Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Paulo Machado

‘Com a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) Nacional de 2009 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do Ministério da Educação, as notícias da Agência Brasil chamaram a atenção de muitos pais de alunos, alunos e professores que escreveram para esta Ouvidoria querendo mais informações sobre onde e como localizar as notas recebidas por determinadas escolas de seu interesse.

As matérias não deram o serviço, ou seja, não indicaram como os leitores podem acessar os sítios eletrônicos (*) onde as notas estão a disposição da população e tampouco como fazer a pesquisa para se chegar a elas.

Segundo o Inep, organismo responsável pela concepção e execução da avaliação: ‘Com o Ideb, ampliam-se as possibilidades de mobilização da sociedade em favor da educação, uma vez que o índice é comparável nacionalmente e expressa em valores os resultados mais importantes da educação: aprendizagem e fluxo.’ Todavia, como toda forma de estatística, seus resultados precisam ser interpretados por especialistas que consigam traduzir para a população o que os números possam eventualmente indicar. É neste aspecto que o papel da mídia torna-se fundamental para se obter o efeito desejado de ‘ampliar as possibilidades de mobilização da sociedade em favor da educação’.

O índice pode revelar tendências mas seus resultados precisam ser relativizados à luz de informações que permitam aos leitores saber sobre suas limitações estruturais e metodológicas. A nota da Prova Brasil, por exemplo, um dos fatores do cálculo do Ideb, é resultado de uma forma de verificação do conhecimento pouco eficiente, segundo alguns pensadores da pedagogia contemporânea. O fator evasão escolar pode não necessariamente estar relacionado à qualidade do ensino, refletindo em alguns casos, muito mais as condições sócio-econômicas a que estão sujeitos alunos que deixam de estudar para trabalhar e ajudar na renda familiar.

O Ideb, se for levado ao pé da letra isoladamente, pode induzir a que um pai tire seu filho de determinada escola para colocá-lo em outra com índice superior, sem que isso reflita em melhoria da qualidade da educação. Há inúmeras outras maneiras de agir, preconizadas pelo Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação, o PNDE, que podem influenciar decisivamente na qualidade do ensino. Um deles, por exemplo, é a participação dos pais na gestão pedagógica e administrativa das escolas. Para os pais, ajudar a formular uma proposta pedagógica contextualizada com a realidade cultural, social e econômica do município pode ser uma atitude muito mais eficaz para a melhoria da qualidade do ensino que seu filho recebe do que ficar simplesmente trocando-o de escola.

Mas para que pais, alunos , dirigentes e professores tenham condições de fazer essa discussão, a informação sobre como funciona o sistema de ensino brasileiro é fundamental e é aí que a mídia pode fazer a diferença, principalmente a mídia pública.

Outra forma das comunidades escolares utilizarem os resultados do índice calculado pelo INEP é adotá-lo como ferramenta de avaliação da gestão do processo educacional e dos recursos alocados. O fato de o município de Campos dos Goytacazes – RJ , que recebe as maiores fatias dos royalties do petróleo em nível nacional, figurar entre os piores colocados em seu estado, pode refletir o grau de eficiência da administração pública local. Esta informação consta isoladamente em uma das matérias da ABr.

Apesar das matérias falarem na parceria Governo Federal com os municípios, elas não fazem a correlação entre recursos destinados e notas do Ideb para informar sobre o grau de eficácia dessa parceria. O jornalismo, em sua função social de informar para contribuir com a formação da consciência crítica do cidadão, tem essa missão.

Uma lacuna deixada pela cobertura da ABr sobre o assunto está na ausência de uma análise dos resultados por regiões, onde o índice pode revelar o abismo que as separa quando se trata do desenvolvimento da educação. Os números deixam isso evidente e sua repercussão junto a especialistas pode contribuir para que os leitores formem uma opinião sobre o que precisa ser mudado para reduzir as diferenças.

Releases apresentados pela Assessoria de Comunicação Social do MEC e pela Assessoria de Imprensa do INEP, além de darem um apanhado geral, apresentam as contribuições relativas dos dois componentes do IDEB (taxa de aprovação – também chamada taxa de rendimento – e desempenho nos exames padronizados – a Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica -Saeb) nas três etapas do ensino avaliadas pelo índice: 4ª e 8ª série do ensino fundamental e 3ª serie do ensino médio.

O resultado que mais chama atenção é o aumento relativo da importância da taxa de aprovação – e a redução relativa da importância do desempenho – na medida em que aumenta o grau de escolaridade quando se comparam os índices de 2009 aos de 2007. O desempenho pesa mais em todos os três níveis, mas a importância da taxa de aprovação passa de 29% na 4ª serie para 36% na 8ª serie do ensino fundamental e 42% na 3ª serie do ensino médio.

O índice calculado para o Brasil, para as regiões e para os estados, baseia-se no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que é amostral e avalia alunos da rede pública e da rede privada de escolas localizadas nas áreas urbanas e, no caso da 4ª serie do ensino fundamental, inclui as escolas rurais. O calculo dos índices para os municípios e escolas baseia-se na Prova Brasil, que é praticamente universal no seu âmbito de cobertura mas restringe-se aos alunos das escolas públicas localizadas nas áreas urbanas. Nas matérias publicadas pela ABr, esta informação não é fornecida, levando a vários equívocos.

Um destes equívocos é a manchete de uma das matérias: Ideb sobe para 4,6 e aponta melhoria na educação pública, publicada dia 1º de julho. Na realidade, o Ideb que subiu para 4,6 refere-se aos alunos da 4ª serie do ensino fundamental onde estão incluídos os alunos das escolas particulares. Em uma tabela reproduzida na página do Inep, constata-se que o Ideb de 4,6 representa um total composto pelas notas das escolas da rede publica, com um Ideb de 4,4, e das escolas da rede particular com um Ideb de 6,4.

Da mesma forma, para as outras duas etapas, as matérias não deixam claro que os índices para o país e os estados abrangem as escolas das redes publicas e privadas. No caso da 8ª serie do ensino fundamental, o total de 4,0 que é reportado, é composto de índices de 3,7 e 5,9, respectivamente referentes à rede publica e à rede privada. Para a 3ª série do ensino médio, os índices são: 3,6 (total), 3,4 (rede publica) e 5,6 (rede privada).

Há equívocos também no que diz respeito ao significado dos indicadores estatísticos em si. Na matéria Maioria das cidades atingiu metas e ficou acima da média nas notas do Ideb, publicada dia 05 de julho, afirma-se que: ‘em 2009, 50,2% das cidades ficaram acima da média nacional, que foi de 4,6 pontos, em uma escala de 0 a 10. Na avaliação anterior, em 2007, 47% dos municípios conseguiram superar a média, que era de 4,2 pontos.’ Isto dá a impressão de ter havido alguma melhoria na qualidade do ensino, quando, de fato, numa distribuição estatisticamente normal, 50% dos casos está acima da média e 50% abaixo. Um percentual maior acima da média significa apenas que a média foi puxada para baixo por uma quantidade de unidades com notas muito baixas em comparação ao outro extremo da distribuição. Na avaliação anterior, quando o percentual acima da media foi inferior a 50%, embora o índice do Ideb tenha sido menor, havia, em termos relativos, uma maior quantidade de unidades com notas muito altas puxando a média para cima.

Sobre a utilização do Ideb, as matérias apresentam explicações para os resultados na opinião das fontes ouvidas, mas não relatam como os órgãos do governo incorporam estes resultados na execução das políticas de financiamento à educação, na capacitação dos professores, na seleção e distribuição de material escolar, para ficar só em alguns exemplos, nem tampouco como os pais dos alunos e os professores aproveitam ou poderiam aproveitar os resultados, mesmo no sentido meramente de tentar mudar de escola em vez de tentar mudar a escola.

Até a próxima semana.

Pesquisa: David Arthur Selberstein

(*) os resultados estão disponíveis em:

http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/

http://portalideb.inep.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=6&Itemid=6 e http://www.todospelaeducacao.org.br/Numeros.aspx?action=’