Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Programa de TV usa humor como arma alternativa

Desde a queda de Saddam Hussein do poder, a TV iraquiana começou a usar o humor para exorcizar os sérios problemas do país. O grande sucesso do momento é o noticiário Apresse-se, Ele está Morto, exibido pela emissora por satélite al-Sharqiya. O programa segue a mesma linha do sucesso americano The Daily Show with Jon Stewart. As piadas não poupam ninguém – do governo iraquiano as Exército americano, há brincadeiras para todos. Até as violentas milícias que tanto assustam o país são satirizadas.


O criador do programa, Talib al-Sudani, vendeu os direitos à al-Sharqiya por apenas US$ 3,700. Sudani, 40 anos, conhece bem a realidade com a qual brinca: vive em um pequeno apartamento em Sadr, região predominantemente xiita, com sua mulher e cinco filhos, e usou o dinheiro do programa para comprar uma televisão, uma geladeira, máquina de lavar roupas e armários.


A idéia para Apresse-se, Ele está Morto surgiu quando Sudani teve que passar uma noite em um café que freqüenta porque perdeu o toque de recolher. Pela janela do café, viu um gato errante pela rua. ‘Eu não podia ir para casa, mas o gato podia’, diz. A situação o levou a imaginar que, com a crescente violência no país, chegaria o dia em que sobraria apenas um iraquiano vivo. ‘Ele herdaria tudo’.


Cautela


A idéia inicial era fazer um noticiário de mentira com um tom mais sério, mas a comédia acabou dominando o programa. A premissa é simples: estamos em 2017 e sobrou apenas um iraquiano vivo, que se diverte com mulheres bonitas em uma limousine. Quando o noticiário começa, voltamos ao presente. A idéia é mostrar o processo que arruinou o país e deixou apenas um homem vivo.


A estrela principal é o apresentador Saad Khalifa, que usa uma gigantesca peruca afro e óculos em formato de estrelas. A atração estreou em setembro e conquistou a atenção do público – há quem se delicie com as piadas; há quem se choque com a ousadia.


De fato, a cautela prevaleceu na estréia do programa. Os primeiros episódios foram gravados em Dubai, porque os produtores chegaram à conclusão de que seria muito perigoso e difícil em termos de logística fazê-lo em Bagdá. Alguns temas também são proibidos, considerados controversos demais para a TV. Um episódio escrito por Sudani que ridicularizava o julgamento de Saddam Hussein não foi usado por receio de que o assunto pudesse enfurecer partidários do antigo regime e o governo atual.


Só resta rir


As restrições param por aí. Em um dos episódios, Khalifa noticia que o Ministério da Água e Esgoto decidiu mudar de nome para simplesmente Ministério do Esgoto, já que desistiu da parte da água. Em outro, ele declara que ‘Rums bin Feld’ (trocadilho com o nome do secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld) anunciou que as tropas americanas deixariam o país em 1/1, ou seja, em 1º de janeiro. Sua expressão muda quando ele percebe que se enganou: os soldados não deixarão o país em uma data específica, mas sairão um a um, o que levará mais de 600 anos. O apresentador também faz piada com a onda de seqüestros no Iraque. ‘Homens desconhecidos seqüestraram homens desconhecidos, que foram levados para um lugar desconhecido’, diz, ao reportar um seqüestro em massa.


Sudani diz que perdeu a esperança no Iraque. Acredita que os líderes do país são incompetentes e teme que serviços básicos de saneamento e eletricidade nunca sejam completamente restaurados. A experiência americana de democracia, afirma ele, já nasceu morta. Assim, o que resta é rir. Informações de artigo de Michael Luo [The New York Times, 24/10/06].