“COM UMA CERTEZA destemida, a Folha estampou na capa de 30 de março: ‘Executivo Tito Martins será o presidente da Vale’. Não deixou nenhuma porta de saída, como o emprego do verbo ‘pode’ ou ‘deve’. Foi peremptória.
No dia seguinte, o Bradesco, que tem pela Bradespar 21% das ações da Vale, soltou nota negando que tenha indicado Martins para o cargo. A Folha publicou o desmentido num pequeno texto, mas seguiu desdobrando sua notícia exclusiva (‘Indicação esfria ‘revolta’ dentro da Vale’), com direito a perfil e foto do suposto sucessor de Roger Agnelli.
A alegria do ‘furo’ durou apenas cinco dias, quando Murilo Ferreira foi escolhido para o cargo. No jargão jornalístico, ficou configurada uma ‘barriga’.
A Folha publicou um ‘erramos’, mas continuou acreditando em suas fontes. Contou um bastidor de negociação em que o Bradesco foi ‘apunhalado’ pelo governo e dizia que Dilma sofreu ‘arranhões’ na sua relação com banqueiros.
Murilo Ferreira, que estragou a festa da Folha, foi descrito, por fontes anônimas, como ‘executivo de pulso fraco’, que não aguentou as cobranças duras de Agnelli.
Nenhum concorrente -’Estado’, ‘Globo’ ou ‘Valor’- fez apuração semelhante, o que não significa que a Folha tenha errado, mas acende um alerta: será que a cobertura está enviesada pelo erro inicial?
O noticiário sobre a troca de comando na segunda maior mineradora do planeta foi cheio de ‘offs’. Em 22 de março, o ‘Estado’ noticiou que o ministro Guido Mantega e o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão, discutiram a saída de Agnelli, o que provocou uma grita geral contra o fato de o governo tentar intervir em uma empresa privada.
A versão corrente é que o próprio Agnelli ‘vazou’ a informação desse encontro, numa tentativa de brecar o processo. Ele nega.
Desde então, sem declarações oficiais dos envolvidos, reinou a especulação interessada: que os diretores da Vale pediriam demissão em solidariedade a Agnelli (o que implicaria abdicar, só em bônus de longo prazo, de R$ 3 milhões), que o governo ameaçou colocar um político no comando, que Tito Martins tinha vindo ao Rio inesperadamente.
É muito duro separar o joio do trigo quando há interesses tão grandes em jogo. O ‘Manual de Redação’ diz que a fonte mais fidedigna deve ‘ter um histórico de confiabilidade com o repórter, falar com conhecimento de causa, estar muito próxima do fato que relata e não ter interesse imediato na divulgação’.
Difícil imaginar um ser tão neutro, tão bem informado e tão disposto a ajudar a imprensa em uma negociação que envolve governo, um banco gigantesco e uma empresa que lucra R$ 30 bilhões ao ano.
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Negócios e o pai dos meus filhos
Os colunistas deveriam abrir mão de comentar assuntos que envolvam interesse pessoal. Se não aceitam essa limitação, precisam explicitar nos textos essas ligações íntimas.
Nas últimas semanas, dois colunistas provocaram indignação de leitores por passarem por cima dessa regra simples.
Em 31 de março, o economista Julio Vasconcellos dedicou sua coluna em Mercado ao aniversário da própria empresa, o site de compras coletivas Peixe Urbano. O objetivo seria discutir cultura empresarial.
‘Felizmente hoje eu sei que o Peixe Urbano completou um ano, que lá só tem pessoas excelentes, motivadas por desafios e não pelo dinheiro. Pude aprender que lá não são admitidos profissionais medianos, gente fraca’, ironizou o gerente de cursos Wilson Ramos, 32.
Dois dias depois, Fernanda Torres, na Ilustrada, defendia o projeto de poesias on-line de Maria Bethânia, inscrito na Lei Rouanet com pedido de verba de R$ 1,3 milhão. ‘Queimar uma feiticeira da dimensão de Bethânia tem um valor insubstituível do ponto de vista do escândalo’, escreveu a atriz, que lembrava ainda que ‘o Brasil subsidia o papel que imprime este jornal’.
Uma leitora cobrou, na própria Folha, o fato de a colunista não ter citado que seu marido participaria do projeto de Bethânia.
Recebeu uma resposta agressiva: ‘Espanta-me que, ao ler meu artigo sobre a encruzilhada da cultura no Brasil, um assunto nevrálgico não só para mim como também para minha mãe, meu irmão, meu marido, meu falecido pai, minha classe, meus colegas e para qualquer um que ame a poesia, a música, o teatro, o cinema e a arte que se faz por aqui, a leitora tenha chegado à conclusão de que eu o escrevi com a disfarçada intenção de defender o pai dos meus filhos’.
Reação típica de quem não está acostumada a ser criticada. Bem-vinda à Folha.”