Como salvar os jornais da crise? Como frear a queda das receitas publicitárias? Como formar uma nova geração de leitores? Estariam os jornais impressos condenados a mudar para não desaparecerem? Mudar o quê?
Estas questões fundamentais para patrões e empregados da imprensa escrita foram discutidas exaustivamente nas duas últimas semanas, na França, nas páginas dos próprios interessados, os jornais diários. Especialistas analisaram a situação mas – exceto um projeto de formação de novos leitores que lembra o prazer ‘quase carnal’ do contato com o papel – não apresentaram soluções mágicas.
Os dados divulgados por vários institutos especializados mostram uma diminuição de leitores e do tempo dedicado à leitura. Logo depois da Libertação de Paris, em 1944, existiam 28 jornais diários de circulação nacional. Sessenta anos depois são apenas 10. Mudaram os tempos e mudaram os hábitos dos franceses que, presos em intermináveis engarrafamentos no caminho do trabalho, têm acesso à informação pelo rádio.
Os mais jovens lêem menos jornais e se informam principalmente pela internet. De cada dez franceses de mais de 18 anos, quatro declaram se informar pela internet. Atualmente, os franceses compram 164 jornais por mil habitantes. A Noruega, onde mais se lê jornal no mundo, tem 704 jornais vendidos por mil habitantes. A França está em 31° lugar na venda de jornais por habitante, segundo a Associação Mundial de Jornais.
Reverter a tendência
Grandes jornais como Le Monde, Le Figaro e Libération perderam leitores este ano, em relação ao primeiro semestre do ano passado. Outros que apresentaram pequeno crescimento, como o respeitado diário comunista L’Humanité – que completou 100 anos em abril passado –, estão ameaçados seriamente. L’Humanité cresceu 0,6% no primeiro semestre deste ano (vende 47 mil exemplares) mas está muito distante dos áureos tempos quando vendia 250 mil exemplares/dia. O jornal vem, há meses, alertando o governo para o risco de ausência de pluralismo na imprensa caso ele próprio venha a desaparecer.
Culpa da internet, onde todos os jornais podem ser lidos, ou dos cotidianos gratuitos distribuídos no metrô das principais cidades francesas? Ou dos dois? Os jornais já se perguntam se seus próprios sites não seriam os principais responsáveis pela canibalização das edições em papel.
Ex-presidente da Agência France Presse, Henri Pigeat diz que o modelo econômico da imprensa não pode mais ser o mesmo que funcionava quando não havia a internet e a televisão não era tão poderosa. Ele assegura que entre os muitos fatores responsáveis pela queda nas vendas deve ser levada também em conta a diminuição do número de jornaleiros. A Alemanha tem 90 mil pontos de vendas enquanto a França tem apenas 30 mil. Em Paris, eles passaram de 355 em 2000, a 300 este ano.
Segundo o sociólogo e pesquisador da mídia no Centro Nacional de Pesquisa Científica Jean-Marie Charon, a atual crise dos jornais se revela mais profunda que as anteriores. Para ele, é necessária uma reflexão séria sobre o papel dos jornais diários para entender e reverter a tendência atual.
Senhores da guerra
A queda nas vendas levou os grandes jornais a acumularem prejuízos crescentes. O Le Monde, com perdas de 50 milhões de euros desde 2001, anunciou no fim de setembro um plano de incentivo a demissões para enxugar a folha de pagamentos.
Segundo os cálculos do jornal, o plano deve levar cem empregados, dos quais 40 jornalistas, a pedirem demissão. Essa seria uma primeira tentativa de equilibrar as contas do jornal, que perdeu 4,4% de seus leitores no primeiro semestre deste ano, em relação ao ano passado. Além disso, há um projeto de transformar o Monde, único vespertino nacional, em matutino – para chegar às bancas junto com seus concorrentes.
Mas como a força dos sindicatos e dos assalariados é mais uma faceta da ‘exceção francesa’, os empregados do Le Monde contestaram em assembléia-geral ‘os fundamentos e a lógica do plano da direção que prevê a supressão de cem empregos’. Para os assalariados, ‘não está em jogo nenhuma negociação de demissão voluntária enquanto a direção não der mais explicações sobre o futuro da empresa, em particular sobre o plano de recuperação econômica do diário. A diminuição da massa salarial não pode ser a única medida de economia’.
O jornal Libération, fundado em 1973 por Jean-Paul Sartre e Serge July, por sua vez, está à procura de um novo acionista, depois de ter perdido 0,03% de leitores no mesmo período. Já o Figaro vive um momento particularmente difícil. Não somente está em queda de 1,75% nas vendas em relação ao primeiro semestre do ano passado, como passa por uma crise interna desde julho, quando o milionário Serge Dassault comprou 82% das ações da Socpresse, que o publica, e mais outros 70 jornais.
Fabricante de aviões e de armamentos, Dassault, o quinto homem mais rico da França, saltou literalmente de pára-quedas no mundo da imprensa ao se dar de presente o segundo maior jornal diário do país. Ele alegou precisar de um veículo para ‘passar suas idéias’. Suas idéias são as de um liberal que quer ver uma lei para suprimir os impostos, astronômicos, sobre as grandes fortunas e as heranças. Amigo de infância de Jacques Chirac, Serge Dassault viu seu pai se interessar pela carreira do jovem Chirac, cujo pai trabalhou para Marcel Dassault quando, antes da guerra, este ainda se chamava Bloch.
Ao se mostrar interessado em ‘reformar’ o jornal para torná-lo mais ‘moderno e rentável’, Serge Dassault comprou uma briga com a redação – que não quer perder a independência. Suas interferências na redação censurando artigos inquietam a Sociedade de Redatores do Figaro. Os jornalistas ficaram chocados quando o novo proprietário expôs suas idéias ‘modernas’: ‘Jornais são como automóveis, é preciso se adaptar à demanda’, disse o patrão.
Com a venda da Socpresse a Dassault, mais de 70% da imprensa francesa passou a ser controlada por fabricantes de armas. Além de Dassault, o grupo Lagardère, fabricante dos aviões Airbus e de armamentos, tem o controle de um grande número de revistas.
Jornal nas escolas
Se alguém não fizer nada, as próximas gerações não lerão mais jornais.
Ao contrário do que parece, essa não é uma frase alarmista. Não passa de uma constatação. Na França, 50% das pessoas nascidas antes de 1940 lêem um jornal regularmente. Dos nascidos entre 1940 e 1960, somente 30% lêem jornal diariamente – e esta porcentagem é de 20% para os mais jovens.
Levando em conta que ler jornal não é um reflexo, mas uma aprendizagem, Bernard Spitz apresentou na semana passada ao ministro da Cultura e da Comunicação, Renaud Donnedieu de Vabres, uma proposta bastante original para formar novos leitores: todos os 780 mil jovens que completarão 18 anos em 2005 terão o direito de assinar gratuitamente o jornal de sua preferência, por dois meses. Depois de terem feito o hábito de leitura, um grande porcentual desses jovens continuará a assinar seu jornal favorito, aposta Spitz.
Ele acredita que o contato com o jornal-papel é uma experiência física importante, ‘quase carnal’, e que esse hábito se forma desde cedo. Ou não.
Quem pagará a conta? Segundo o projeto, cada jornal escolhido pelo jovem –que será cadastrado pelo Ministério da Cultura – oferecerá seus exemplares gratuitamente e o governo pagará o custo da operação, isto é, da entrega do jornal pelo correio. Além de ganharem novos leitores potenciais, os jornais poderão imediatamente somar esses exemplares à sua circulação. O que aumentará o poder de barganha juntos às agências de publicidade. Depois de dois meses de gratuidade, os jornais disporão de um fichário de leitores potenciais nada desprezível.
Segundo uma pesquisa, 1,4 milhão de jovens entre 15 e 24 anos já lêem um jornal diário. Mas esse número é 17,5% menor que em 1994.
O relatório Spitz prevê ainda um crédito anual de 40 euros, por classes do ensino médio, para a compra de jornais diários como suporte pedagógico. Neste caso, o texto sugere que todos os jornais sejam vendidos às escolas pela metade do preço. Outra proposta: que o acesso aos arquivos dos jornais na internet seja franqueado aos estudantes.
As medidas defendidas por Spitz custariam 3,5 milhões de euros e já estariam incluídas no orçamento governamental de 2005, na rubrica ‘auxílio à imprensa’.