Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Rita Célia Faheina

‘‘Convoca o público a acordar a vizinhança ‘pau no c.? E ainda se sai com a definição’Fortaleza é do c…!’. A consoante é a inicial de palavras diferentes que os leitores entendem muito bem, principalmente os que leram a matéria da edição da última segunda-feira, 17, sobre o show da banda Charlie Brown Jr. As frases são do vocalista Chorão que deu um péssimo exemplo para os jovens que prestigiaram o show no Parque do Cocó, último dia 25. A atração encerrou a série de shows gratuitos promovidos pelo Governo do Estado.

Palavras e frases de mau gosto do rapaz foram transcritas na matéria de autoria do repórter Henrique Araújo, o que desagradou a vários leitores. Como eu, muitos se sentiram agredidos com o que disse o vocalista (e O POVO publicou) que não teve o menor respeito ao público. A leitora Magnólia Almeida, por exemplo, sugeriu’uma reflexão sobre as expressões chulas ditas pelo Chorão e reproduzidas pelo repórter.’Será que é válido esse tipo de reprodução? A expressão é agressiva demais, não?’, indaga.

No show do rapaz que se definiu como’o mau exemplo que deu certo’ não faltaram garrafas de cerveja cortando os ares, brigas e a histeria do público, segundo foi dito na matéria.’O que o repórter descreveu serviu para a gente conhecer quem é esse Chorão e sua banda. O que ele passa para o seu público. Veio aqui para debochar e dizer o que tem vontade’, disse outro leitor.

Mas com ele não concordou, por exemplo, a professora e jornalista Adísia Sá que ligou no dia em que a matéria foi publicada. A ombudsman emérita ficou indignada com o que foi divulgado’como jornalista, leitora e integrante do Conselho Editorial do O POVO’, frisou. Lamentou ainda a publicação das expressões chulas, o diretor institucional do O POVO, Plínio Bortolotti (ex-ombudsman) que também comenta, internamente, as matérias publicadas no jornal.’Os leitores do O POVO merecem um texto decente, a vizinhança tem o direito de, no mínimo, não ser xingada’, disse em seu comentário do dia.

Na mesma página da edição de segunda-feira, uma matéria sobre a apresentação da cantora Ivete Sangalo mostrou que ela também não tem papas na língua e diz o que tem vontade.’A musa da avenida’ como dizia o título da notícia desafiou o público do Fortal, com a seguinte frase:’Quem não dançar vai pegar uma coceira na virilha’ e anunciando uma música que gravou com uma banda de forró se saiu com essa:’Agora é hora de dançar um mela-cueca’.

Atendendo ao pedido da ombudsman, o repórter Henrique Araújo e o editor-assistente do Núcleo de Cultura & Entretenimento, Magela Lima (editor das matérias), enviaram explicações por e-mail.’Confesso que reagi aos palavrões do Chorão com o mesmo posicionamento do leitor que você encaminhou no comentário. Penso que o Henrique flagrou bem uma rebeldia enlatada que a banda parece vender. A meu ver, acertamos, por mais que possa parecer chocante para alguns leitores. Quanto às expressões da Ivete são parte do lado cômico da cantora. Ela não fala aquilo de forma vulgar, fala de forma jocosa mesmo’, disse Magela e pediu’desculpas por possíveis contratempos’.

Em seu e-mail, o repórter Henrique Araújo disse:’Concordaria com tudo que foi dito se, realmente, a minha intenção fosse reproduzir acriticamente o discurso do vocalista Chorão. Mas não foi o que aconteceu. Há ironia nas passagens em negrito (da matéria). Lamento que a intenção do texto, que era exatamente confrontar a atitude falsamente rebelde de Chorão com o contexto, tenha passado totalmente despercebida. Em nenhum momento’comprei’ o discurso desarticulado da banda. Em nenhum momento reproduzi meramente as palavras do vocalista. Em nenhum momento quis desrespeitar a vizinhança. De qualquer forma, terei mais cuidado com esse tipo de material. Afinal, a leitura não é algo fechado. Interpretações erradas sempre podem surgir’.

Sobre a divulgação dos palavrões e frases chulas, pedi a opinião do professor, jornalista e escritor, Gilmar de Carvalho. Vejam o que ele disse:’O mundo do show-bizz é o mundo do estresse. Também um mundo dos estados alterados de consciência. Público e artistas bebem e usam drogas. Não dá para imaginar que Chorão ou Ivete teorizem sobre a histeria coletiva, falem sobre indústria cultural ou a melancolia de Saturno. O que eles dizem são palavras de ordem, comandos, provocações. Eles estão numa batalha, num campo minado. Vai ao show quem quer e quem vai sabe o que rola por lá. Cabe ao jornal dizer o que aconteceu. SEM CENSURAS. Pelo amor de Deus, não é hora para melindres. Esta linguagem é corrente. A censura me lembra a entrevista da Leila Diniz, ao Pasquim, cheia de asteriscos. Vivemos outro tempo, de liberdade, inclusive para vermos shows idiotas e sermos agredidos de graça pelo lixo da indústria do entretenimento’.’