A indignação e a decepção presentes nas manchetes e editoriais da imprensa francesa após a escolha de Londres como cidade-sede das Olimpíadas de 2012 foi substituída por provas de intensa solidariedade nas capas dos jornais na última sexta-feira (08/07), um dia após os atentados terroristas nos transportes públicos da capital inglesa.
Maior reflexo da decepção francesa com a vitória de Londres para sediar os Jogos, o diário esportivo L’Equipe estampou, na sexta-feira, uma capa negra com letras em branco: ‘Todos por Londres’. Nos textos, a constatação da efemeridade da alegria inglesa: ‘A vitória olímpica virou anedota. (…) A Grã-Bretanha, centro do mundo há alguns dias com a atribuição dos Jogos Olímpicos de 2012 e a cúpula do G8 na Escócia, virou assunto de capa por razões bem mais dramáticas.’
Lembrando as relações históricas entre os valores olímpicos e ataques terroristas, mas sem fazer ligação entre a vitória londrina e as explosões, o L’Équipe diz que ‘o show tem que continuar’. Evoca, com isso, a célebre frase do presidente do COI em 1972, Lord Killanin, após os incidentes durante as Olimpíadas de Munique.
Imagem vencedora
Mesmo sem relação com as explosões, a vitória de Londres sobre Paris – e, principalmente, sua mediatização – serviu para projetar ainda mais a imagem de uma Inglaterra atualmente sólida e dinâmica, cuja liderança contrasta com as culturas menos maleáveis do Velho Continente, como a França e a Alemanha. ‘Há alguns meses, Blair era visto como isolado, desacreditado. Ontem, ele reapareceu cortejado, triunfante, seguro de si. (…) O primeiro-ministro britânico acumula sucessos há algumas semanas, enquanto seus rivais europeus, Jacques Chirac e Gerhard Schröder, vão de fracasso em fracasso’, diz um texto do diário econômico francês Les Echos, publicado um dia antes dos atentados na capital inglesa.
A obtenção dos Jogos Olímpicos por Londres foi objeto de tristeza e decepção na imprensa francesa. Entretanto, diversos jornais ‘tiraram o chapéu’ para a capital inglesa. No espírito de ‘dar a outra face’, o católico La Croix apresentou o editorial de mais consolo com a derrota parisiense. ‘Que a capital britânica sedie os Jogos de 2012 não é nenhum escândalo. Há muito tempo, Londres espera uma chance como essa, sem ter tido o consolo das Olimpíadas de Inverno, como a França. Os apoios ilustres de Londres vão de Sebastian Coe a David Beckham, passando por um primeiro-ministro Tony Blair em plena forma, pronto a liderar a Europa e o G8. O sucesso, digamos, chama o sucesso. (…) A imagem de uma Grã-Bretanha vencedora se confirma’.
‘A vitória de Londres significa um empurrão para o governo trabalhista e Tony Blair, reeleito para um terceiro mandato em maio’, afirma o diário britânico Financial Times, que destacou o lobby como segredo para ‘tirar a vitória debaixo do nariz de Paris’. ‘A chave da vitória britânica foi a presença de Tony Blair, em dois dias de encontros individuais com os membros do COI. Muitos elogiaram Lord Coe, presidente da candidatura londrina e ex-campeão olímpico, pela força do projeto e pela apresentação final cuidadosa’.
Sean Ingle, editorialista do The Guardian, usou a seguinte analogia para descrever o percurso de Londres: ‘Londres começou mal seus 100 m. Teve uma largada ruim, trotou nos primeiros 80 metros – antes de acabar como Linford Christie e vencer Paris na reta final, por somente 4 votos’.
Waterloo olímpico
Na sua edição de quinta-feira, a capa do diário esportivo L’Équipe estampava a pergunta ‘Porque Londres?’. A questão, retomada num editorial bastante ácido de Claude Droussent, era ilustrada por uma foto do aperto de mão entre o prefeito parisiense e presidente da candidatura francesa, Bertrand Delanoë, e seu equivalente britânico, o ex-atleta Sebastian Coe. A decepção de Delanoë e de François Lamour, o Ministro dos Esportes, é evidenciada pelos olhos baixos e pela legenda: ‘Imensa, a decepção domina os rostos e, para além da cortesia habitual, o coração não está mais presente’.
No editorial, o tom é ainda mais áspero: ‘O que aprender com tal reversão, com um tapa tão humilhante que Londres e o Comitê Olímpico Internacional deram em Paris e ao nosso país, até o nosso mais alto representante, ontem em Cingapura, privando da organização dos Jogos Olímpicos de 2012 a cidade que apresentava o projeto mais preparado e de acordo com as regras em vigor?’, abre Drousset. A primeira conclusão a que ele chega é a de que Londres soube defender melhor sua candidatura, administrando bem suas falhas, indo de um ‘marketing agressivo’ à ‘mais pura demagogia, que consistiu na promessa de um futuro melhor a uma juventude sem esperanças’. Daí para a desconfiança com o processo de escolha, feito de maneira anglo-saxã (depoimento de um francês ao Libération), foi um pulo. Apesar da expressão cuidadosa no conjunto dos diários franceses, o sentimento foi manifestado em textos como o do diário católico La Croix: ‘Porque o COI, cujo presidente queria reduzir o tamanho e o custo dos Jogos, escolheu o projeto mais caro?’.
A segunda questão levantada pelo L’Équipe é sobre a influência do perfeccionismo da equipe francesa – e a conseqüente falta de entusiasmo – no desempenho da candidatura, uma vez que foi essa a marca dos franceses durante todo o processo de escolha.
Entretanto, o aspecto político também foi evocado pelo L’Équipe, principalmente no que se refere à influência francesa em instituições como as federações esportivas no exterior. ‘A escolha de Londres lembra igualmente a Paris e à França que elas perderam influência no jogo mundial e que, no leste da Europa, alguns países preferem ter a Inglaterra como referência, em vez da França’, diz o mais famoso diário esportivo do país. O diagnóstico é confirmado pelo jornal econômico Les Echos: ‘A derrota de Paris terá um impacto mais forte na imagem da França que sobre seu crescimento econômico.’
Além disso, o consenso de diários como Le Monde, Le Figaro e Libération era de que, com a atual fragilidade política e as crises internas, os franceses teriam ao menos uma alegria com a escolha quase certa para sediar as Olimpíadas. ‘Do lado francês, os Jogos estavam sendo encarados como uma boa oportunidade para mascarar a pane nacional’, diz o editorial do Libération. ‘O olimpismo, que não é nada mais que uma vitrine do mundo, reflete essa realidade de um país isolado em todos os continentes’. O diário France Soir concorda na capa: ‘A derrota de Paris é um soco no estômago para um país já bastante deprimido’.
Timing
Com exceção do L’Equipe, a maior parte dos jornais franceses apenas relacionou os Jogos Olímpicos e os atentados cronologicamente. O colunista esportivo Richard Williams, do britânico The Guardian, no entanto, lamentou o timing dos atentados (08/07). ‘Londres não teve nem um dia para comemorar sua sorte’, escreve Williams, num texto entusiasta das maravilhas proporcionadas por uma Olimpíada a uma cidade, e principalmente aos indivíduos que têm o privilégio de assisti-la. Apesar dos problemas como atrasos no cronograma e estouros no orçamento. ‘Mais cedo ou mais tarde, a vida volta aos padrões normais. Mas primeiro, infelizmente, Londres terá de demonstrar sua habilidade adquirida de se levantar após cenas como a que, ontem, tirou a alegria da cara de seus cidadãos.’
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Jornalista