Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Primeira Página

RIO DE JANEIRO
Deonísio da Silva

Rio de balas, ambulâncias e motolâncias

Vi no dispositivo eletrônico do táxi que me levava ao Galeão, no caminho Barra da Tijuca-Linha Amarela-Linha Vermelha, o aviso da cooperativa: ‘os motoristas podem recusar as corridas sem dar nenhuma explicação’.

A tristeza desses dias podia ser medida por tal licença. Corridas para a Rocinha, Rio Comprido, Del Castilho, Baixada Fluminense e principalmente para a Penha, ninguém queria fazer. Eram todas recusadas. Como ficariam aquelas pessoas que precisavam com urgência de um táxi? Tomar ônibus ou vans era o maior perigo. Dezenas deles vinham sendo incendiados.

Essa operação é o modo mais fácil de assustar os habitantes. Um jovem a serviço de traficantes desde do morro, ordena que os passageiros desembarquem, espalha gasolina ou qualquer outro líquido inflamável e risca um fósforo ou isqueiro. Pronto! Está instituído o pânico. E como pode a polícia identificá-lo? Ele é o mais competente dos guerrilheiros urbanos nessa hora. Sai dali e pega um ônibus ou van e ainda reclama de que estão incendiando os veículos de transporte, que assim não dá etc.

O governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes estão com uma batata quente nas mãos. O governo federal também faz o que pode. Carros de guerra da Marinha ajudaram no policiamento.

Quem não está no Rio, não entende muito bem o que se passa. Em primeiro lugar, há aqueles lugares que a violência parece não atingir. Parece. Moro na Barra da Tijuca, um desses bairros, e do 13º andar vi várias ambulâncias chegarem aos hospitais. Naturalmente, nem todos eram feridos de guerra, mas o número de ambulâncias era maior do que nos outros dias. E chegavam também motolâncias, neologismo nascido com o uso de motos que transportam quem está precisando de socorro médico. A maioria tem problemas de pressão, taquicardia, arrependimentos, remorsos etc, coisas do coração! Muitos se perguntam: por que ainda moro aqui?

Um percurso que em quintas-feiras normais levaria até duas horas, nesse dia levou quarenta minutos. Da avenida Aírton Senna em diante, passando pela Linha Amarela e pela Linha Vermelha, havia poucos carros e nenhum ônibus ou van. Era aterrador. As pessoas, assustadas, não saíam de casa. Nessas horas, a televisão reina soberana, assustando mais ainda.

As redes cumprem também, com muito esmero, a tarefa de, sem querer, auxiliar os bandidos, que acompanham pela televisão a estratégia da polícia e vão descobrindo modos de fugir do cerco. As autoridades reclamaram que os traficantes eram ajudados pelos repórteres do rádio e da televisão, mas fazer o quê? A mesma informação que serve às pessoas de bem, serve aos bandidos também.

Não nos enganemos. Essa guerra vai demorar. Enquanto houver quem compra drogas, haverá quem as vende. E a polícia ataca apenas quem as vende. Eis um assunto mais complexo do que o Complexo do Alemão, reunião de favelas onde os fugitivos se escondiam da polícia na semana que passou e de onde vinham sendo também desalojados.

 

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