Os jornalistas escrevem suas manchetes e artigos para dois públicos diferentes – leitores instáveis e editores detalhistas. Agora, sítios de busca de notícias como Google, Yahoo! e MSN surgem como um novo árbitro para o trabalho dos repórteres, afirma Steve Lohr em artigo no New York Times [9/4/06].
Estes programas – que percorrem a rede analisando e classificando artigos online – são cada vez mais influentes, sendo responsáveis por 30% ou mais do tráfego de sítios de determinados jornais, revistas ou emissoras de televisão. Um tráfego maior significa, além de mais leitores, mais anunciantes – algo crucial no momento em que a mídia tradicional tenta desesperadamente lucrar com a internet.
Táticas para sobressair
Por isso, pequenas e grandes organizações de mídia começaram a refinar seus sítios para conseguir melhores posições nos resultados dos motores de busca. O problema é que tais programas não são iguais aos leitores comuns; eles são brilhantemente rápidos, mas insensíveis e literais. ‘Não há algoritmos para humor, ironia ou estilo. O software é um leitor lógico, e seria orientado pelo hemisfério esquerdo do cérebro, o racional; enquanto o humano é um leitor geralmente orientado pelo direito, ligado mais à intuição’, escreve Lohr.
Em jornais e revistas, os títulos das seções e as manchetes são resultados do trabalho intelectual humano, ligando contexto e cultura. ‘Parte da habilidade do jornalista foi, por mais de um século, pensar em títulos e manchetes inteligentes. Então, vem o Google e diz que isto não é mais importante’, afirma Ed Canale, vice-presidente de estratégia e novas mídias no jornal americano Sacramento Bee.
Jogo sem fim
Tentativas de se adaptar à tecnologia podem ser traiçoeiras. ‘Quão longe uma organização de mídia pode ir sem prejudicar o bom senso editorial em relação à apresentação, tom e conteúdo das notícias?’, questiona Lohr. Até o momento, diz ele, as empresas de mídia têm entrado aos poucos no campo da ‘otimização dos sítios nos sistemas de busca’.
Trata-se de uma atividade que cresce rapidamente; estima-se que sua receita tenha sido de 1,2 bilhão de dólares em todo o mundo no último ano, e espera-se que este valor dobre em 2006. Grande parte deste lucro vem do comércio eletrônico, cujo único objetivo é vender produtos e serviços online. Para estes sítios, a otimização nos sistemas de busca tornou-se uma batalha constante, exigindo a contratação de especialistas em marketing e cientistas da computação. Estes profissionais criam técnicas para enganar os algoritmos do sistema que classifica os resultados. Então, o mecanismo de busca muda periodicamente os algoritmos para evitar tal manipulação – e o jogo recomeça.
Cautela
Já as organizações de mídia têm agido com mais cautela. A maior parte delas passou a fazer títulos e manchetes mais simples para serem encontradas mais facilmente pelos sistemas de busca. Há cerca de um ano, o Sacramento Bee mudou os nomes das seções do seu sítio. ‘Bens imóveis’ virou ‘casas’, ‘cenários’ mudou para ‘estilo de vida’ e ‘sabor/comida’ substituiu ‘sabor’.
Outros sítios optaram por oferecer duas manchetes. Geralmente a da página principal é mais inteligente, destinada a atrair leitores humanos. Já a segunda, que aparece com o artigo, é mais factual. O sítio da BBC News costuma fazer o mesmo com artigos mais longos. Nic Newman, chefe de desenvolvimento de produto e tecnologia da BBC News Interactive, explica que, para o programa de busca ‘entender’ um título, é necessário que ele seja o mais simples e direto possível.
Na rede, limitações de espaço podem coincidir com as preferências dos programas de busca. A edição impressa pode conter títulos grandes, mas especialistas em otimização aconselham títulos curtos para a versão online. A Associated Press, que fornece artigos para 11 mil jornais e emissoras de rádio e televisão, limita seus títulos online a menos de 40 caracteres, para serem disponibilizados em telas pequenas. Na internet, a velocidade e a atualização constante também são essenciais. ‘Minha preocupação é que a criatividade se perca’, opina Lou Ferrara, editora online da AP, sobre manchetes curtas e diretas.
Fim da criatividade?
Não se sabe ao certo se, no futuro, os sistemas de busca passarão a influenciar, além do título, o conteúdo das matérias. De acordo com especialistas, os programas de busca fazem uma varredura do título e das primeiras cem palavras dos artigos. Jornalistas que conhecem o sistema costumam fazer uma busca de palavras-chave a fim de saber as duas ou três mais procuradas relacionadas àquele assunto e incluí-las nas primeiras frases de seus textos. ‘Isto não é algo que se ensina nas faculdades de jornalismo’, afirma Danny Sullivan, editor do boletim online SearchEngineWatch. ‘Mas deverá ser ensinado, no futuro.’
‘Minha primeira opinião é que os jornalistas e editores deveriam fazer seu trabalho sem se importar com softwares do Google e do Yahoo!’, diz Michael Schudson, professor da Universidade da Califórnia. ‘Mas meu segundo pensamento é que as manchetes dos jornais e a apresentação das matérias na versão impressa são, em um sentido, mecanismos para atrair a atenção dos leitores. Por que não usar um sistema de marketing apropriado na era da internet e de sistemas de busca?’
Influência da tecnologia
No jornalismo, assim como em qualquer outra área, a tradição atual foi, um dia, inovação. A estrutura de ‘pirâmide invertida’ – que coloca a informação mais importante no começo dos textos jornalísticos – foi configurada em parte pela nova tecnologia do século 19: o telégrafo. Como enviar mensagens telegráficas custava caro, os repórteres tinham de assegurar que os pontos mais importantes seriam passados logo no início da transmissão.
Mesmo assim, não se trata de determinismo tecnológico. A ‘pirâmide invertida’, segundo Schudson, tornou-se uma prática jornalística apenas quatro décadas depois que a rede de telégrafos começou a ser utilizada. ‘O modelo surgiu depois que os jornalistas constituíram um grupo profissional, independente, consciente e confiante sobre quais informações eram as mais importantes’, explica.
O mesmo caminho pode ser possível com a internet. ‘Estamos experimentando como as notícias serão apresentadas no futuro. E não há nada errado com a otimização dos sítios nos sistemas de busca, desde que o bom senso não seja afetado’, ressalta Larry Kramer, presidente da CBS Digital Media. ‘Trata-se de uma ferramenta que é parte efetiva desta nova mídia.’