‘O que era uma reportagem crítica virou, em cinco dias, peça publicitária. Em 20 de julho, a Folha relatava, com chamada na Primeira Página, que a rede Objetivo criou uma escola apenas para bons alunos, que ganham aulas extras à tarde, ministradas por professores considerados ‘especiais’.
Esse grupo teria obtido no último Enem, o Exame Nacional de Ensino Médio, uma nota suficiente para aparecer como segundo colocado no ranking nacional.
Nas entrelinhas, o que se deduzia era que não se tratava de fato de uma escola nova, mas de um artifício: separam-se os mais estudiosos, eles obtêm boas notas no Enem e o nome do colégio aparece no alto do ranking das escolas.
Nos dois primeiros parágrafos, o texto dizia que o Colégio Integrado Objetivo, criado em 2008, não tem um prédio próprio, cobra a mesma mensalidade e tem carga horária obrigatória idêntica às demais unidades da rede.
Era para ser uma denúncia, mas a reportagem deve ter sido comemorada na avenida Paulista, 900, onde fica a sede do Objetivo. O texto virou anúncio de página inteira, publicado quatro vezes na Folha e em outros jornais.
O colégio reproduziu o título da reportagem, destacou várias partes e assinalou em letras grandes: ‘Parabéns alunos e professores do Colégio Integrado Objetivo pelo êxito no Enem’. Deixou, no alto, o logotipo da Folha para dar credibilidade.
O anúncio, porém, omitiu vários trechos importantes. Um deles dizia que ‘as demais unidades do Objetivo, que não selecionam os alunos, não vão tão bem assim no ranking do Enem’.
Outro afirmava que a escola premia com iPhone e notebooks os que se destacam nos simulados.
Dois parágrafos subtraídos tinham declarações de uma educadora criticando a prática de selecionar alunos. Outro trazia declaração de um dos diretores, João Carlos Di Gênio, negando que a escola tenha sido aberta só para alcançar uma média alta no exame nacional.
Procedimento-padrão
Para usar a reportagem da Folha, a agência de publicidade do Objetivo pagou pelo texto, em negociação feita pela Folhapress, a agência responsável pela comercialização do conteúdo editorial de todo o Grupo Folha.
A versão final do anúncio foi submetida à aprovação da Redação. É o procedimento-padrão para publicidade que usa texto do jornal: a empresa paga pelo licenciamento e a Folha aprova o layout para evitar distorções. Montadoras de automóveis costumam fazer muita propaganda desse tipo: ‘Teste da Folha mostra que o carro X é o mais econômico’, por exemplo. O repórter não ganha nada a mais com isso.
A Secretaria de Redação, que aprovou o anúncio, não considera que houve erro. ‘A avaliação foi a de que a essência da reportagem não foi adulterada.’
Se fosse isso mesmo, a reportagem original teria algo bem errado, já que seria praticamente um press realese. Mas não era. Foi retalhada e usada como peça de marketing.
Para os leitores, expostos mais vezes ao anúncio do que à reportagem, fica a impressão de que a Redação da Folha prestou um serviço ao Objetivo. O jornal permitiu uma autofagia perigosa.
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Folha transforma a boa em má notícia
A manchete da Folha de sexta-feira era uma cilada. O título dizia: ‘Em 20 anos, sobe 39% proporção de mortes neonatais’. Parece uma má notícia, mas não é. Na verdade, morrem cada vez menos bebês no Brasil, inclusive os menorezinhos.
De 1990 a 2008, menos bebês de até 28 dias morreram: de 23 entre mil nascidos vivos para 13, uma redução de 36%. Só que a diminuição geral na mortalidade infantil foi mais acentuada (54%), o que elevou a proporção dos neonatais no total.
Não ter reduzido tanto a mortalidade dos mais novos é justificável, já que ela é mais difícil de ser combatida, segundo análise publicada no mesmo dia. ‘Quanto mais desenvolvido um país, maior o peso dos óbitos neonatais’, dizia o texto.
Os números da mortalidade infantil brasileira ainda estão longe do ideal, mas é preciso saber o que criticar. Um engenheiro de Londrina vendo a manchete lembrou-se de um livro de faculdade: ‘Como mentir com estatísticas’.
A Folha parece ter um dom oposto ao do rei Midas: os números em que toca viram más notícias.’