Há menos de um ano, Jayson Blair era, para todos os leitores do New York Times, um repórter de boa índole. Mas seus tortuosos passos foram descobertos e geraram a mais grave crise sofrida pelo jornalão, com pedidos de demissão do editor-executivo, Howell Raines, e de seu braço direito, o editor-administrativo Gerald Boyd. Blair, o repórter fraudador, reaparece agora para assombrar seus antigos patrões. Lançou, em 7/3, seu livro de memórias, Burning Down My Masters’ House, em que disseca sua passagem cheia de plágios e fabricações por um dos mais prestigiosos jornais do mundo.
Para o crítico Nicholas Lemann, da revista The New Yorker [15/304], parece que Blair escreveu o livro em algumas semanas. ‘Logicamente, Blair nunca teve problemas em ser rápido e copiosamente produtivo’, ironiza. Trata-se de um livro de leitura rápida. Numerosos capítulos pequenos, muitos dos quais são recitações das aventuras jornalísticas de Blair, que foram importantes logo após o ocorrido, mas agora, 10 meses depois do escândalo, perderam o ‘glamour’ e não mereciam a composição de um livro. As partes que o leitor mais espera, em que o repórter começou a fraudar reportagens, só começa a partir do segundo terço da obra.
Escrito sem o menor senso artístico, é neste ponto, segundo Lemann, que se vislumbra o verdadeiro Blair. O exemplo mais óbvio de sua falta de controle autoral é sua tentativa de pôr a questão racial como central em seu comportamento, mas não conseguir passar a mensagem, apresentando argumentos e teses ‘tão complicados e antididáticos como são de fato as relações raciais’.
Para Lemann, o livro está mais para as estantes de ‘reabilitação’ nas livrarias, que para as de ‘estudos afro-americanos’ ou ‘jornalismo’. Isso porque Blair conta ter sido alcoólatra, viciado em cocaína, graduado no programa dos 12 passos de reabilitação e vítima de abuso sexual quando criança, motivos mais que suficientes para se considerar veterano de terapias e aconselhamentos.
Blair reconhece uma série de práticas vergonhosas quando era repórter do Times, como se deixar seduzir por uma publicitária oferecendo, em troca, a inclusão de seu cliente no veículo. O problema é que muitas das práticas questionáveis são erroneamente apresentadas por ele como padrão na redação do jornal.
Segundo Lemann, Blair era o típico viciado em jornalismo, ‘usando prazos, assinaturas de matérias e viagens para se manter levitando um pouco acima do plano da realidade’. A única acusação clara do ex-repórter contra o Times é o fato de a editoria nacional estimular a prática do chamado ‘toe-touch‘, ou seja, a simples ida de um repórter a uma região remota atrás de uma história já lhe valeria o crédito do local de reportagem, mesmo que tenha apenas pisado no local e feito toda a matéria longe dali. Blair, como o próprio afirma, evoluiu do ‘toe-touch‘ para o ‘no-touch‘, inventando locais de reportagem sem sair do Brooklyn.
Lemann afirma em sua crítica que há maneiras de os jornalões americanos evitarem futuros escândalos do gênero Jayson Blair. ‘Estabeleçam um time guerrilheiro de revisores que façam revisões aleatórias de uma pequena porcentagem de textos antes de serem publicados’. Ele explica que seria muito caro e logisticamente impossível para um jornal diário revisar toda reportagem antes da publicação, como ocorre com revistas. ‘A maioria dos escândalos jornalísticos envolvem um tipo específico de matéria, com um assunto de destaque em local exótico, por exemplo. Se os repórteres soubessem que de vez em quando alguém verificaria a matéria conversando com cada pessoa citada, o efeito seria poderoso. Certamente, teria um poder preventivo bem maior que instalar vias mais amplas para reclamações pós-publicação, como a nova posição de ‘editor público’ do Times.’
Muito barulho
Para outro articulista da New Yorker, Ken Auletta, cujo novo livro, Backstory, traça o perfil do ex-editor-executivo do Times Howell Raines, a mídia deveria se preocupar com assuntos mais importantes. Em entrevista a San Gilgoff [U.S. News & World Report, 15/3], Auletta não critica a editora do livro de Blair. ‘Ela sabe que essa é uma sociedade na qual há lucro se o nome for conhecido, mesmo que seja pelos motivos errados’.
Auletta afirma, ainda, que Blair deveria ter sido discreto e tentado criar uma nova vida, um segundo ato. ‘Em vez disso, está explorando o primeiro’, diz.