Um dos aspectos mais discutidos sobre a performance da imprensa americana na cobertura da guerra do Iraque é o foco dos jornalistas sobre o conflito, voltado majoritariamente para a violência. O governo dos EUA critica a maior parte da cobertura. Segundo o vice-presidente Dick Cheney, os jornalistas teriam uma ‘percepção distorcida’ do Iraque, ‘porque o que vende é o carro-bomba em Bagdá’.
Em artigo no Washington Post [27/3/06], o jornalista Howard Kurtz analisa a cobertura da mídia americana sobre a guerra e avalia que os jornalistas agora refletem uma opinião que as pesquisas já haviam revelado: a maior parte da população americana é contra o conflito.
Cobertura áspera
O tom das reportagens sobre o tema teria se tornado mais duro e crítico – ao governo dos EUA. ‘Uma coisa que explica isto é que há um grande número de más notícias vindas do Iraque e de outros países como Afeganistão, Irã e Coréia do Norte. Mas este fato não explica totalmente o tom áspero da cobertura. Com 2/3 do público americano desaprovando a performance de Bush, torna-se aberta a temporada de ataques a ele. E quando até os conservadores começam a atacá-lo, os jornalistas se sentem mais confiantes para atacá-lo também’, opina Ken Auletta, da New Yorker.
Para o colunista da Newsweek Jonathan Alter, o ‘tom áspero’ não vem de agora, já que os jornalistas nunca teriam sido favoráveis à guerra. ‘Você pode encontrar matérias críticas à guerra publicadas há três anos em muitos jornais e revistas’, afirma.
Ainda assim, Kurtz defende que os jornalistas certamente não costumam se ver como ativistas radicais antiguerra. Na opinião dele, a maneira como a cobertura do conflito no Iraque se tornou mais ríspida se assemelha à cobertura da guerra do Vietnã, quando os jornalistas passaram a criticar o conflito na medida em que o exército americano foi se desgastando. Para o jornalista do Post, a cobertura feita pela mídia hoje se contrasta muito com àquela feita logo após os atentados terroristas de 11/9/01. ‘Nós fomos atacados. Somos cidadãos. Nós nos sentimos vulneráveis, assim como nossos líderes em Washington’, completa Auletta.
Alvo de críticas
Para Kurtz, o tom das perguntas e comentários dos jornalistas ao presidente George W. Bush em uma coletiva de imprensa, na semana passada, comprova que a mídia está mais agressiva em relação à posição do governo americano no conflito. Algumas delas:
Jessica Yellin, da ABC: ‘O senhor está disposto a sacrificar a vida de americanos para evitar que os iraquianos se matem?’
Kathleen Kock, da CNN: ‘O senhor acredita que o secretário de Defesa Donald Rumsfeld deva renunciar?’
David Jackson, do USA Today: ‘O senhor está preocupado que a experiência no Iraque possa encorajar regimes autoritários no Oriente Médio e tornar mais difícil estabelecer a democracia por lá?’
Jim VandeHei, do Washington Post: ‘As pesquisas mostram um número crescente de americanos que estão questionando sua probidade e da Casa Branca. Isto preocupa o senhor?’
Helen Thomas, da Hearst: ‘Sua decisão de invadir o Iraque causou a morte de milhares de americanos e iraquianos e deixou outros feridos ou incapacitados. Todas as razões dadas para a guerra, pelo menos as públicas, revelaram-se falsas’.
Há boas notícias
Kurtz ressalta que há matérias a ser feitas sobre aspectos positivos do Iraque, mas elas acabam ofuscadas pelas bombas, ondas de violência e assassinatos. ‘Não é querer divulgar apenas boas notícias, mas há que se mostrar o contexto. Não há explosões todos os dias, e é isso que é mostrado. Quando a mídia foca demais nos ataques insurgentes, parece que está se investindo em mostrar a derrota dos EUA’, afirma a radialista conservadora Laura Ingraham, que recentemente passou uma semana no Iraque. A jornalista Elizabeth Vargas, âncora da ABC, lembra que, antes do ataque sofrido por seu colega de trabalho Bob Woodruff, em janeiro, ele havia feito uma matéria sobre uma sorveteria em Bagdá e sobre uma escola de balé.
Kurtz diz que há relatórios que indicam que os jornalistas não estariam ignorando os sinais de progresso no Iraque – embora muitos deles afirmem que as condições perigosas prejudicam, e muito, o contato com os iraquianos. Alguns profissionais de imprensa chegam a se esforçar para diversificar os assuntos, e abordar questões longe da violência – mas ela acaba aparecendo. Jake Tapper, da ABC, fazia uma matéria sobre um programa de televisão de uma emissora iraquiana quando foi avisado de que o gerente da divisão de entretenimento da emissora acabara de ser assassinado. Inevitavelmente, este se tornou o foco da reportagem.