Um homem esquelético, envelhecido, vestido com uma bermuda larga que ressalta ainda mais suas pernas finíssimas, cabelos desgrenhados, tão frágil que parece estar de pé apenas pela ajuda de quem está ao seu lado servindo de apoio.
Essa imagem, estampada na capa da Folha de sábado retrasado, indignou muitos leitores. O homem em questão é Steve Jobs, 56, ícone de uma geração, que havia renunciado dois dias antes ao comando da Apple, a segunda empresa mais valiosa do mundo.
Além de Jobs, a capa trazia o atlético ator Reynaldo Gianecchini, 38, que está com câncer, deixando um hospital. ‘Não dá para colocar na Primeira Página duas fotos de fofoca, penosas, de vida privada. E o respeito ao sofrimento? Nunca vi tanto mau gosto’, criticou a diretora de arte Sylvia Monteiro, 23.
O empreendedor Rafael Assunção, 38, escreveu pela primeira vez a um ombudsman para extravasar sua indignação: ‘É de uma sordidez inacreditável. Qual a relevância jornalística?’.
Essa é a pergunta-chave para definir a pertinência ou não da foto. E, infelizmente, não há uma resposta certa.
Estão certos os leitores ao argumentarem que Steve Jobs, um mestre no manejo da mídia, já tinha deixado a chefia da empresa que fundou, admitindo que ‘chegou o dia’, ou seja, abandonava a vida pública para se cuidar. Expor sua precariedade seria apenas um exercício de voyeurismo hipocondríaco.
Por outro lado, ninguém tinha ideia de como ele estava até que a foto escancarasse a gravidade de seu estado. Como disse o primeiro ombudsman do ‘The New York Times’, Daniel Okrent, ao comentar uma imagem do tsunami na Ásia, ‘nenhuma foto diz a verdade; as melhores fazem mais do que isso’.
Entre os jornais mais importantes do mundo, nenhum deu com destaque a foto de Jobs, feita pelo site de fofocas ‘TMZ’, o mesmo que deu um ‘furo’ mundial com a morte repentina de Michael Jackson. Há tanta desconfiança em relação ao jornalismo de celebridades -e são tantos os ‘macmaníacos’-, que circulou com força a notícia de que a foto tinha sido adulterada, o que não se comprovou. Uma segunda imagem, divulgada na segunda-feira, com Jobs em uma cadeira de rodas, ajudou a apagar essa dúvida.
Reportar os infortúnios dos famosos, na maioria das vezes, não tem relevância pública. Não digo sempre, porque era extremamente importante, por exemplo, a notícia, em 2009, de que a então ministra Dilma Rousseff, já ‘presidenciável’, em 2009 estava com câncer.Ela tentou esconder a doença , quando a Folha descobriu, publicou, sem causar polêmica.
É difícil imaginar a Folha sem uma linha sobre a doença do galã da novela das 20h ou sem contar que o ex-jogador Sócrates sofre as consequências do alcoolismo. Revendo o acervo, surpreende como o jornal deu timidamente na capa a morte do cantor Cazuza, em 1990.
Entre um jornal que corre o risco do exagero, com arroubos sensacionalistas, e um asséptico, fico com o primeiro. Peço desculpas aos leitores inconformados com a exposição da tragédia de Steve Jobs, mas devo confessar que, com essa foto na mão, eu também sucumbiria à tentação de publicá-la.