As falas desastrosas do ministro Paulo Guedes – chamando os servidores públicos de parasitas e destilando preconceito sobre o direito das empregadas domésticas irem para a Disney – foram elucidativas sobre as contradições que cercam a cobertura econômica e política da imprensa brasileira. Não faltaram os comentários tecnocráticos de praxe, tentando separar o que é inseparável. A necessidade de ajustes econômicos e reformas com a insensibilidade social dos ocupantes do poder, para não falar de uma visão de mundo sectária e machista. Basta comparar a ênfase na reforma da Previdência e a gestão do INSS, com filas e atrasos nos benefícios, para que se entenda o terreno pantanoso em que nos metemos.
Do tom crítico, destaque, uma vez mais, para Janio de Freitas, na Folha de domingo (16 de fevereiro). Paulo Guedes é “um exemplar notável de parasitismo”, escreveu, operando na vida privada às margens do setor público, enriquecendo na operação dos fundos de pensão dos servidores públicos. Janio aponta uma distinção que escapa às abordagens tecnocráticas. Paulo Guedes é um economista de mercado que se esconde sob o discurso do liberalismo econômico.
“Em breve confissão de sua repugnância à ida de empregadas domésticas à Disney (…), Guedes desnudou o inimigo da redução de desigualdades – sociais, econômicas, étnicas e educacionais – que há em cada economista de mercado e nos seus seguidores na política e no jornalismo”,conclui.
Flávia Oliveira, na coluna “O suco de preconceito de Guedes”, publicada no Globo (14 de fevereiro), centrou sua argumentação na economia. Demonstrou os outros “deslizes retóricos” do ocupante do Ministério que revelam sua cartilha de preconceitos, como atribuir aos pobres a degradação ambiental ou inferir que a falta de dinheiro se deve ao hábito de não poupar.
“Se empatia tivesse pelas trabalhadoras domésticas, em vez de ofendê-las pelas viagens que não fizeram, o ministro Guedes agiria contra a alta de 7,84% no preço da alimentação nos domicílios em 2019, quase o dobro da inflação oficial, de 4,31%. O que certamente preocupou as empregadas – e boa parte das famílias brasileiras – foram os aumentos de 55,99% no quilo do feijão-carioca, de 32,4% na carne, de 12% no frango, de 14,73% na dúzia de ovos.”
A coluna de Reinaldo Azevedo na Folha de S.Paulo, “Empregadas, uni-vos na borrachada da luta sem classe” lembrou uma memória de infância da mãe faxineira para chamar atenção sobre o comportamento das elites. “Há preconceito contra negros no Brasil. Há preconceito contra mulheres no Brasil. Há preconceito contra gays no Brasil. Há preconceitos no Brasil. O maior de todos, o mal talvez incurável, a canalhice insofismável, o ódio primordial, o medo primitivo é um só: de verdade, ‘eles’ – permitiam-me as aspas, que eu mesmo costumo combater – odeiam os pobres”.
Ódio que é uma das marcas do personagem Caco Antibes, interpretado por Miguel Falabella no extinto programa de TV Sai de baixo. A capa do jornal Extra foi rápida e certeira. “Sua excelência, o ministro Caco Antibes”.
“A tragédia das palestras de Guedes é que ele não se deu conta de que não está falando só aos seus pares, mas ao país. E quem tá lá na platéia ouvindo não levanta e sai porque não vê absurdo no que ele diz. Ué? Esse não é o tom que sempre foi usado nas reuniões entre homens de negócio?”, pergunta Barbara Gancia no Twitter.
As repercussões negativas do discurso de Guedes levaram a reflexões sobre o que não é falado, os silenciamentos que dizem muito sobre a cobertura da imprensa. “A melhor forma de dialogar com Paulo Guedes/Bolsonaro é reproduzir o noticiário dos protestos do Chile. Este é o modelo do inferno que está sendo construído. Infelizmente, a mídia brasileira evita a comparação. Não sei como alguém pode escrever sobre economia evitando esse ponto”, escreveu no Twitter Xico Sá.
O mesmo se dá em relação à greve de parte da Petrobras, como assinala Janio de Freitas, motivada pela possível privatização da empresa, “como desfecho da atual e pouco conhecida venda a varejo de subsidiárias e outros componentes do patrimônio”. Realidade que faz com que o Estado tenha, hoje, informa Janio, apenas 0,3% acima do necessário em ações com direito a voto. Sobre essas informações, pouco sabemos.