Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘A ouvidora do jornal espanhol El País, Milagros Pérez Oliva, em entrevista concedida ao jornalista Alberto Dines do Observatório da Imprensa, disse que o público leitor vem se acostumando a tomar ‘pílulas de realidade’ depois do advento da internet. Ela referia-se à superficialidade da informação com que os veículos de comunicação eletrônicos trabalham atualmente, privilegiando a quantidade de notícias e o tempo em que são dadas, mas descuidando de certos procedimentos como apuração rigorosa, exatidão, contextualização e aprofundamento das questões. A ouvidora acrescentou ainda em seu comentário a questão da efemeridade da informação – que alguns minutos depois de publicada já se torna notícia velha, pois é rapidamente reproduzida e repercutida pelos meios eletrônicos, como outro fator que pressiona as redações e contribui para uma perda significativa da qualidade da informação.

Parece que nas ultimas semanas a Agência Brasil foi vítima desses problemas da era moderna da comunicação. Quem chamou a atenção desta Ouvidoria para um possível engano foi a leitora Anastacia de Souza. Escreveu ela: ‘Escrevo para alertá-los sobre uma matéria que possivelmente está incorreta. Trabalho acompanhando os dados da tragédia no Rio e acredito que o governo federal não liberou esse dinheiro todo para as cidades afetadas pelas chuvas. Sugiro que a redação verifique os dados e dê uma nota de erro ou coisa assim, porque corrigir não adianta mais.’

A matéria Governo já liberou mais de R$ 1 bilhão para vítimas da chuva e da seca, cujo título fora modificado depois de publicada, informava que: ‘ O governo federal já liberou R$ 1,18 bilhão em ajuda emergencial às vítimas de catástrofes decorrentes das chuvas e da estiagem no país. Além dos R$ 780 milhões para ações de socorro e recuperação das cidades de Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, liberados de imediato…’

Para o leitor que leu a notícia publicada no dia 21 de janeiro ficou a informação de que as três cidades receberam os R$ 780 milhões ‘de imediato’. Conforme o que se verificaria depois, não foram R$ 780 milhões para as três cidades, nem tampouco ‘de imediato’.

A primeira modificação feita pela ABr acrescentou o termo genérico ‘entre outras’ depois dos nomes das três cidades serranas do Rio de Janeiro. Para o leitor que leu a notícia após essa modificação ficou a informação de que as três cidades e mais algumas outras receberam os R$ 780 milhões. Essas ‘outras’, o leitor poderia supor, seriam as demais cidades serranas – Sumidouro, Areal, Bom Jardim e São José do Vale do Rio Preto. Em uma segunda modificação, feita não se sabe quando, modificou-se a modificação, acrescentando-se ‘entre outros municípios atingidos por enchentes e seca’. Portanto, alguns dias depois de publicada, finalmente a matéria passava a informação correta, embora ainda imprecisa: o dinheiro seria para atender a municípios atingidos por fenômenos climáticos. Quais seriam eles? Quanto receberia cada um? A matéria, embora modificada, não informava. Mas será que a grande maioria dos leitores que leu a primeira notícia, na hora de sua publicação, voltaria a ela dias depois para reler a mesma informação e descobrir que não era bem aquilo que havia sido informado anteriormente?

Talvez seja por isso que a leitora recomendou ‘Sugiro que a redação verifique os dados e dê uma nota de erro ou coisa assim, porque corrigir não adianta mais.’ Realmente este seria o procedimento mais adequado. Quem leu uma notícia uma vez dificilmente voltará a lê-la, afinal quem toma a mesma ‘pílula de realidade’ duas vezes?

À época do jornal de papel, quando este era o principal veículo de informação dos leitores, uma notícia uma vez publicada estava ali grafada para sempre. Para modificá-la, reza a lenda, só um novo jornal de papel com um ‘erramos’, de preferência do mesmo tamanho e no mesmo espaço da manchete ou da notícia original. Esse ‘erramos’ ao mesmo tempo em que decepcionava o leitor pelo equívoco cometido, redimia a credibilidade do veículo como a dizer: ‘erramos, mas admitimos nosso erro – você pode continuar confiando na gente’.

Não é pela aparente facilidade que a internet apresenta, que se pode alterar um texto ou uma manchete já publicados, pois tal procedimento compromete a confiança do leitor no que ele está lendo – e credibilidade era e continua sendo o maior patrimônio de um veículo de comunicação.

A informação imprecisa da ABr sobre a liberação de verbas para o estado do Rio de Janeiro causou um possível constrangimento às autoridades e foi alvo de comentário do vice-governador. Em entrevista ao site de O Globo. Ele declarou: ‘O vice-governador Luiz Fernando Pezão negou nesta sexta-feira, durante coletiva no BNDES, que a União já tenha repassado R$ 1,8 bilhão ao Rio de Janeiro em ajuda emergencial às vítimas das chuvas, como informado mais cedo pela Agência Brasil.’

Na própria Agência Brasil, na matéria Governo do Rio e prefeituras da região serrana já receberam R$ 87 milhões da União, publicada dia 17 de janeiro, formulada com base em release do Ministério da Integração Nacional, encontra-se a informação correta sobre a liberação de recursos, mas tal notícia não foi considerada pela redação e nem apensada, por meio de link, às outras sobre o mesmo assunto. Essa é uma ferramenta poderosíssima dos veículos eletrônicos, um procedimento indispensável que permite ao leitor navegar e com isso se aprofundar nas questões de seu interesse, não ficando só nas ‘pílulas de realidade’. Mas a ABr parece ter dificuldades em utilizar essa ferramenta, como já observamos em colunas anteriores.

Quanto ao ‘liberado de imediato’, ele mereceria pelo menos uma explicação. Quando o governo federal libera um recurso, na verdade ele está abrindo uma possibilidade de crédito, está autorizando o Ministério da Fazenda a tomar as providencias para o pagamento. Todavia, consta dessas providências, entre outras medidas, uma série de requisitos e procedimentos administrativos e financeiros que o município credor terá de cumprir para ter acesso à verba.

Levantamento da Ong Contas Abertas mostra que dos R$ 80 milhões federais disponibilizados para socorrer as vítimas da enchente de Angra dos Reis, em janeiro do ano passado, apenas R$ 50 milhões foram efetivamente repassados. Segundo o secretário-geral da Ong, Gil Castelo Branco, em entrevista, concedida dia 13 de janeiro, à rádio Câmara: ‘Esses R$ 780 milhões são uma mera expectativa e cumprem muito mais uma finalidade de dar uma resposta à sociedade – dizer: ´o governo está agindo´ -, mas dificilmente esse dinheiro vai poder ser empregado com rapidez. Naturalmente, os municípios têm enorme dificuldade em elaborar os projetos’ (ver aqui).

Até a próxima semana.’