Entre milhões de informações recebidas, a edição diária do New York Times publica cerca de 130 mil palavras, segundo o ombudsman Clark Hoyt. E, para fazê-lo, a equipe de editores conta com algumas políticas e procedimentos que garantem a maior precisão possível a cada uma dessas palavras.
Porém, apesar de todos os cuidados, ainda acontecem episódios desastrosos. No mês passado – por não terem editores e repórteres se dado ao trabalho de verificar uma informação –, o Times divulgou uma chamada telefônica que não aconteceu, acreditou na veracidade de uma falsa carta ao editor e publicou uma história sensacional sobre a guerra por contratações de um time de futebol universitário sobre a qual até o momento pairam dúvidas.
Embora as causas de cada um dos equívocos fossem específicas, todas mostram como um pequeno escorregão pode levar a um grande erro e como é fundamental, numa atividade que depende em grande parte da confiança, ficar vigilante e cético.
O telefonema
No dia 9/12, o repórter David Halbfinger divulgou que o senador Edward Kennedy, de Massachusetts, teria telefonado para o governador de Nova York, David Paterson, em nome de sua sobrinha, Caroline Kennedy, que estaria de olho na vaga para o Senado a ser deixada por Hillary Clinton. As fontes de Halbfinger eram ‘assessores democratas’ anônimos e a matéria dizia que um porta-voz de Kennedy não quisera fazer comentário algum.
No dia seguinte, entretanto, depois que Paterson negou ter falado com Kennedy e o porta-voz deste último disse que o senador não telefonara para Nova York, o Times reconheceu que não havia checado a informação com Kennedy ou Paterson antes da publicação da matéria.
Como passar por cima de uma providência tão óbvia? Halbfinger assumiu responsabilidade absoluta e disse que não havia uma ‘explicação racional’ para o erro. Na realidade, ocorreu uma série de falhas de comunicação – entre repórteres – e mal-entendidos. Halbfinger chegou a entrar em contato, por e-mail, com o porta-voz de Kennedy, Anthony Coley, perguntando-lhe se tinha algo a dizer sobre ‘a história de Caroline’. Coley respondeu: ‘Não sei de nada sobre o assunto’, o que Halbfinger interpretou como uma recusa a fazer comentários sobre o suposto telefonema. Posteriormente, o ombudsman procurou Coley, que lhe disse que, apesar do mal-entendido, via o equívoco como ‘um erro honesto’.
Halbfinger não soube explicar por que não tentara telefonar para Paterson. Outro fato sem explicação é o das fontes anônimas: estariam em condições de saber do que falavam ou teriam motivos para querer enganar propositalmente o jornal? Para o editor Craig Whitney, a descrição das trapalhadas foi completamente ‘inadequada’.
A carta falsa
Em seus nove anos como responsável pela seção ‘Cartas ao editor’, Thomas Feyer calcula ter lido cerca de um milhão de cartas – algumas, falsas. Mas no dia 18/12 recebeu um e-mail de alguém que se fazia passar por Bertrand Delanöe, o prefeito de Paris, e dizia que a tentativa de Caroline Kennedy de pleitear uma vaga para o Senado era uma ‘manobra dinástica’ e ‘não muito democrática’.
Feyer sabia da fama que tem Delanöe de falar demais e não ser muito diplomático e, por isso, não levou em conta que pudesse se tratar de um trote. Nem atentou para o fato de que o endereço do e-mail era paris.com, ao invés de paris.fr, e não constavam os habituais telefones para contato. Feyer achou que o fato do verdadeiro nome do prefeito constar do endereço de origem era uma garantia de que a mensagem era genuína. De lá para cá, ele aprendeu como é fácil criar falsos endereços eletrônicos.
A carta foi revisada e enviada ao endereço de origem para aprovação, prática comum do Times. Embora não houvesse resposta, a carta foi publicada no dia 22/12. Quando o gabinete do prefeito reclamou, o Times desculpou-se. ‘Eu devia ter segurado a carta’, reconhece Feyer. Na semana passada, ele comunicou aos leitores que, a partir de agora, o jornal passará a telefonar para todos os autores de cartas antes de sua publicação.
Feyer disse que se sentiu terrível com o erro porque ‘a credibilidade do Times é tudo’. E acrescentou que ‘sempre trabalhamos com uma margem de confiança que, no atual mundo da internet, não podemos ter’.
A festa de arromba
No dia 26/12, o repórter freelance Thayer Evans revelou o fim de uma das mais acirradas disputas pela contratação de um jogador de futebol universitário nos EUA: Jamarkus McFarland, do time de Lufkin, iria para Oklahoma, e não para o Texas. Evans passou meses em contato com McFarland e com sua mãe, Kashemeyia Adams, e relatou o intenso assédio recebido pelo atleta por parte dos dois clubes. Além disso, o repórter citou, em seu artigo, trechos de um texto escrito por McFarland para a escola que contava todo o processo de recrutamento e falava sobre uma festa em um hotel luxuoso de Dallas depois de um jogo entre Texas e Oklahoma. Na festa, segundo o texto de autoria do jogador, havia muito álcool, drogas e mulheres nuas se acariciando.
Depois da publicação da matéria do Times, entretanto, McFarland confessou que havia ‘apimentado’ um pouco a descrição da festa e que, se soubesse que Evans a citaria, poderia ter esclarecido o que era e o que não era verdade. Segundo Evans, todas as informações do texto foram revisadas junto com o jogador – o que foi confirmado também pela mãe de McFarland.
O Times pediu a McFarland para esclarecer as afirmações contraditórias e, depois de dois dias, ele enviou uma mensagem que não esclarecia coisa alguma. Dizia que respeitava Evans, que escrevera ‘para ganhar audiência’, que não abria mão do que havia dito e que já havia seguido em frente.
O que realmente ocorrera? O ombudsman perguntou a Evans se pressionara McFarland no sentido de ter uma informação independente sobre a festa. Ele disse que perguntara o nome do hotel – que McFarland não lembrava –, mas não perguntou de quem partira o convite para a festa, nem quem o acompanhava ou podia ter assistido aos excessos relatados.
Evans reconheceu que deveria ter buscado outras fontes, independentes, sobre o episódio. Mas disse também que McFarland e sua mãe nunca o haviam enganado durante o longo tempo de seu trabalho investigativo, e por isso ele confiou neles.
O editor de esportes do Times, Tom Jolly, e Mike Abrams, que editou a matéria de 2.800 palavras publicada no dia de Natal, disseram que não pressionaram Evans sobre a festa. Abrams disse que McFarland é um bom estudante e as citações tiradas de seu trabalho ‘acrescentavam credibilidade’.
‘Confie, mas verifique’
O artigo também trazia declarações de Kashemeyia Adams de que recebera várias ofertas no sentido de fazer seu filho optar por jogar no time do Texas, embora ela enfatizasse que não acreditava que alguém da universidade fosse responsável por agir mal. Nick Voinis, porta-voz do departamento de esportes da universidade do Texas, queixou-se ao ombudsman de que Evans não se comunicara com ele antes da publicação do artigo para confirmar as alegações da mãe do jogador. O jornalista, que diz ter alertado sobre o artigo no site do jornal, afirma que não procurou os responsáveis pelas universidades do Texas e de Oklahoma porque não queria passar para eles informações que pudessem utilizar para influenciar a decisão de McFarland. Hoyt acredita que Evans deveria ter dado uma chance às universidades. Um telefonema poderia ter resolvido muitas complicações.
Ronald Reagan talvez não tenha adorado a imprensa, mas tinha um bom conselho para os repórteres: confie, mas verifique.