Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Seis, sete, quatro explosões

Após uma inesperada vitória na corrida pela sede das Olimpíadas 2012, Londres acordou no dia 7 de julho comemorando a notícia da véspera. Mas mal pôde-se voltar a mergulhar na rotina, novo evento, dessa vez mórbido, parou a cidade novamente. Às cerca de 9h da manhã, infalivelmente horário de pico, os dois principais meios de transporte público de Londres foram vítimas de ataques terroristas cuja dimensão e repercussão permanecem desconhecidas.

A mídia britânica, consciente de seu potencial desconhecimento quando se lida com o inesperado e trágico, tentou abordar cuidadosamente cada nova informação que chegava. Mesmo assim, não houve como não meter os pés pelas mãos. A pergunta que fica é se há como não meter os pés pelas mãos. Não apenas pelo fato de jornalistas serem humanos e se envolverem com o que reportam, mas porque um evento como ataques terroristas não ocorre de forma linear. As informações que chegam de uma fonte confiável muitas vezes não batem com as informações que chegam de outra fonte confiável. Números mudam o tempo todo, chamadas são trocadas a cada minuto. Desta vez não foi diferente.

A BBC e a ITV noticiaram que houve seis explosões no centro de Londres. Depois falaram que mais uma bomba foi descoberta, totalizando sete. Algumas horas mais tarde, a notícia era de que ‘pelo menos quatro’ explosões haviam ocorrido. Ora, não estamos falando de uma variação de dezenas entre milhares de explosões. Estamos falando numa variação de quase 100%.

A questão é que embora repórteres das principais estações de TV estivessem in loco dando informações ao vivo sobre o evento, ninguém, nem mesmo os jornalistas, foram munidos de dados básicos. É algum tipo de ‘kit-terrorismo’, montado pelos EUA e adotado pelos governos alvejados, em que não se libera notícia alguma, nenhum acesso é dado, nenhum fato é confirmado, nada se sabe nunca. Subestimação lamentável da capacidade de todo mundo de entender o que está acontecendo.

No momento em que escrevo, por exemplo, são 15:20h do dia 7 de julho. Estou em casa, no Eastend, região que foi primeiro afetada pelo ataque, ao lado da estação de Aldgate. A três quadras daqui está o Royal Hospital, ponto central para onde estão sendo levadas as vítimas. O som de ambulância já é quase incessante e ainda estou tentando entender por que. Não se tem noção do número de explosões, quanto mais de vítimas. Não se tem certeza da autoria – pelo menos nesse ponto a cautela é bem-vinda -, não se sabe o número de feridos. Poucas coisas estão claras.

A diferença óbvia entre a cobertura desses ataques e a do 11 de setembro nos EUA, é que nesta tudo já era fato duas horas após o ocorrido, para depois ser consertada, remendada, retirada e recolocada ad nauseam nos dias, senão horas, conseguintes. Admiro a mídia britânica pela humildade e a capacidade de afirmar seu desconhecimento acerca dos fatos. Desprezo-a pela submissão a um sistema que omite e menospreza a compreensão do público.

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PS: Em tempo. Dei entrevista para uma emissora de TV da Paraíba e fiquei perplexa com o nível pobre das perguntas. Havia tanta coisa importante a ser comunicada, tanta informação valiosa que eu poderia passar; no entanto me perguntaram como fica a situação do imigrante aqui, quantos brasileiros foram mortos ou feridos, enfim, perguntas retóricas ou mesmo sem sentido – já que não havia como eu dar o número de mortos ou feridos apenas 12 horas após os atentados –, tiradas possivelmente de um ‘guia do entrevistador’.

Uma pena. Com tanta informação a passar, acabei dando uma entrevista vazia. Foi a primeira vez em que pude notar, pelo outro lado, o quanto um entrevistador ou repórter que pensa faz diferença.

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Jornalista