáveis. Revolução branca, literalmente, para acabar com a massa de elementos escuros (fios, títulos, fotos). Implantada gradualmente – só assim poderia se sustentar –, a mudança completou-se em 1959, quando chegou à primeira página.
Com a saída de Odilo, Nascimento Brito distanciou-se (ou foi distanciado) da redação, começou a reclamar, queria voltar atrás, recolocar os tais fios que separavam as matérias e acabou com o suplemento dominical, uma das jóias da nova fase.
Este observador chegou ao JB em 8 de janeiro de 1962, seis anos depois de iniciada a revolução orquestrada por Odilo. Nascimento Brito recebeu-o dizendo: ‘Amanhã quero um jornal diferente, com fios…’. Foi-lhe dito que dentro de alguns anos o leitor talvez percebesse diferenças. No dia seguinte, de novidade apenas um fio fino para separar o logotipo da manchete com plena aprovação de Amilcar de Castro, que permaneceu no jornal por mais algum tempo [JB, edição do centenário, 9/4/1991, ‘Os fios do tempo’].
Nascimento Brito foi o primeiro publisher a contratar uma consultoria, a Montreal, para fazer um trabalho de reengenharia total. A empresa organizou-se, a redação organizou-se, a busca de qualidade tornou-se prioritária. Graças a isso o jornal ganhou espetacularmente os primeiros rounds no confronto com O Globo. Sem qualquer suporte de TV.
Declaração de guerra
Há exatos 38 anos, O Globo publicava um editorial na primeira página assinado por Roberto Marinho intitulado ‘O Dia que Faltava’, rompendo o acordo de décadas que deixava o domingo para os matutinos e as segundas-feiras para os vespertinos. Era a declaração formal de guerra depois de tensas e demoradas negociações entre as duas empresas mediadas pelo deputado Chagas Freitas e o banqueiro José Luís Magalhães Lins.
O domingo – lindo por sinal – 2 de Julho de 1972 marcou o início da periodicidade diária na imprensa brasileira com circulação nos sete dias da semana. Sem truques para enganar o leitor, com fechamentos à noite, horário normal. Dia seguinte, 3/7, o JB invadia a segunda-feira. O Rio já não era a Capital Federal mas a sua imprensa estabelecia os padrões para o resto do país.
Quem ganhou? Sua Excelência, o jornalismo. Sem competição, jornalismo é fingimento. Não houve contratação de celebridades nem estrelas. A disputa foi travada pelos repórteres, fotógrafos, correspondentes nacionais e internacionais.
Uma das mais belas disputas na grande imprensa brasileira, centrada na qualidade, na garra profissional, na concorrência intrínseca, sem baixaria – o editor de O Globo era Evandro Carlos de Andrade, egresso do JB.
Mas os namoros do JB com o poder produziram logo em seguida outro sacolejo. No fim do ano seguinte, 1973, Nascimento Brito cometeu a insensatez de meter-se com os generais: apoiou o esquema para substituir o general Garrastazu Médici pelo seu Chefe da Casa Civil, o jurista Leitão de Abreu, contra a pretensão dos irmãos Geisel (Orlando e Ernesto).
Ganharam os Geisel. Brito apavorou-se, preocupado com a concessão de dois canais de TV e a manutenção dos empréstimos generosamente incentivados pelo ministro da Fazenda, Delfim Netto, para garantir a construção do suntuoso prédio da Av. Brasil e a compra de novas máquinas.
Antes de jogar-se nos braços da dobradinha GG – Geisel-Golbery –, faltava um bode expiatório. Depois de 12 anos, o editor-chefe foi afastado ‘por indisciplina’.
Coisas do Brasil. Coisas do Jornal do Brasil.
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Em tempo: amuado com a críticas pela incrível adesão ao esquema Berlusconi, o jornalista Mino Carta escreveu um texto com título lapidar ‘O silêncio é de ouro’. Aparentemente aposentou-se, mas sua carga de peçonha é inesgotável. Na edição de CartaCapital (21/7, p. 13) no registro sobre a morte anunciada do JB, mandou escrever o seguinte: ‘Em 1964, sob orientação editorial de Alberto Dines [o jornal] apoiou o golpe.’ Quem dá ‘orientação editorial’ são os donos do jornal, mesmo no semanário chapa-branca que dirigia. Este observador foi editor-chefe do jornal e se orgulha do seu currículo profissional. Envergonhado, Mino Carta esconde o seu: jamais explicou aquela festinha na redação de 4 Rodas, da Editora Abril, quando subiu na mesa para comemorar a derrubada de Jango.