Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Suzana Singer

‘QUAL É o problema de um repórter se encontrar, em lugar público, com uma autoridade de Estado? Nenhum, mas imagens dessa rápida reunião suscitaram todo tipo de ilação e suspeita.

O vídeo de 1min09s mostra o jornalista Mario Cesar Carvalho, da Folha, com o secretário da Segurança de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, no shopping Pátio Higienópolis.

Não há data nas imagens, mas blogs afirmam que elas são de 25 de fevereiro. Quatro dias depois, reportagem assinada por Carvalho trazia denúncia sobre um funcionário da Segurança que venderia dados sigilosos sobre violência. O assunto, elevado a manchete da Folha, provocou a demissão do sociólogo alvo do texto, no mesmo dia.

Em Nota da Redação, o jornal não revelou se há conexão entre o encontro no shopping e a reportagem. Mas lamentou que o vídeo tenha sido usado ‘na tentativa de coibir o trabalho da imprensa’.

O shopping diz que policiais pegaram a fita, mas não dá nomes. O jornal levantou a hipótese de que um delegado suspeito de corrupção do Detran teria participação no vazamento das imagens. É que esse delegado estava no mesmo shopping que Ferreira Pinto e Carvalho, conversando com… uma jornalista da Folha, não se sabe sobre o quê.

Confusos com tanta informação e insatisfeitos com os esclarecimentos, leitores levantaram questões éticas. ‘Não seria o caso de a Folha esclarecer os fatos? Houve vazamento da fonte jornalística?’, pergunta o administrador de empresas Antonio Gutierrez, 56.

Não seria correto revelar a origem da reportagem. ‘Sigilo da fonte’, essencial no jornalismo, não é uma regra criada em Redações, mas um direito garantido pela Constituição.

E por que a imprensa pode divulgar o que quer, mas, quando ela é o alvo, levanta a bandeira da liberdade de expressão? ‘Quando a Folha vaza informação, o que é? Dois pesos…’, escreveu a educadora Márcia Meireles, 56.

São situações diferentes. A divulgação do vídeo não visava informar nada, era uma tentativa de ‘queimar’ o secretário e intimidar jornalistas. É como se dissessem ‘sabemos o que vocês estão fazendo’.

A terceira dúvida, mais delicada, é sobre o relacionamento fonte-jornalista. A teoria que corre nos blogs é que Ferreira Pinto usou o jornal para se livrar de um subordinado sem ter que ‘sujar as mãos’.

O professor Ariovaldo Pitta, 52, viu ‘promiscuidade’ nessa suposta relação. Ele avalia que a Folha fez uma ‘campanha’ pela permanência de Ferreira Pinto e que está agora ‘ajudando servilmente a fonte’.

O jornal fez várias reportagens sobre corrupção na polícia e publicou dois editoriais favoráveis a Ferreira Pinto e seu trabalho de ‘combate à corrupção policial’.

Não chega a configurar ‘campanha’ nem significa que o jornal tenha sido ‘instrumentalizado’, mas acende um alerta importante: é preciso manter uma distância saudável de qualquer autoridade.

Em entrevista ao ‘Observatório da Imprensa’, Mario Cesar Carvalho, autor de vários furos na área de segurança, credita o vazamento das imagens à disputa de poder entre Ferreira Pinto e Saulo de Castro Abreu Filho, ex-titular da Segurança, hoje em Transportes.

‘Tenho a forte impressão de que estou sendo espionado pelo que eu chamaria de banda podre da polícia -delegados investigados sob suspeita de corrupção. (…) Esse quadro faz parte de um panorama maior, que é uma guerra surda entre o secretário da Segurança e o de Transportes. O grupo do Saulo foi fortemente afetado pelas medidas que Ferreira Pinto adotou, buscando moralizar a polícia. A reação desses policiais parece vir dessa forma: chantagear a imprensa, espionar jornalista’, disse.

Com toda a sua experiência, Carvalho provavelmente tem razão em sua análise, mas não é bom que repórteres definam quem são os ‘bandidos’ e os ‘‘mocinhos’ .

Não há nada de comprometedor no vídeo divulgado, mas para não perder a razão, o jornal precisa manter a frieza e a neutralidade. Afinal, polícia só para quem precisa de polícia.’