O Kremlin anunciou, na semana passada, que estava perto de solucionar o assassinato da jornalista Anna Politkovskaya. Em poucos dias, entretanto, alguns dos 10 detidos por suspeita de envolvimento no crime haviam sido libertados. Novamente, a investigação dava passos para trás.
Repórter investigativa do jornal Novaya Gazeta, Anna, que completaria 49 anos em 30/8, foi executada a tiros no elevador do edifício onde morava, em Moscou, em outubro de 2006. Crítica ferrenha do governo do presidente Vladimir Putin, ela não se deixava intimidar ao expor escândalos de corrupção, crimes e situações irregulares, abordando principalmente o conflito na Chechênia. Em 2004, quando seguia para cobrir o seqüestro da escola em Beslan, Anna escapou da morte a ser envenenada no hotel onde se hospedara.
A morte da jornalista se transformou em um caldeirão de interesses políticos. O Kremlin tenta incriminar seu arquiinimigo, o empresário Boris Berezovsky, que hoje vive exilado em Londres. Os opositores de Putin, por sua vez, acusam o governo pelo assassinato.
Fiasco
Fato é que o crime causou comoção internacional – e, para piorar a situação, fez lembrar da morte sem solução de pelo menos 20 jornalistas na Rússia. Sobre o presidente, caiu a pressão de apresentar o culpado pela morte de Anna Politkovskaya. Era isso que o Kremlin, com orgulho e certa dose de alívio, tentava anunciar na semana passada, com a prisão dos 10 suspeitos. Mas o que parecia ser a proximidade de um desfecho espetacular para um dos crimes de maior destaque no país logo se transformou em um fiasco político.
Entre os suspeitos apresentados pelo procurador-geral Yuri Chaika em uma coletiva de imprensa estavam, entre uma maioria de chechenos, três ex-agentes de polícia e um funcionário da agência de inteligência russa. Poucas horas depois ficava claro que o pronunciamento de Chaika havia sido exagerado e que atrapalhara a investigação – antes guiada por um rígida política de silêncio. Durante a semana, o procurador teve que soltar suspeito após suspeito, por apresentação de álibis e falta de acusações concretas.
Poucos dias após o anúncio das prisões, o Novaya Gazeta sentiu-se obrigado a divulgar uma declaração sobre o assunto e, desta forma, publicar parte da investigação que conduz por conta própria sobre a morte de Anna. Ilya Politkovsky, filho da jornalista, ajudou a escrever a matéria de capa que defendia que o crime não está ‘praticamente resolvido’.
Sistema em crise
Ainda que o artigo elogie os esforços dos investigadores, afirma que as ações do procurador-geral revelam uma séria crise no sistema russo: a profunda ligação entre o governo e a máfia. Pelo que se sabe, diz o jornal, a investigação do assassinato de Anna leva, pelo menos indiretamente, ao Ministério do Interior e aos serviços de inteligência. Ao comparar números de telefone, os investigadores teriam descoberto relação entre os suspeitos presos na semana passada e os homens por trás do ataque a bomba a um McDonalds em Moscou, em 2002.
Ainda que Chaika alegue que ‘toda família tem sua ovelha negra’, ao justificar a prisão de quatro pessoas ligadas a forças de segurança do país, o Novaya Gazeta diz que o caso reflete uma situação crônica no sistema de justiça. Em casos recentes, policiais foram presos por roubo e assassinatos, e uma organização criminosa formada por mafiosos, juizes e membros do departamento de crime organizado da polícia russa foi desmantelada.
Mesmo que o procurador-geral não tenha, ao anunciar as 10 prisões, revelado os nomes dos suspeitos, no dia seguinte eles já estavam estampados – com direito a endereço e foto – em um tablóide e na internet. Até o chefe da investigação, Pyotr Gariban, teve sua fotografia divulgada na rede. Os investigadores do caso reclamam que tanto destaque atrapalhou seu trabalho.
Demonização
O amadorismo protagonizado por Chaika contrastou, entretanto, com sua certeza ao acusar ‘pessoas de fora da Rússia’ pelo assassinato – em declaração similar a de Putin dias após o crime. Não apenas Boris Berezovsky foi citado, como também Leonid Nevslin e seu parceiro de negócios Mikhail Khodorkovsky, ex-magnata do petróleo. Khodorkovsky está em uma prisão na Sibéria, enquanto Nevslin vive no exílio em Israel. Segundo o procurador, ‘eles querem desestabilizar o país e voltar ao sistema em que o dinheiro e os oligarcas mandavam’.
Durante a semana, os jornais russos entraram na dança de acusações. ‘A bala veio do exterior’, concluiu o Rossiiskaya Gazeta, que pertence ao governo. Segundo pesquisa do Isvestiya, 57% dos leitores concordam com esta afirmação. Já o empresário – e ex-investigador da KGB – Alexander Lebedev, que junto com o ex-presidente Mikhail Gorbatchov possui o Novaya Gazeta, alerta para o perigo de se demonizar outros países antes de fazer ‘uma reforma radical nos órgãos judiciários’ da própria Rússia. Informações de Matthias Schepp [Der Spiegel, 3/9/07].