Morreu Cláudio Chirinian. O Brasil todo o conheceu, mas não pelo nome de batismo. Sua alcunha, esta sim, transmitida poderosa e largamente pela TV, consagrou-se: E.T.
Lançado em 1997 pelo programa Ratinho Livre, então na Rede Record, o homem franzino e de estatura baixa para os padrões estéticos dominantes ganhou fama, dinheiro e, claro, uma máscara, uma personagem para chamar de sua. Como afirmou Feuerbach, preferimos a representação à realidade, a aparência ao ser.
E.T. é um espetáculo de TV e, igual a todos, perdura e é sempre forte… Até que acaba. Claudio voltou a existir porque o E.T. caiu no ostracismo. Claudio viveu bem? Tinha dinheiro? A fama do E.T. lhe ensinou algo? Como saber? Claudio jaz morto. Mas o E.T., que nada sabe de Claudio, não. Este viverá para sempre.
Acesse agora o YouTube. Ele está lá. Zapeie pelos canais de TV que, ainda, mas por pouco tempo, vão lembrar a morte desse ícone televisivo. Ele está lá. Depois, e isso não vai demorar, o E.T. volta a ser esquecido, vai novamente se exilar nas profundezas de alguma galáxia, lá pelos mundos nunca achados. Mas morrer, nunca. A TV, no Brasil, eterniza suas fórmulas, guarda atrações em seus arquivos de imagens que sempre poderão ser recuperadas, reeditadas, adoradas, enfim, copiadas, servindo como inspiração para algum programa ‘novo’.
Briga de mentirinha
Somos um povo carente de orientação. A telinha nos dá o que precisamos. Em jornalismo, estuda-se a agenda da mídia, ou seja, o rol de assuntos que os meios de comunicação nos oferecem. A TV e a imprensa em geral não podem decidir o que vamos pensar, mas inegavelmente conseguem ditar sobre o que pensamos. Repare bem: seus assuntos na roda do bar, faculdade, escola e trabalho são os mesmos das bancadas e das páginas – impressas ou da rede – de notícias que estão por aí.
Diga quantas vezes você falou ou ouviu falar sobre o Azerbaijão, a Guiana Francesa ou o Marrocos esta semana, este mês? Eles não estão na agenda da mídia. Coincidência? Somos aprisionados por uma TV de sinal aberto pouco criativa, desinteressante – e desinteressada – e que apela para bizarrices.
A aparição do E.T é exemplo dessa característica. Talvez poucos se lembrem, mas Claudio passou um programa inteiro aprisionado em uma caixa antes de aparecer pela primeira vez ao vivo. Ao sair, estava sem camisa e, usando um porrete, se insurgiu contra o repórter Rodolfo – seu companheiro – e contra Carlos Massa, o Ratinho. Claro, a briguinha era uma encenação.
Símbolos sem fim
Quantos Ratinhos, Leões, Gugus, Faustos e similares vamos precisar para perceber que são esses fenômenos de audiência que pautam, ensinam e orientam a sociedade? A TV aberta, no Brasil, alcançou força tal que dita valores e escolhas.
Não quer dizer que inexistem forças de resistência. TVs, abertas inclusive, produzem materiais que dignificam o homem, ensinam de verdade e não ridicularizam o outro. Mas esses canais são ilhas de excelência no espectro e no cabo. É preciso mais.
Ciro Marcondes Filho, estudioso da telinha, alerta que uma emissora de TV conduzida de maneira irresponsável pode inverter leis morais. Explica-se: muitos chamariam a atenção de um filho que zombasse sem parar e cruelmente de um coleguinha da escola. Mas esses muitos são os mesmos que riram do E.T. e vão rir diante de outras piadas que ainda serão contadas na televisão brasileira. Fica a lição: vão embora os homens, mas os símbolos permanecem. Claudio se foi. Já as piadas que fizeram com ele estão bem vivas à espera de outros para vitimar.
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Jornalista e produtor de TV, São Paulo, SP