Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Recentemente, a Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi) lançou o livro Mídia e Direitos Humanos, em conjunto com Secretaria Especial de Direitos Humanos e com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A publicação apresenta o resultado de uma pesquisa sobre o conteúdo veiculado por 57 jornais diários, de todos os estados brasileiros, a respeito do tema direitos humanos. Segundo explica Guilherme Canela, coordenador de Relações Acadêmicas da Andi, verificou-se o material jornalístico (notícias, editoriais, artigos, colunas e entrevistas) que mencionava claramente a expressão ‘direitos humanos’ ou termos correlatos, durante o ano de 2004. O livro, segundo Canela, ‘oferece um amplo panorama conceitual’ acerca do tema. O conteúdo é complementado com entrevistas com especialistas, artigos, glossário e um guia de fontes sobre o tema.

A propósito disso, foi publicada a notícia O POVO lidera ranking sobre direitos humanos (edição de 24/9), mostrando que o jornal – com 70 textos – ficou em primeiro lugar na lista dos periódicos que mais abordaram o tema. Na seqüência vêm A Tarde (BA, 60); A Gazeta (MT, 49), O Liberal (PA, 46) e Zero Hora (RS, 46): assim, os cinco primeiros da lista são jornais regionais. O primeiro diário considerado de alcance nacional, O Correio Braziliense (DF), aparece em 12º lugar, com 40 textos. Junto com outros jornais tipificados como nacionais – O Estado de S. Paulo, O Globo, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil -, o segmento responde por menos de 13% dos 1.350 textos analisados pela Andi.

Na matéria, ocupando meia página, as informações resumem-se praticamente ao que escrevi no parágrafo anterior, com um quadro mostrando a posição dos 57 jornais pesquisados. O texto começa da seguinte maneira: ‘Direitos humanos no centro da pauta. O que faz parte do cotidiano e da responsabilidade social da equipe do O POVO merece reconhecimento: o jornal lidera o ranking nacional na publicação de matérias que enfocam os direitos humanos…’ Na legenda da ilustração escreve-se: ‘Direitos humanos: bandeira do O POVO.’ Sobre o livro da Andi, a única citação é esta: ‘A pesquisa foi publicada agora em formato de livro’, sem nenhuma referência ao título da obra ou à abrangência de seu conteúdo.

ANDI

Considerei a pesquisa assunto importante, tendo chamado atenção O POVO ter ficado em primeiro lugar na lista citada. Destaquei o fato de forma elogiosa na crítica interna à Redação e, influenciado pela matéria, pensei escrever uma coluna na mesma intensidade.

Entanto, não é a primeira vez que parto de uma premissa para escrever uma coluna e altero o seu sentido quando começo a pesquisa para fazê-la. Isso acontece também, muitas vezes, com o trabalho do repórter: começa-se a investigação com uma idéia, mas se ela for contrariada pelos fatos o jornalista tem de ter a humildade de reconhecer que tomou o caminho errado. Nesse aspecto, o método jornalístico equivale ao método científico.

Escrevi ao coordenador da Andi e centrei as perguntas no ‘ranking’. Antes de respondê-las, Guilherme Canela explicou os objetivos da pesquisa e do livro, que resumi no primeiro parágrafo, escrevendo depois o seguinte: ‘Peço perdão pelo preâmbulo, porém era necessário para dizer que a pesquisa realizada está muito além de um ranking. Na verdade, existe uma única tabela que pode ser considerada um ranking na publicação (eu, particularmente, nem sequer leria dessa forma): é aquela apontando quais jornais mais publicaram, no período, matérias, editoriais, artigos, colunas e entrevistas que traziam a expressão direitos humanos ou correlatos.’

IMPORTÂNCIA

Isso quer dizer que o fato do O POVO se destacar em relação à abordagem do tema direitos humanos é um fato desimportante? Não, pelo contrário. Para Canela, ‘essa é uma informação relevante’, mas observa que ‘ela não indica a qualidade dos textos publicados’, pois ‘é possível haver jornais que publicaram muito sobre direitos humanos, mas com informações equivocadas; outros, publicaram menos, mas com qualidade.’ Entretanto, o representante da Andi ressalva: ‘Em alguns casos, como do O POVO e A Tarde, parece-nos que um fator explicativo é a decisão editorial de investir nesse tipo de cobertura; não por outras razões, alguns quadros diretivos que trabalharam no O POVO estão hoje em importantes instituições de defesa dos direitos da criança.’ Por experiência própria, eu posso afirmar que, no caso deste jornal, cobrir a questão dos direitos humanos com desvelo é uma decisão editorial, captada pelo levantamento da Andi.

Com relação ao maior número de material sobre direitos humanos nos jornais regionais, Canela avalia que a imprensa regional dedica mais atenção aos fatos locais, tendendo a cobrir com mais intensidade ‘os problemas que atingem a população, no seu bairro, no município e no estado’, por isso, esses jornais olhariam com mais cuidado assuntos como educação, saúde, entre outros temas relacionados aos direitos humanos. Mas, são hipóteses a serem testadas, diz ele, pois a pesquisa não se aprofundou nesses aspectos.

ERRADO?

O que anotei até agora não significa que a matéria comentada esteja ‘errada’. Toda notícia é um recorte da realidade, entretanto, sempre é possível selecionar os aspectos mais relevantes de um assunto, produzindo-se um texto mais elaborado, com mais informações ao leitor. No caso, uma notícia contextualizada mostraria com mais vigor o significado de O POVO ter ficado no topo da lista dos jornais que mais publicam sobre direitos humanos. Da forma escrita, imprimiu-se no texto um tom excessivo e unilateral, sem espelhar a complexidade do estudo da Andi, que pode ser visto na íntegra neste endereço: Texto Base Mídia e Direitos Humanos.