Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A transição do poder para as plataformas

Francisco Rolfsen BeldaO surgimento e a rápida sucessão de novas tecnologias aplicadas à produção, e em especial à distribuição de notícias, exigem que os jornais se reinventem constantemente. Isso inclui grandes investimentos em tecnologia de software, muitas vezes sem a perspectiva de gerar novas receitas. Como podem as empresas de mídia pequenas e de porte médio competir e sobreviver nesse ambiente?

Joshua Benton – Acredito que uma porção de pequenas empresas acaba fazendo grandes investimentos em software e, em muitos casos, esses investimentos são equivocados. Uma das grandes vantagens de publicar na internet é que cada etapa de seu crescimento é possível com ferramentas gratuitas ou muito baratas. O site Nieman Lab, que eu dirijo, funciona inteiramente a partir de um software de código aberto chamado WordPress, que custa zero dólar. Penso que para a maioria das pequenas publicações esse software atende, basicamente, a todas as suas necessidades. É dirigida por uma comunidade de código aberto e, portanto, se você tem um problema com o WordPress, é bem possível que outra pessoa já tenha tido esse problema e já tenha escrito um código que você pode usar para resolver o problema.

Muitos jornais se metem em problemas quando decidem que suas necessidades são muito específicas e muito especializadas. Consequentemente, eles acabam gastando muito dinheiro por um software personalizado que custa dezenas ou centenas de milhares de dólares e que muitas vezes só pode ser trocado ou consertado por uma única empresa que investiu nesse software exclusivo. Frequentemente, isso não se adapta às necessidades do mundo da edição, em mudanças constantes.

Tento pensar que muitas vezes a melhor ideia é não gastar dinheiro com ferramentas tecnológicas. Se você quer mexer com vídeo, você tem que comprar alguns computadores para editar os vídeos, na maioria dos casos. É incrível como você consegue fazer vídeos de excelente qualidade a partir de um smartphone, nos dias de hoje. Há muitas coisas que se você tivesse querido investir há 10 anos, teria comprador aquela porção de equipamentos, todas aquelas câmeras sofisticadas e tudo o mais. Atualmente, em muitos casos você consegue um resultado igualmente bom a partir de um dispositivo que todo mundo tem no bolso. Em me limitaria a dizer que resistiria à ideia de que tem que ser uma estratégia de alto custo.

Acho que a grande questão na passagem para o digital entre os editores tradicionais é cultural e estrutural. Se você tem um negócio que é inteiramente voltado para rodar um jornal uma vez por dia, ou uma vez por semana, então fica difícil ajustar seus fluxos de trabalho, suas estruturas e as normas culturais de sua organização a uma edição feita numa plataforma digital 24/7. Isso significa que tem menos a ver com tecnologia e mais sobre como o negócio é estruturado e organizado.

O senhor não acha que os jornais locais, que têm necessidades tecnológicas semelhantes, podiam juntar-se num consórcio para enfrentar esses desafios?

J.B. – No que se refere estritamente à pequena mídia, a cooperação é muito importante. Uma coisa que é boa no negócio dos jornais é que na maioria dos casos – não em todos, mas na maioria – os jornais individuais não competem entre si. Se você está numa cidade, você não se importa nem um pouco se um jornal que circula cinco cidades mais adiante está desempenhando bem ou mal determinada tarefa. Você não se sente incentivado em ajudá-los, nem eles em ajudar você. Nesse contexto, acho que você deveria tirar vantagem disso e cooperar onde quer que isso faça sentido. Já vimos toneladas de exemplos de empresas que cooperam alegremente umas com as outras.

“Poucas pessoas se interessam pelas notícias locais”

Neste contexto, quando se trata de recursos humanos, é melhor contar com sua própria equipe de computação ou delegar essa responsabilidade a outra empresa?

J.B. – Eu acho que você sempre vai querer ter alguma capacidade tecnológica dentro de suas organizações jornalísticas porque sempre vão aparecer coisas que você quer fazer. Jornalismo é um negócio com deadline. Quando explode uma grande matéria, você vai querer ser capaz de reagir, e se você não conta com experiência em tecnologia isso pode ser muito difícil. Isto posto, não há regras que digam que você tem que dirigir seus provedores. Há outras pessoas que são muito competentes em dirigir provedores e nós devemos pagá-las para fazê-lo. Mas você o está fazendo, certo? Eu acho que o software para publicação que você usa é algo para o qual você não deveria precisar de assistência. Há uma porção de outras coisas de que você não precisa, como uma solução para hospedagem de vídeos. Você não precisa de seu próprio servidor de internet. Você pode usar uma porção de ferramentas para redes sociais. Use aquilo que está à sua disposição.

Então, as empresas jornalísticas deveriam concentrar seus investimentos na equipe editorial?

J.B. – Nas áreas em que contar com essa capacidade pode fazer a diferença. Se você dirige seus provedores 2% melhor do que o faz outra pessoa a um custo mais caro, isso não seria bom para você.

Recentemente, o senhor escreveu que o noticiário local está sendo esmagado pelas plataformas gigantes controladas por umas poucas empresas de tecnologia do Vale do Silício e que é completamente incerto como as comunidades locais irão encontrar a informação de que precisam nesse contexto. Em seu texto, o senhor também dizia suspeitar que as coisas venham a piorar nos próximos anos. Poderia explicar por que não vê uma solução adequada para o noticiário local?

J.B. – Se pensarmos em termos de jornais impressos antes da internet, falando de uma maneira geral – e isto é estritamente verdadeiro em se tratando dos Estados Unidos – eles não tinham uma concorrência acirrada. Muitas cidades só tinham um jornal, às vezes dois. Em consequência disso, eles criaram um pacote de notícias: noticiário internacional, nacional, local, esporte, negócios etc. Como eles entregavam o pacote, mesmo que você não gostasse de algumas coisas, provavelmente gostaria de outras. Você podia comprar o pacote e se beneficiar de tudo isso. Isso acabou sendo um modelo de negócios muito bom para os jornais.

Em se tratando de jornalismo digital, os interesses das pessoas são muito mais variados. Se você só quiser notícias de esporte, provavelmente haverá um lugar onde encontrá-las. Se você só quiser notícias internacionais, você pode ir para o New York Times, ou para o Guardian, ou para qualquer outro jornal, ou ainda para um site de notícias. Devido a isso, o pacote responsável por esse enorme negócio de publicidade se enfraqueceu substancialmente. Nos Estados Unidos, durante a última década, perdemos algo em torno de 70% de toda a publicidade em impressos. Simplesmente desapareceu.

E no espaço que ela ocupava veio uma plataforma como o Facebook, uma plataforma como o Twitter, um motor de busca como o Google. O que eles fazem é remontar as partes. O Google sabe exatamente aquilo que você procura. O Facebook sabe exatamente o que seus amigos estão compartilhando. O Twitter permite que você selecione exatamente aquilo que o interessa. O resultado disso é que essas plataformas, que coletam informações de uma porção de lugares diferentes e as reúnem num pacote, ganham um poder imenso.

Nesse contexto, se você for um editor que procura alcançar uma escala muito grande, provavelmente ainda haverá bons negócios para você. Boa parte da publicidade que antes estaria interessada em jornais de tamanho médio, ou num anunciante nacional, ainda anuncia ali. Atualmente, muitos desses anunciantes só querem fazer negócio diretamente com os websites muito grandes. Em consequência disso, se você não tiver 10 milhões de visitas únicas por mês, nos Estados Unidos, um grande número de anunciantes nem se preocupará em falar com você. Você está fora da escala. Algumas pessoas serão bem-sucedidas por terem conseguido alcançar a escala. Mas se você for um editor local numa cidade de 50 mil pessoas será basicamente impossível você atingir essa escala. Não há um número suficiente de pessoas interessadas em suas notícias locais. Acho que isso as deixa numa posição muito inquietante, pois o forte vínculo que tinham com muitos de seus leitores foi quebrado.

Um leitor que faça uma assinatura para receber o jornal em casa tinha um valor muito superior àquele que clica no link do mesmo website vez por outra. Todo o poder está sendo transferido para as plataformas – e para as que o podem fazer em grande escala. Gostaria de ressaltar que minhas opiniões sobre isto têm como referência os Estados Unidos, um país com um enorme mercado. Existem países menores onde há um isolamento pelo idioma, como a Eslovênia, onde o contexto é diferente. Não conheço muito sobre o mercado brasileiro, mas ele é obviamente muito maior que aquele da Eslovênia. Embora possa ser menor que o dos Estados Unidos, ainda é imensamente grande. Talvez a dinâmica seja provavelmente diferente no Brasil e nos Estados Unidos, mas acredito que as principais tendências sejam as mesmas.

O conteúdo patrocinado e a native advertising

E se as empresas jornalísticas locais cooperassem em redes de publicidade, para subir na escala de suas audiências digitais, e vendessem anúncios online? Seria uma estratégia melhor para atingir anunciantes nacionais?

J.B. – Talvez. Nos Estados Unidos, assistimos a isso na segunda metade do século 20, quando surgiram as grandes redes de jornais. Uma empresa como a Gannett, por exemplo, começou com um único jornal, mas acabou comprando dúzias e dúzias de jornais pelo país afora. Em parte, isso era para criar rendimento de escala. Isso, inclusive, porque poderia haver um ponto de contato com anunciantes nacionais que poderiam vender através de toda a rede. Acho que é uma estratégia muito razoável. Não é aplicável a uma estratégia de informações, mas é uma maneira razoável de reagir a ela.

Continuando a falar sobre publicidade. Já assistimos à vida e morte dos anúncios pop-up e agora ouvimos alguns anunciantes dizerem que os banners comuns, inclusive os interativos, não funcionam mais. Os bloqueadores de anúncios nas plataformas móveis estão desafiando um importante modelo de negócios. Alguns jornais criaram estúdios voltados para conteúdo patrocinado. Outros apostam que compartilhar e criar um conteúdo de qualidade, ganhando o interesse das pessoas [inbound marketing] ou iniciar o interesse de novos consumidores pelo comércio digital [lead generation] pode ser mais eficaz. Há muitas experiências nesse campo e ninguém parece ter certeza de qual seria a melhor forma de substituir a rentabilidade da velha e tradicional publicidade. Quais seriam os estilos e formatos mais adequados para anunciar nas plataformas jornalísticas online? Poderia ser uma mistura de tudo isso?

J.B. – Acho que poderá ser uma mistura de tudo isso. Se você é um editor de primeira qualidade nos Estados Unidos, uma das perguntas-chave que você tem de fazer a si próprio é: quanto da minha publicidade quero (e posso) vender diretamente e quanto vou usar de redes de anúncios ou um software para aquisição de publicidade digital [programmatic advertising]? Este software teve o efeito de baixar o custo da publicidade digital. O impacto que isso teve junto aos editores foi considerável. Quanto aos bloqueadores de anúncios, acho que teremos que esperar para avaliar a aceitação. Se me lembro corretamente, o Brasil é um país de Android, certo? Mais do que iPhones…

Correto.

J.B. – É claro que o novo software para bloqueio de anúncios está disponível em iPhones e o Google, que tem todo seu lucro a partir da publicidade, tem tentado impedir o uso de bloqueadores de anúncios em telefones Android. Pode ser que em seu país existam forças externas que reduzam o impacto. Nos iPhones, os bloqueadores existem há duas semanas. Não sabemos se serão usados por 2% ou por 50% dos usuários de iPhone. Acho que é um momento apropriado para refletir sobre o que você disse – que os banners tradicionais vêm perdendo a eficácia provavelmente há 20 anos. Isso é de interesse cada vez mais decrescente para um bom número de anunciantes. Isso empurrou os editores em direção à publicidade com conteúdo jornalístico [native advertising], ao conteúdo patrocinado e também à publicidade em vídeo, com a ideia de que talvez sobressaíssem em relação à banal exposição de anúncios. O conteúdo patrocinado e a native advertising foram adotados por quase todos dos principais editores dos Estados Unidos – The New York Times, Wall Street Journal e The Washington Post –, assim como por inúmeros veículos internacionais. O motivo pelo qual o fazem é porque pode gerar muito dinheiro. O dinheiro que você ganha de uma campanha de conteúdo patrocinado é muito mais do que o que você ganha com uma campanha de banner. Portanto, acho que o interesse por isso vai aumentar, mesmo que as pessoas demonstrem preocupações éticas legítimas com a questão.

“O mercado da publicidade é cíclico”

Recentemente, na conferência anual da Associação de Noticiários Online [Online News Association], Richard Gingras, do Google, falou sobre uma crise em relação à maneira pela qual o conteúdo vem sendo distribuído através de plataformas móveis. Isso envolve o mau uso da publicidade, o congestionamento da rede e um novo tipo de concorrência que torna difícil distinguir publicações que realmente fazem jornalismo e aquelas inundam a rede com informações não confiáveis de terceiros. Como é que o bom jornalismo pode prosperar nos dispositivos móveis?

J.B. – É muito difícil. Acho que principal impacto da transição para os telefones móveis é que você está deixando de lado o navegador e procurando os apps. Quando você está num navegador da internet, seu website – e o meu, e o de todo mundo – está numa mesma base. Você pode ir para o website do New York Times ou para um pequeno blog. Todos eles têm seus endereços e competem de igual para igual. Quantas páginas de internet terá você visitado no ano passado? Nos apps, você não tem tudo isso, certo? As pessoas tendem a concentrar seu comportamento nuns poucos apps e, falando de uma maneira geral, esses seriam redes sociais, como o Facebook, o Twitter e outros.

Essa transição de poder para uma plataforma é o elemento mais importante dos telefones móveis. O que diz Richard Gingras – e outros já disseram – sobre como os anúncios são lentos e prejudicam a rede é verdadeiro. Se você baixar um plugin para seu navegador chamado Ghostery, ele irá mostrar todos os rastreadores em todos os websites que você visitar e, o que é alarmante, quando você entra numa página da web você verá que há 60 diferentes tipos de javascript que o estão rastreando com vários objetivos publicitários distintos.

Por um lado, as redes irão ficar cada vez mais rápidas. Também os telefones ficarão mais rápidos. Os motores de javascript continuarão a ficar mais rápidos. De certa forma, você poderia imaginar que a tecnologia está se encarregando de resolver parte do problema. Porém, ao mesmo tempo, planos de dados significam que as pessoas dão valor ao que vai para seu telefone de maneira diferente daquela que dão valor ao que vai para seu laptop ou para seu desktop. A velocidade é mais importante numa conexão lenta. A quantidade de dados é mais importante numa conexão móvel. Acho que você pode analisar o bloqueio de anúncios por essa lente. De certa forma, é uma reação razoável a toda a porcaria que você não queria em seu telefone. O fato de que possa ser uma consequência natural daquela transição para o Facebook e o Twitter e outras plataformas sociais, ou mesmo o Google, é que uma marca individual de mídia se torna menos importante. Já foi importante: se você queria ler, você ia para NYtimes.com em seu navegador e começaria a ler ali. Atualmente, é muito mais comum que você depare com uma material do New York Times ao acompanhar um link ou vindo de outra direção qualquer. Nesse contexto, é mais fácil que outras pessoas pareçam ter mais credibilidade do que provavelmente deveriam ter.

As empresas de tecnologia estão oferecendo aos jornais uma oportunidade especial para distribuírem conteúdo através de suas plataformas dominantes, em redes sociais ou em apps codificados numa linguagem de programas específica. A hipótese é de que participar das receitas publicitárias de uma rede global pode ser melhor do que ficar isolado numa rede dominada por gigantes. Que tipo de riscos correm os jornais quando concordam em distribuir seu conteúdo através de canais que não controlam? Ao fazê-lo, estariam fazendo o jogo do inimigo ou podem ter benefícios concretos?

J.B. – Se eu fosse uma organização jornalística, eu concordaria em distribuir o conteúdo. E o faria por vários motivos. Em primeiro lugar, esses acordos não representam contratos de 10 anos. Se você concordar e a coisa pareça não funcionar, você pode cair fora. Em segundo lugar, e pelo menos à primeira vista, os acordos que as plataformas estão oferecendo são bastante generosos. Em relação ao Instant Articles, do Facebook, e ao Apple News, se você vender os anúncios, você tem direito a todo o dinheiro. Eles só dão uma parcela ao Facebook e à Apple se venderem os anúncios para você – e mesmo assim você tem direito a 70%. Considerando o péssimo trabalho que fizeram os editores tentando vender publicidade para dispositivos móveis, esse, provavelmente, é um acordo melhor, pois os anúncios podem estar em vários outros lugares. Os riscos são óbvios, mas eu acho que eles têm menos a ver com a decisão de entrar ou não nesses programas, e mais a ver com a realidade. Se você, editor, decidir entrar ou não para o Instant Articles, do Facebook, isso provavelmente terá um impacto zero no comportamento de seus usuários. Não é o caso de que, se você não estiver lá, seus usuários parem de acessar o Facebook. Eles irão continuar a acessar o Facebook.

Como poderá isso afetar a percepção pública de uma marca jornalística tradicional?

J.B. – Volto a dizer: as pessoas já estão vendo seus artigos no Facebook. Não creio que uma versão aperfeiçoada vá prejudicar sua marca no Facebook. Acho que se trata mais de uma continuação de tendências que já existem do que um momento de pontuação em que as coisas mudam. Há um risco que iria contrabalançar isso, pelo menos um pouco: se você for um editor inteligente nos dias de hoje, e se você está tentando descobrir como ganhar dinheiro online, provavelmente você estará procurando outras maneiras, e não a publicidade. O New York Times tem um milhão de pessoas que pagam por uma assinatura digital. Muitos outros jornais também tentaram, com menos sucesso. Entretanto, do ponto de vista ideal, você iria preferir que sua receita online não fosse 100% de publicidade, pois o mercado da publicidade é cíclico. A direção em que ele vai, de uma maneira geral, não tem sido favorável aos pequenos editores. Se você tem um website que tem uma paywall ou alguma estratégia de conteúdo pago, então o acesso ao Instant Articles, do Facebook, ou ao Apple News é um pouco diferente porque eles não respeitam sua paywall. Se você quiser ler o Boston Globe, você tem permissão de ler cinco artigos por mês, após o que você terá que pagar. Se o Boston Globe estivesse no Apple News, o que não é o caso, então você teria que lhe dar acesso gratuito. Essa é uma área em que acho que existe uma questão legítima, mas de uma maneira geral acho que os pequenos editores não vão conseguir um acordo melhor do que aquele que o Facebook, por exemplo, está oferecendo. Se este fosse um momento em que pudéssemos pisotear e matar o Facebook, essa poderia ser uma ideia inteligente para os editores, mas não é o caso. O Facebook vai continuar existindo caso você faça ou não o acordo.

“Leva tempo para que novas formas de comunicação evoluam”

As escolas de Jornalismo estão adotando um novo currículo no Brasil, de acordo com orientações padronizadas pelo Ministério da Educação. No geral, o curso deixa de ser considerado um subcampo dos estudos de comunicação e adquire maior enfoque no jornalismo profissional, especificamente. Além disto, reforça aspectos como o empreendimento e a nova mídia, levando em conta a crise de emprego nas redações tradicionais. Como é que o senhor vê a educação de jornalismo nos dias de hoje e quais são as principais experiências a serem desenvolvidas pela nova geração?

J.B. – Ao ouvir essa descrição, e não conhecendo muito sobre o assunto, minha primeira reação é a de que é uma pena se todos os currículos forem padronizados em todas as escolas. Uma das vantagens de termos muitas escolas de Jornalismo nos Estados Unidos é a de que lugares diferentes tentam modelos diferentes. A Universidade da Califórnia, em Berkeley, tem um modelo que é diferente do da Universidade Estadual do Arizona, que é diferente do da Universidade de Columbia, que é diferente do da Universidade de Missouri. Penso que todo o sistema se beneficia de ter várias abordagens diferentes, produzindo inúmeros resultados diferentes entre os estudantes. Isto posto, o empreendimento é uma experiência útil.

Em termos realistas, um número muito pequeno de estudantes formados em Jornalismo vai partir para criar seu próprio negócio. De certa maneira, o elemento importante do empreendimento é o de ser empreendedor dentro de uma organização, para não se limitar a ser uma peça inócua numa engrenagem gigante e, sim, poder fazer coisas táticas e tentar coisas novas. A principal experiência que um estudante formado em Jornalismo deveria ter seria a capacidade de adaptação, pois por mais atual que seja o currículo em 2015, algumas partes dele irão parecer obsoletas em 2020.

As pessoas vão à escola de Jornalismo por uma vez e depois têm toda uma carreira pela frente. A coisa mais importante está em criar uma abertura de abordagem para que não seja rigorosamente determinado que esta é a doutrina religiosa de como sempre fazemos as coisas. Existem muitos lugares, nas escolas de Jornalismo nos Estados Unidos, em que as pessoas vêm trabalhar com a mentalidade do jornal impresso, ou com a mentalidade da televisão, e muitas vezes ensinam aos jovens esses princípios. Vivem com isso porque foram instruídas com base nisso, embora não sejam otimistas quando adotam uma carreira digital. Penso que aprender a escrever ainda é muito importante. Aprender a escrever uma reportagem é muito importante. Essas são experiências universais e eu também acho que muitas escolas de Jornalismo podem passar um bom tempo com o enfoque voltado para ferramentas e aprendendo um pacote de software específico. Volto a dizer que nos Estados Unidos tivemos muitas escolas de Jornalismo que investiram muito tempo e muita energia ensinando aos estudantes Flash Animation e Adobe Flash. Depois apareceu o iPhone e matou o Flash. Todas essas pessoas passaram um bom tempo ensinando uma experiência que agora é completamente inútil. É por isso que recomendo, antes de tudo, a capacidade de adaptação e a flexibilidade. Não sei se o currículo de vocês contempla isso, mas se não o fizer, eu incentivaria a que o fizesse.

Recentemente, num estudo de caso sobre pequenas startups de jornalismo local no Brasil, perguntamos por que essas empresas normalmente não dão certo. Reparamos que seus líderes eram jornalistas que não haviam sido treinados para assumir tarefas de gerenciamento. A acumulação de funções entre seus membros também dificultava seu empenho nas atividades de vendas, além da dificuldade em encontrar um modelo de negócios viável no contexto das microempresas de jornalismo local. O senhor poderia traçar um paralelo com o atual panorama nessa área nos Estados Unidos?

J.B. – Claro. Temos inúmeras startups de jornalismo, em especial as que começaram na esteira da crise financeira, quando muitos jornalistas perderam seus empregos. Essas empresas começaram com pessoas muito bem intencionadas, jornalistas inteligentes e talentosos que não tinham senso empresarial e enfrentaram lutas significativas. Acredito que a primeira pessoa que uma startup de mídia deveria contratar seria um desenvolvedor de negócios porque, na maioria dos casos, se você tem um jornalista como fundador da empresa (a) você vai querer que o enfoque dessa pessoa seja naquilo que ela faz bem, que é o jornalismo; (b) as possibilidades de que uma pessoa seja realmente um bom jornalista e um bom administrador de negócios são improváveis.

Há muitas pessoas talentosas, mas que sejam talentosas em ambas as coisas é muito raro. Você tem que pensar no negócio desde o primeiro dia. Pouco importa se você está tentando começar um negócio lucrativo ou uma organização sem fins lucrativos. Você precisa pensar em sustentabilidade. Vamos pensar da seguinte forma. Pense em startups que não sejam de jornalismo. Pense num negócio de vender ferramentas. É provável que a pessoa que começa esse negócio constatou uma oportunidade de mercado para ferramentas. Ela pensa que pode criar algo a um preço mais baixo ou distribui-lo melhor ou acha que pode produzir algo de melhor qualidade que poderá alcançar um mercado de boa posição, enfim, a pessoa vê uma oportunidade de negócio e começa a construir coisas para acompanhá-lo.

Muitas startups de jornalismo começaram porque o jornalista quer fazer “x”, e não porque há uma oportunidade de mercado para “x”. Não há nada de errado em querer fazer “x”. É ótimo. O jornalismo é uma coisa maravilhosa, mas se você se dedica a fazer coisas para as quais não há mercado, não surpreende que você vá fracassar. É um resultado quase garantido. Desde as primeiras conversas, você precisa de alguém que pense no lado comercial das coisas, alguém que pense onde há oportunidades concretas de mercado, alguém que saiba vender um anúncio, ou uma assinatura, um dirigir um evento ou qualquer outro tipo de modelo de negócios. Não vou dizer que isso seja fácil porque não é. As startups digitais locais que tiveram sucesso tendem a ser muito pequenas. Tendem a ter estruturas de muito mais baixo custo que um jornal.

Penso numa empresa, fora de Filadélfia, chamada Technically Media, que dirige uma série de sites, em várias cidades da Costa Leste, e escreve sobre as comunidades de startups em cada uma dessas áreas. Eles ganham dinheiro, fundamentalmente com eventos e conferências, e não com o conteúdo que produzem. O conteúdo é um anúncio do evento, de várias maneiras. Tenho certeza que eles poderiam ter interesse em ter um site sobre a pobreza em Filadélfia, mas se eles dissessem que era sobre pobreza não iriam ganhar dinheiro algum. Uma vez mais, e frisando que não é o melhor resultado, entendo, de maneira realista, que eles vão encontrar alguns mercados que são melhores que outros e algumas áreas de interesse que são melhores que outras. Você precisa pensar sobre isso desde o primeiro dia. Se você é o jornalista que fundou a empresa, você precisa reconhecer que você pode ter uma porção de experiências interessantes, mas não é um conjunto de experiências universal. Compreenda o que você não sabe fazer bem e traga alguém, o mais depressa que puder, para fazê-lo.

Em tempos de incerteza sobre o futuro dos jornais, o debate público sobre o papel da imprensa e da crítica de mídia nas sociedades democráticas parece ser ainda mais importante. Como é que o senhor acha que a nova mídia, as novas linguagens e as novas estratégias podem ser usadas para informar e estimular a percepção e consciência cívica do papel do jornalismo?

J.B. – Pense para trás. Uns 150 anos. Surgem os jornais. Surge o radio. Surgem as revistas. Surge a televisão. Depois surge a televisão a cabo. A cada etapa, o novo meio de comunicação surge e confunde todo mundo. As pessoas não sabem como reagir. Algumas pessoas tentam uma porção de coisas diferentes – algumas parecem bastante respeitáveis, outras, não tanto. Leva tempo para que as novas formas de comunicação evoluam. Hoje, nós temos 20 anos de World Wide Web. Temos ainda menos tempo de apps em telefones. Temos 10 anos de Podcast. Seja como você dividir essas áreas, a coisa ainda é nova. Acho que ainda estamos negociando quais são as formas certas e quais os veículos que os leitores estão tentando descobrir em que devem confiar e nos que não devem, a quais deles querem pagar dinheiro e a quais não querem.

“Matérias esportivas poderiam ser escritas por algoritmos”

Mas como é que as pessoas podem ser educadas no sentido de saber se é confiável a informação pela qual estão pagando? Em outras palavras, como podemos criar uma consciência sobre a ética que está por trás de um objetivo do jornalismo?

J.B. – Quando surge uma nova indústria, muitas vezes você tem uma organização profissional, ou uma estrutura profissional, que tenta manter as pessoas afastadas. Com as emissoras de televisão, há um número limitado de licenças para estações de televisão. Então, era fácil manter as pessoas afastadas. No caso dos jornais, nós tivemos, nos Estados Unidos, um jornal por cidade – que ganhou muito dinheiro – e a indústria se padronizou dessa maneira. O que isso significa é que quando você tem um conjunto de produtores sob controle, é muito mais fácil dar forma a percepções dessa indústria. Uma ordem de advogados poderá definir quem é advogado e quem não é. Podem estabelecer regras e diretrizes relativas ao que cabe aos advogados fazer e se você violar essas diretrizes, eles podem expulsá-lo da ordem. Não se trata de uma regulação feita pelo governo, e sim de algo que é profissionalmente regulado. Em 1990, quando as pessoas falavam sobre mídia provavelmente estavam se referindo ao jornal local, a transmissões nacionais pela televisão, talvez – no caso dos Estados Unidos – às revistas Time e Newsweek e talvez algumas outras poucas fontes – um grupo estrito que talvez não tivesse todos os mesmos padrões, mas basicamente os mesmos padrões. Quando as pessoas pensam em mídia nos dias de hoje, podem estar pensando no New York Times ou na CNN, mas também podem estar pensando num blog terrivelmente racista que visitaram, assim como podem num veículo muito tendencioso, em termos políticos, ou podem estar pensando no boletim eletrônico que aquele tio maluco acabou de lhes encaminhar.

Agora, nós somos a mídia…

J.B. – Exatamente, é isso mesmo. A ideia de criar confiabilidade na mídia agora é quase impossível porque não há uma definição rigorosa do que a mídia é. A mídia digital pode ser qualquer pessoa. Pode ser o seu amigo compartilhando uma ideia idiota no Facebook e pode ser uma investigação vencedora de um prêmio Pulitzer. Nesse caso… você não está preocupado com a mídia. Você está preocupado com a sua marca porque é isso que você controla. Se você dirige um jornal, você quer ter certeza que está comunicando à sua audiência aquilo que você está fazendo – no máximo possível, de todas as maneiras possíveis e com o máximo de nitidez possível. Se essas pessoas pensam que aquilo que é feito por uma outra pessoa é uma porcaria, o problema não é seu. Você pode se definir contra isso. Nos Estados Unidos, o número de pessoas que confiam na mídia vem caindo. Se você definir a mídia de modo tão amplo, então, com certeza, quem vai confiar na mídia? Eu posso confiar no New York Times e isso não significa que confie na Fox News nem significa que confie numa longa lista de outros sites.

O senhor acha que é possível que a mídia, como a conhecíamos antigamente, volte a ter confiabilidade?

J.B. – Não. Na medida em que todo mundo pode publicar o que a internet trouxer, isso não é possível. Qualquer pessoa pode ter uma conta no Twitter. Qualquer pessoa pode ter um blog. Qualquer pessoa pode postar qualquer coisa no Facebook. Qualquer pessoa pode publicar. Na medida em que isso é verdade, a mídia deixa de ser uma referência determinante para confiabilidade porque se torna o equivalente a você perguntar: “Você confia nas palavras que saem da boca das pessoas?” Eu confio nas palavras que saem da boca de uma porção de pessoas, mas não confio em todas as pessoas porque isso seria uma coisa idiota.

Só mais uma pergunta sobre tecnologia. O jornalismo de dados veio para ficar. Alguns pesquisadores estão explorando a automação e o uso de robótica no jornalismo. O senhor acha que chegará uma hora em que poderíamos confiar em robôs que fizessem as reportagens para nossas melhores notícias?

J.B. – Se você pensar no que faziam os jornalistas antes da internet, parte daquilo consistia em identificar matérias. Outra parte, os jornalistas escreviam reportagens. Uma parte, eles escreviam e outra parte eles reuniam outras matérias. Eles decidiam quais matérias iriam para a primeira página, quais iriam liderar o noticiário e quais iriam para o final do noticiário, na página 17. Também distribuíam as notícias, passo a passo desse processo. Se você levar em consideração a parte da distribuição, a disposição por importância e a reunião das matérias, os algoritmos já vêm fazendo boa parte desse trabalho. Toda a vez que você vai ao serviço de notícias do Facebook, a disposição é baseada no que o Facebook considera o mais o assunto mais interessante e mais importante, seguindo-se o segundo assunto mais interessante e mais importante. Essa escala de classificação, que antes era uma tarefa jornalística – na reunião da primeira página decidia-se o que vai aqui e o que vai ali –, fica agora por conta de um algoritmo e, em alguns casos, por conta de seus amigos. O que estarão seus amigos compartilhando para levar a isso? Eu acho que há alguns tipos de matérias em que a reportagem algorítmica pode ajudar muito. Há cinco anos, dizia-se que matérias esportivas, nas quais as estatísticas narram a matéria de maneira muito concreta, podiam ser escritas por algoritmos. Isso era verdade há cinco anos e ainda é verdade. Outro exemplo são os balanços financeiros das empresas. Nos Estados Unidos, há uma estrutura oficial, definida pelo governo federal e pela Comissão de Títulos e Câmbio. Você pode ler como se fosse uma máquina e torná-los uma matéria. Quando será dado o próximo passo possibilitando a cobertura de uma entrevista coletiva, ou uma reunião da Câmara Municipal ou a produção de uma matéria – uma matéria de análise?

“Temos muito interesse no que vem se passando no Brasil”

Fazer as perguntas certas às fontes…

J.B. – Isso mesmo. Acredito que ainda estamos muito longe disso. Acho que essa área não avançou muito nos últimos cinco anos. As pessoas podem achar que estou errado, mas eu acho que a maior transição para os jornalistas será quando descobrirem quais matérias devem abandonar – não porque um robô o possa fazer melhor, mas porque a matéria não produziu o valor que eles achavam que produziria.

Muitos jornais, por exemplo, diminuíram a importância das matérias de esporte que se limitam a contar o que aconteceu no jogo de ontem à noite. A matéria do jogo era uma parte importante daquilo que os jornais produziam. Atualmente, se você estiver cobrindo uma equipe de futebol, o número de pessoas que irá pegar o jornal no dia seguinte sem saber o que aconteceu na noite anterior – quem ganhou, quem perdeu – é muito pequeno porque todos eles viram o jogo. Essas pessoas diminuíram a importância e depois voltaram a enfatizar a análise, os comentários inteligentes… De certa maneira, isso se afasta de matérias mais formais para matérias de nível mais alto e eu acho que essa transição é concreta, mas é menos dirigida por algoritmos e mais por uma reflexão sobre como você se diferenciar em seu mercado e para sua audiência, se isso fizer sentido.

O jornalismo de dados, como um todo, tem muito por onde crescer pela frente porque é limitado por aquilo sobre o que temos bons dados, ou informações – e há áreas em que temos muitos dados –, e pelas áreas em que temos muito poucos bons dados. Penso que a área em que temos bons dados provavelmente continuará a crescer e descobriremos novas maneiras de fazer o jornalismo de dados mais fácil, tornando mais fácil o acesso aos conjuntos de dados, dispondo de melhores ferramentas que tornam mais fácil a análise desses conjuntos de dados. Acho que provavelmente será um processo bastante lento e ainda penso que vamos continuar recebendo a maioria de nossas notícias a partir de matérias escritas por humanos por um bom tempo.

Como os jornalistas brasileiros participaram, ou podem participar, da Fundação Nieman para Jornalismo na Universidade de Harvard?

J.B. – Nosso primeiro professor brasileiro licenciado foi Rosental Calmon Alves, em 1985. Atualmente, ele participa de nossa diretoria. Fernando Roldrigues foi professor na época em que eu fui professor, em 2007-2008. No momento, temos Fabiano Maisonnave e tivemos outros brasileiros, ao longo dos anos. A candidatura a uma licenciatura é uma maneira pela qual jornalistas brasileiros podem participar da fundação. Além disso, o Nieman Lab tem um número de leitores considerável no Brasil e eu já tive a oportunidade de falar nesse país por várias vezes – na Associação Nacional dos Jornais e na conferência da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Temos muito interesse no que vem se passando no Brasil. Escrevemos alguma coisa sobre a estratégia global dos tablets e sobre o site sem fins lucrativos Publica e algumas outras matérias ao longo dos anos. Nosso principal enfoque é os Estados Unidos, mas sempre temos interesse em aprender sobre coisas inovadoras acontecendo no Brasil e em toda a América Latina.

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Francisco Rolfsen Belda é jornalista