Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Partido do governo vai às compras

Está despontando na Europa um novo gigante da comunicação. Desta vez, no entanto, não se trata de um grupo privado. Trata-se do SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschland), o partido social-democrata do chanceler alemão Gerhard Schröder. Na Alemanha, os partidos políticos podem ser donos de empresas.

Por meio de seu braço de mídia, a Deutsche Druck-und Verlagsgesellschaft (DDVG), o SPD adquiriu, nos últimos anos, participações em 14 empresas responsáveis pela edição de 20 jornais diários na Alemanha e 27 estações de rádio. A mais recente tacada foi a compra – fechada na semana passada, por valor não revelado – de 75% da empresa que edita o Frankfurter Rundschau, jornal de circulação nacional com uma tiragem diária de 182 mil exemplares. Foi uma operação para salvar o Frankfurter Rundschau, que vinha enfrentando dificuldades financeiras nos últimos anos, agravadas pelo encolhimento do mercado publicitário.

A crise que assola a mídia em todo o mundo colocou a imprensa européia em xeque. Na Alemanha, o SPD vem promovendo uma espécie de estatização disfarçada. Em países como na Suíça, Inglaterra, Áustria e França, os governos concedem subsídios diretos ao setor, que sempre prezou pela credibilidade e independência das informações que veicula.

A aquisição do Frankfurter Runschau mereceu destaque em todos os jornais alemães, que dedicaram páginas inteiras ao assunto. Embora o SPD insista em dizer que os jornalistas do DDVG têm ‘total liberdade’ para trabalhar, uma pesquisa do instituto alemão Medien Tenor mostrou que a cobertura que o Sächsische Zeitung (um dos jornais do SPD) faz do governo Schröder é muito mais ‘branda’ na comparação com outros diários.

Estima-se que o partido do chanceler detenha uma fatia de pelo menos 10% do mercado alemão de jornais, o equivalente a 1 milhão de exemplares diários. ‘Não me assustaria se, em poucos anos, o SPD se tornar o maior grupo editorial da Alemanha’, diz a repórter especial Hildegard Stausberg, da editora Axel Springer, a maior do país. As atividades do braço editorial do SPD vêm preocupando as editoras privadas, que pedem leis mais rígidas contra a concentração de mercado.

Apesar da forte atuação, o SPD não tem a preocupação de advertir o leitor sobre sua presença no grupo controlador, o que desperta críticas ferozes de editoras concorrentes. Logo abaixo do título do Frankfurter Rundschau, por exemplo, continua aparecendo a linha-fina ‘jornal independente’.

O SPD vem se tornando uma força temida no mercado jornalístico alemão, onde circulam cerca de 350 títulos e no qual um em cada três habitantes lê jornais diariamente. Até agora, o partido de Schröder vinha comprando participações em jornais de circulação regional. O negócio com o Frankfurter Rundschau é a estréia do SPD em um diário nacional.

A fome e a vontade de comer

O Frankfurter Rundschau foi um jornal regional até meados dos anos 1990, quando decidiu dar início ao ambicioso plano de se tornar uma marca nacional. Para isso, investiu na abertura de sucursais, na aquisição de máquinas, contratação de pessoal, compra de papel e distribuição. O encolhimento do mercado publicitário se fez sentir imediatamente no jornal de Frankfurt, que então deu um passo para trás, fechando sucursais e demitindo pessoal. A entrada do SPD no controle da editora foi vista como um alívio por seus funcionários.

Assim como no Brasil, também na Europa os jornais e revistas sentiram um forte baque com a retração do mercado publicitário. Somente na Suíça deixaram de circular no ano passado oito títulos. Muitos postos de trabalho foram cortados, jornalistas absorveram as tarefas de diagramadores e, além de fazerem matérias, também desenham páginas e produzem infográficos. Em todas as redações proliferam estagiários e free-lances fixos. Em alguns casos, como na editora Axel Springer, uma única redação é responsável pela edição de dois jornais: o Die Welt, de circulação nacional, e o Berliner Morgenpost (regional).

Com a crise no setor, os governos europeus correram para socorrer as empresas, criando uma situação incômoda para órgãos que criticam a concessão de subsídios a setores como agricultura ou energia – porém não hesitam em tomar os subsídios para si próprios. No ano passado, o governo francês ajudou a pagar o salário dos jornalistas ao conceder subsídios diretos de 454 milhões de euros (algo como 1,8 bilhão de reais) à imprensa, que também paga menos imposto sobre a venda e sobre o lucro. Na Suíça, onde existem 216 jornais e revistas em circulação, o subsídio direto é de 100 milhões de euros (380 milhões de reais) por ano.

Mesmo na Suécia, que apresenta o maior índice de leitura de jornais em todo o mundo (circulam 543 exemplares a cada grupo de mil habitantes, ou seja, um em cada dois habitantes lê jornal), as editoras pagam menos imposto sobre a venda e recebem subsídios diretos de 54 milhões de euros (205 milhões de reais) por ano.

Na Alemanha, a expectativa é de que o apetite do SPD continue grande: são muitas as editoras em dificuldades financeiras. Além disso, o partido conseguiu transformar empresas deficitárias em negócios rentáveis. Em 2000, seu braço de mídia lucrou 20,7 milhões de euros (79 milhões de reais). Em 2001 o resultado caiu para 19,7 milhões (75 milhões de reais) e no ano seguinte, mesmo com a crise, ainda foi positivo, em 9,2 milhões de euros (35 milhões de reais). Metade do lucro foi reinvestido. A outra metade foi repassada para o comitê do partido.

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Jornalista, repórter da Gazeta Mercantil em Berlim