Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rui Araújo

‘Espera-se que os jornalistas aprendam uns com os outros e, todos juntos, com os princípios formulados no Código Deontológico dos Jornalistas aprovado em 1993

De acordo com o Livro de Estilo do PÚBLICO, ‘o casamento entre técnica e ética é um contrato essencial da vocação jornalística. A criatividade e o rigor técnico não são concebíveis sem um código ético que identifica os jornalistas do PÚBLICO, independentemente das suas opções privadas. As fontes e o sigilo profissional, a responsabilização do jornal e do jornalista são fundamentalmente questões de princípio e de ética.’

Um leitor escreveu ao provedor a denunciar a violação deste princípio.

‘Um jornalista deve ter no Código Deontológico uma lei. Se é certo que se lembra dele quando se trata de não revelar as fontes, também o deveria recordar nesta situação: ‘O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.’

Este artigo [do Código Deontológico dos Jornalistas] foi colocado no dia 8 de Junho, de novo, em post, por Manuel Pinto, denunciando que no caso do bebé de Viseu o nome voltou a ser referido num novo trabalho do DN.

E no entanto, no dia 9 de Junho, Diário de Notícias, Correio da Manhã, PÚBLICO (.pt e offline), TSF, SIC, TVI, Portugal Diário, Diário Digital, Voz das Beiras e até a Renascença explicitaram bem, mais do que uma vez, o nome da bebé. Poderia tratar-se de um erro, como há uns meses (Março) quando toda a gente deu a notícia com o nome da criança e perdeu-se na confusão, maltratando o Código Deontológico.

A questão é que o blogger que foi provedor do leitor do JN, conforme esclareceu nos comentários ao post, já havia avisado da situação – no Jornalismo & Comunicação e na sua coluna do JN. A par de jpmenezes, que voltou a referir o assunto num post do dia 31 de Maio.

O facto de se repetir ontem e hoje o erro, como escreve, no Jornalismo & Comunicação, Madalena Oliveira, é mau jornalismo’, sublinha o leitor Gabriel Silva.

O provedor considera pertinente o reparo.

No dia 8 de Junho, Manuel Pinto (Universidade do Minho) escreveu, a propósito deste caso, no blogue Jornalismo e Comunicação (Weblogue colectivo do projecto Mediascópio – CECS / Universidade do Minho) um comentário (post) denominado ‘Recado para o jornalismo de referência’.

Depois de relatar que o Diário de Notícias, a TSF e a RTP1 revelaram o nome da criança, o professor invocou a violação do artigo 7.º do Código Deontológico dos Jornalistas relativo à identificação das vítimas de crimes sexuais.

No dia seguinte, 9 de Junho, o PÚBLICO expôs o nome da menina, motivando mais um comentário (‘Errar é humano; insistir no erro é… mau jornalismo’) no mesmo blogue, da autoria de Madalena Oliveira, docente universitária.

Eis o texto em questão: ‘Ontem repudiávamos neste blogue o facto de o Diário de Notícias e a TSF (mais tarde também a RTP) se terem referido ao caso de maus tratos infantis de Viseu identificando pelo nome a criança vitimada. Hoje é a vez de o PÚBLICO fazer o mesmo. Será que nem a olhar uns para os outros os jornalistas aprendem? Errar é mau, mas repetir o erro do dia anterior é ainda pior! Quando Marisa Miranda, a jornalista que assina hoje a peça do PÚBLICO, escreveu o texto ontem, não teria lido os outros jornais? Não se interrogou, quando viu o nome da criança no Diário de Notícias ou não achou grave?’

Este caso não é único, mas é elucidativo.

O PÚBLICO revelou nas últimas semanas o nome de, pelo menos, mais uma vítima de crimes sexuais.

No dia 13 de Maio, duas jornalistas do PÚBLICO optaram por identificar (pelo nome) a criança ‘alegadamente esfaqueada e violada por um tio’ na notícia publicada na secção Sociedade.

As autoras do texto ‘Menina de 12 anos retirada à família foi morta ao ir passar a noite a casa no Barreiro’ foram mais longe: desvendaram a morada do alegado agressor (‘Rua de Mombaça, na Quinta da Lomba, no…’ só não foi indicado o número da porta), a morada da mãe da criança (‘Rua de D. João de Castro, no…’ só não foi publicado o número da porta) e o estabelecimento de ensino frequentado pela vítima.

Na edição de 8 de Maio, por exemplo, o jornalista do PÚBLICO autor do artigo sobre o ‘jovem de 17 anos assassinado à porta de casa’, publicado na Secção Local Lisboa, indica o nome da vítima e a morada completa da mesma (‘Rua Sancho I, em…’ ‘o seu destino era a porta de casa, o n.º 17…’).

O provedor considera que esses dados não deviam ter sido revelados. Eles permitem a identificação das pessoas em causa – o que é grave – e são perfeitamente irrelevantes a nível editorial.

Para além do Código Deontológico dos Jornalistas (artigo 7.º), o próprio Livro de Estilo do jornal determina que ‘não se identificam’ vítimas de violação ou menores de 18 anos envolvidos em crimes. Em última análise para as ‘vítimas de crimes sexuais, no PÚBLICO, utilizam-se nomes fictícios – facto devidamente assinalado no texto – para garantir o anonimato’.

Por outro lado, ‘cabe aos jornalistas do PÚBLICO proteger a intimidade dos cidadãos da curiosidade alheia’.

O provedor questionou o director do jornal.

‘Não há nenhuma explicação. Trata-se de erros dos jornalistas que escreveram as notícias que violam as normas do Livro de Estilo e que não foram detectados pelos editores, a quem competia ler com atenção tais notícias’, respondeu José Manuel Fernandes.

O provedor não diria melhor.

O director acrescentou: ‘Em pelo menos dois desses casos estive presente nas reuniões de editores do dia seguinte em que tal erro foi criticado. Nestes casos, contudo, O PÚBLICO Errou não permite desfazer o mal, antes sublinhá-lo.’

A opinião é respeitável, mas o facto é que o Livro de Estilo estipula que em ‘caso de erro, o PÚBLICO retractar-se-á imediatamente. (…) Com a periodicidade indispensável, o espaço O PÚBLICO Errou trará a correcção dos erros ou imprecisões que tenha impresso nas suas páginas em anteriores edições’.

Por fim e quanto ao cerne da questão, resta esperar que, ao contrário do que escreve Madalena Oliveira, os jornalistas aprendam uns com os outros e, todos juntos, com os princípios formulados no Código Deontológico dos Jornalistas aprovado em 1993.’