Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suicídio de entrevistada leva a debate ético nos EUA

Pegou mal a entrevista da apresentadora Nancy Grace no talk show Headline News, da CNN, com Melinda Duckett, de 21 anos, cujo filho de dois anos, Trenton, desapareceu no fim de agosto na Flórida. A polícia local suspeitava que Melinda tinha algo a ver com o desaparecimento do filho, mas Nancy, segundo artigo de C.W. Nevius no San Francisco Chronicle [15/9/06], “não estava satisfeita com a suspeita. Ela queria resolver o caso bem ali, diante de sua audiência nacional”.

Com atitude severa, a apresentadora interrogou Melinda duramente diante das câmeras. “Por que você não está nos contando onde você estava? Senhorita Duckett, você não está nos contando por uma razão. Qual é esta razão?”, dizia Nancy no programa gravado. Enquanto os telespectadores viam a jovem se atrapalhar com suas palavras diante da inquisição de sua entrevistadora, lia-se na parte inferior da tela: “Desde que o programa foi gravado, corpo de Melinda Duckett foi achado na casa de seus avós”.

Decisão polêmica

Horas antes do programa ir ao ar, Melinda cometeu suicídio. Diante das circunstâncias, a entrevista em si virou algo de mau gosto. A decisão tomada pelos produtores da CNN de transmiti-la, entretanto, chocou críticos de mídia e veteranos jornalistas de TV – e levantou o debate sobre ética no jornalismo e o futuro das emissoras de TV a cabo especializadas em notícias.

Ex-promotora em Atlanta, Nancy baseou sua carreira televisiva em ser agressiva e barulhenta. “Veja, Nancy Grace faz o que faz. Ela tem seu ato”, analisa Judy Muller, premiada ex-correspondente da ABC e hoje professora universitária. “Mas ir em frente e transmitir [a entrevista] é algo desprezível”, conclui. “A verdade é que a televisão mudou lentamente com o passar do tempo”, diz Richard Wald, ex-diretor de padrões éticos da ABC News que hoje dá aulas na Universidade Columbia. “O que começou como um meio conservador se tornou algo muito mais poderoso”.

Sem culpa

No primeiro programa após a exibição da entrevista, questionada no ar por um telespectador sobre se não teria exagerado ou contribuído para o suicídio de Melinda, Nancy respondeu que não. “Não sinto que nosso programa seja culpado pelo que aconteceu com Melinda Duckett. A verdade nem sempre é agradável ou educada ou fácil de se engolir. Às vezes ela é dura, e machuca”, afirmou.

A CNN, por meio de sua porta-voz, divulgou declaração onde afirma que recebeu a notícia da morte de Melinda pouco antes da exibição do programa especial sobre o desaparecimento de seu filho. “Enquanto ficamos tristes com este acontecimento, nosso objetivo em fazer o especial era chamar atenção a este caso, com a esperança de que Trenton Duckett seja encontrado. Nós decidimos levar o programa ao ar, incluindo um anúncio gráfico sobre a morte da senhorita Duckett, para manter nosso objetivo, e iremos continuar a cobrir a história até que Trenton seja encontrado”, dizia a declaração.

“Viu? Eles estão, na verdade, ajudando com a investigação. E alguns estraga-prazeres continuam a reclamar que isso foi uma atitude barata e cínica por audiência”, zomba Nevius em seu artigo no Chronicle.