O primeiro editorial de terça-feira passada chamava a atenção para “distorções relevantes” na classificação de escolas, feita com base nos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio. Só que, um dia antes, o jornal tinha publicado exatamente o que criticava: o “ranking Enem de colégios”.
Todo ano, o script se repete. O Ministério da Educação solta os resultados em ordem alfabética e enfatiza que, como a participação de alunos varia muito de uma instituição para outra, não convém fazer ranking. Os jornalistas dizem OK e correm para organizar os dados na ordem decrescente, do melhor colégio ao último. Estão errados?
Não. Os argumentos contra a classificação são fortes: escolas podem incentivar só os melhores alunos a fazer a prova; em São Paulo, a adesão é menor, porque USP e Unicamp não usam o Enem; qualidade de ensino não se mede por prova.
É a hora do pesadelo para os diretores de escolas, que precisam explicar o que saiu no jornal, às vezes, uma diferença de poucos pontos na nota que implica uma posição “pior do que a do vizinho”. “Nesse momento, a imprensa, que edita os dados, detém a credibilidade dos pais. As escolas tornam-se 'suspeitas', uma vez que são o objeto da análise”, diz Rose Bernardi, 45, diretora-geral do Pueri Domus.
Eduardo Roberto da Silva, 51, diretor pedagógico do Oswald de Andrade, afirma que, embora os jornais tragam análises que relativizam os resultados, “o que os pais leem mesmo é o raio do ranking!” “Querem ver quem está em primeiro, segundo, terceiro lugar.”
Mesmo com todas essas ressalvas, o ranking vale a pena, afinal é um direito dos pais conferir o desempenho da escola que eles pagam.
É uma das poucas avaliações externas que eles têm à mão. Sonegar o dado seria tutela exagerada, como se o jornal não acreditasse no discernimento do leitor.
O problema maior na cobertura do Enem é a tentativa de extrair dos resultados do exame uma conclusão sobre o ensino no país. A Folha saiu com “Escola pública perde espaço entre melhores no Enem”, uma contagem dos colégios públicos que estão no topo. O número, que era 8,4% em 2009, caiu para 7,9% no ano passado, uma mudança sutil. Já havia poucas escolas gratuitas na elite e continua assim: as que chegam lá são as de sempre.
O “Estado” deu manchete para o fato de 68% das escolas de elite de São Paulo estarem com notas piores. Outro recorte forçado, que trata de apenas 50 colégios, num universo de 19 mil avaliados.
No “Globo”, “Enem reprova ensino das escolas públicas”, uma conclusão genérica, que poderia ter sido escrita em 2010, 2009, 2008… Essa necessidade de transformar números em notícia é um dos problemas da cobertura de educação. Trata-se de uma área complexa, na qual os progressos se medem em gerações, tempo inapropriado ao sentido de urgência do jornal.
Não existe também solução mágica. Na quarta-feira, a manchete da Folha era a possibilidade de aumento do ano letivo. “Educadores dizem que a proposta não necessariamente garante melhoria do ensino”, concluía a reportagem, como se alguma medida garantisse a priori algum progresso. Na página seguinte, mais platitude: “Carga horária não é tudo; é importante saber como professor usa seu tempo”.
Fugir do óbvio, resistir ao fetiche dos números e fazer uma cobertura útil são os principais desafios da Folha em educação.
A página “Saber”, publicada às segundas-feiras, é uma miscelânea de assuntos, insossa, que frustra os interessados. Um dia fala de matemática para crianças, outro do rendimento escolar dos que recebem o Bolsa Família e depois de universidades inglesas para gays.
Já que a importância da educação virou consenso nacional, a Folha deveria se esforçar para dar um salto de qualidade na cobertura, algo que a deixasse bem à frente dos concorrentes, como foi no passado.