O jornalista e pesquisador Pedro Burgos mostra num trabalha de monitoramento do Facebook como o conceito “grande mídia” ficou sem sentido depois que as redes sociais passaram a ocupar boa parte da atenção dos usuários de redes sociais. É o que ele explica na entrevista a seguir, realizada pelo repórter Tiago Aguiar e reproduzida do site da ABRAJI:
Pedro Burgos, um dos colaboradores no especial “Jornalismo Brasileiro em 2017”, lançou no último domingo (5.fev.2017) o Burgos Media Watch, observatório de mídia brasileira focado no Facebook.
“Todo domingo de manhã você encontra aqui um ranking atualizado que joga uma luz no mundo de Zuckerberg. O relatório da semana que acabou em 05/02/2017, por exemplo, foi gerado com base nas estatísticas de 13.775 posts de 66 páginas”, conta na descrição inicial.
Pesquisador visitante da Columbia University e consultor de mídia (em que faz versões customizadas do trabalho lançado), Burgos considera que o Facebook tornou o conceito de grande mídia ultrapassado, ao igualar as oportunidades de publicação. Acrescenta ainda que o negócio jornalístico precisa transformar o modo como mede seus resultados. Leia a entrevista que ele concedeu à Abraji:
P – Você já citou algumas das razões que o motivaram a criar o projeto. O Burgos Media Watch foi feito também com fins de pesquisa acadêmica?
R – Não, mas é resultado de um processo de pesquisa que inclui pesquisa acadêmica.
Quando eu vim para os EUA, fiz o mestrado de jornalismo social da CUNY (City University of New York). Lá vimos muita coisa de mineração [de dados], mídias sociais… e eu comecei a me interessar mais pelo assunto. E também é resultado do entendimento pessoal de que o Facebook é cada vez mais a Internet para muita gente.
A partir daí, para aprofundar e desenvolver o projeto, fiz uns cursos online, oficina de programação e apliquei o trabalho do Marshall Project [onde atuava até recentemente], além do conhecimento acumulado de anos de trabalho.
Na metodologia você menciona que “no início privilegiou páginas de `notícias`, mas aos poucos foi aumentando o leque para movimentos/partidos políticos e pessoas”. Qual foi o seu critério para a escolha das páginas?
Me baseei nos maiores veículos, a partir do IVC (Instituto Verificador de Comunicação) e também em dados do “Monitor do debate político no meio digital” com recorte no Facebook. A minha ideia inicialmente era pegar o que tinha mais volume, porque é uma amostra, não uma radiografia completa da discussão.
É um critério em constante revisão (novas 15 páginas já serão adicionadas para o próximo ranking neste domingo) e não estou preocupado em pegar os mais relevantes jornalisticamente e, também por isso, expandi para movimentos políticos.
Ficou cristalino durante as eleições americanas – mas também desde 2014 no Brasil – que as pessoas se informam em páginas de movimentos e partidos políticos. Na época da votação do impeachment na Câmara , o MBL (Movimento Brasil Livre) tinha mais compartilhamentos do que a soma de todos os grandes jornais, assim como muitas vezes a página do PT tem mais alcance do que a Veja.
P – Você não pretende destacar o que é “fake news” dentro disso?
R – Conceitualmente é uma discussão falha. Acho que ficaram claros os limites das fake news nos debates americanos. A apropriação do termo pelo Trump é uma amostra de como foi usado de maneira equivocada.
Por exemplo, o que fazer para classificar a Folha Política [1ª posição em ranking de compartilhamentos do observatório]? Ela tem grandes parágrafos copiados, normalmente da Folha de S. Paulo e da Veja, e com manchetes espetaculosas. Mas isso não é fake news. Se a manchete é espetaculosa e for critério, 99% das notícias de jornalismo científico brasileiro podem entrar como fake news.
Esse é o problema, muita gente considerada séria poderia ir para o saco.
P – Ter acesso às taxas de cliques ajudaria num aprofundamento?
R – Seria obviamente um bom dado para analisar, mas estou mais interessado no desejo das pessoas do que no quanto elas estão sendo informadas.
Pela minha experiência, as pessoas saem cada vez menos do Facebook, tanto que essas iniciativas do Instant Articles estão aí para lidar com isso. Fotos e vídeos têm muito mais cliques que links, mas a “grande mídia” é quase 100% de links nas suas postagens. Como o MBL e a Mídia Ninja não estão interessadas no tráfego, ter a matéria inteira no Facebook funciona.
O clique não capta esse novo momento de hábito de navegação, o índice de clique é muito baixo, é muito comum ter mais taxa de compartilhamento do que clique.
P – Alguma conclusão já a partir dessa coleta inicial que possa servir para o trabalho dos jornalistas brasileiros?
R – Que o conceito tradicional de grande mídia está absolutamente ultrapassado, algo que venho falando há uns anos. O Facebook, que é o lugar onde as pessoas passam mais tempo na internet brasileira, é um campo onde tudo meio que se iguala.
E que as métricas de audiência são muito falhas. O que medimos hoje não funciona nem mais como modelo de negócios e nem para distinguir o que é bom jornalismo.
E acima de tudo, estou fornecendo esses dados para mostrar que os números que usamos não capturam o que é importante.
No caso da indicação do Alexandre de Moraes para o STF: a reportagem do Estadão, da tese de doutorado do Alexandre, e mesmo a do Buzzfeed sobre o seu patrimônio, não tiveram individualmente muitos compartilhamentos. O meme da Mídia Ninja teve muito mais compartilhamento que a matéria do Estadão. Mas essas matérias tiveram impacto, o Buzzfeed e o Estadão pautaram as falas do ministro no dia seguinte.
P – Paradoxal isso, não?
R – O cara que paga a assinatura do Estadão está subsidiando a informação de quem se informa por esses outros lugares.Todas essas páginas bem sucedidas não são nada sem o jornalismo brasileiro. É muito raro as investigações saírem dessas páginas.
Se a matéria do Estadão foi citada em 34 das páginas com mais alcance no Facebook, isso tem que contar na mensuração de impacto do Estadão. Precisamos medir melhor o sucesso do jornalismo brasileiro.