Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Sempre começa com censura e prisão de jornalistas

Foto: Unsplash/Creative Commons

Luís Nassif, Hélio Schwartsman, Ruy Castro, Ricardo Noblat, chargista Aroeira. Mais algum? Sim, o Cuenca!

Esses são os colegas jornalistas alvos ou ameaçados de processo por textos publicados na imprensa ou nas redes sociais criticando e ironizando o governo. Estranho é o texto de Ruy Castro não se referir diretamente a um político brasileiro, mas a um amigo, muito amigo mesmo de Bolsonaro, o ainda presidente dos EUA, Donald Trump.

O texto de Ruy Castro não é apenas algumas linhas de um tweet, mas uma longa coluna publicada na Folha de S.Paulo e no Diário de Notícias de Lisboa. Também escritor, o texto prima pela riqueza de estilo e pela ironia. Ao propor o suicídio como solução para Trump, Castro lembra ter havido um suicídio no Brasil, o do presidente e ex-ditador Getúlio Vargas diante do chamado “mar de lama” que inundara o Catete, então sede do governo no Rio de Janeiro.

Sugiro a leitura desse texto como exemplo de redação nas escolas de jornalismo e como já deu Ibope no domingo, incluo aqui, para quem não é assinante da Folha, o link ao texto do Diário de Notícias, Último conselho ao Trump — que é free e está publicado na íntegra.

Ricardo Noblat corre o risco de processo por ter resumido num tweet a ideia principal da coluna de Ruy Castro, sugerindo que o presidente Bolsonaro fizesse o mesmo, dentro do mesmo espírito de ironia e mesmo de chacota.

Sem ter apreciado a ironia dos colegas, o ministro da Justiça André Mendonça reagiu prometendo castigo quase imediatamente: “Alguns jornalistas chegaram ao fundo do poço. Hoje 2 deles instigaram dois Presidentes da República a suicidar-se. Apenas pessoas insensíveis com a dor das famílias de pessoas que tiraram a própria vida podem fazer isso. Por isso, requesitarei a abertura de Inquérito Policial para apurar ambas as condutas. As penas de até 2 anos de prisão poderão ser duplicadas (§ 3º e 4º do art. 122 do Código Penal), sem prejuízo da incidência de outros crimes.”

Essa ameaça, colocada publicamente num tweet mereceu uma resposta da jovem Mariliz Pereira Jorge — “Jair Bolsonaro desejou que Dilma morresse de câncer ou infarto. Disse que FHC deveria ter sido fuzilado. Diz que todo mundo vai morrer um dia. Um insensível também, não é mesmo? O senhor só pode estar com pouco serviço pra processar jornalista”.

Outros lembraram afirmações do então candidato Bolsonaro, sobre a morte de Vladimir Herzog na prisão do Doi-Codi, de que “suicídio acontece”.

Em todo caso, o ministro André Mendonça não parece estar muito sensibilizado pela morte de 200 mil brasileiros.

E qual foi a reação da Folha de S.Paulo ao ver seu colaborador ameaçado de prisão? Vejam bem a diferença de reação entre o jornal paulista e a revista Veja.

A Folha afirmou que, “como no caso de texto anterior de Hélio Schwartsman, que teve inquérito aberto pelo mesmo ministro e depois suspenso pelo STJ, o colunista emitiu uma opinião; pode-se criticá-la, mas não investigá-la”…. Ou seja, a Folha assumiu a defesa do Ruy Castro, como geralmente ocorre em situações semelhantes.

E a Veja? Lançou um tweet no qual se dessolidariza da “declaração” do seu colunista, mas aproveita para repetir o texto de Noblat, “de que o presidente Jair Bolsonaro deveria “imitar” Donald Trump caso ele “opte pelo suicídio”. Ficando entre a cruz e a caldeirinha, Veja tenta salvar assinantes mas felizmente não demite Noblat.

Veja repudia com veemência a declaração do colunista Ricardo Noblat, publicada em seu Twitter, de que o presidente Jair Bolsonaro deveria “imitar” Donald Trump caso ele “opte pelo suicídio”. Não achamos que esse tipo de opinião contribua em nada para a análise política do país”.

Porém, a turma do gabinete do ódio não gostou e pediu demissão do colunista.

Qual o significado desses processos e ameaças a jornalistas? O recado está sendo dado e a grande maioria dos jornalistas não têm condições para enfrentar um processo com demissão e custos de advogado. É o convite à autocensura.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.