Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um canal para a língua de Camões

O português é hoje um dos grandes idiomas do mundo, falado por cerca de 250 milhões de pessoas em 10 países de quatro continentes, sendo que em seis é a única língua oficial. É um dos idiomas oficiais da União Europeia, é a língua nacional de um país emergente e populoso como o Brasil, é falada por milhões de imigrantes em todas as partes do mundo. Mas, entre os grandes idiomas contemporâneos, é o único que não dispõe de canal global de comunicação, coisa que até o árabe, antes uma língua confinada, conquistou com a criação da Al Jazeera. Essas são as considerações fundamentais que levaram ao protocolo de intenções assinado na terça-feira, dia 27, em Lisboa, entre signatários brasileiros e portugueses, com vistas à criação de um canal de televisão multilateral da lusofonia, uma iniciativa luso-brasileira com a perspectiva de incluir os demais países de língua portuguesa.


Assinaram o protocolo, pelos governos nacionais de Portugal e Brasil, os ministros Jorge Lacão, de Assuntos Parlamentares, pasta que responde também pelos assuntos de Comunicação, e Franklin Martins, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.


Outro termo de cooperação, este firmado entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a Rádio e Televisão de Portugal (RTP), reitera a disposição das duas instituições de desenvolver e lançar esse canal, por meio de um grupo de trabalho bilateral a ser instalado dentro de, no máximo, 30 dias. Assinamos, eu e o presidente da RTP, Guilherme Costa, um acordo mais geral de cooperação, que inclui o apoio recíproco para a produção jornalística, a troca de conteúdos audiovisuais de propriedade das duas televisões públicas, a exploração de possibilidades de coprodução e o intercâmbio em rádio, que já é objeto de acordo anterior.


Sobre a distribuição


Todas essas formas de cooperação podem fortalecer as televisões públicas dos dois países, mas o desafio comum e cimentador desse relacionamento será a implantação do canal internacional e multilateral da lusofonia – a sinfonia cultural dos povos que falam português no mundo. À disposição das equipes da EBC e da RTP, soma-se a determinação dos ministros Franklin Martins e Jorge Lacão, bem como o apoio do presidente Lula e do primeiro-ministro José Sócrates, que há algum tempo já falam desse assunto, que agora ganhou sua dinâmica. Há pouco mais de um mês houve a primeira reunião bilateral em Brasília e agora já assinamos o documento inicial, ao qual nos cabe agora aplicar trabalho, muito trabalho, para transformar seu objetivo em realidade.


Sabemos que não será fácil. A RTP já tem dois canais internacionais, sendo um deles o RTP-África, de grande penetração nos países lusófonos daquele continente. A TV Brasil lançou em maio seu canal internacional, que começou também a ser distribuído para 49 países africanos e estará em breve nos Estados Unidos e na América Latina. Em Portugal, estamos dialogando com as operadoras da TV por assinatura sobre sua distribuição.


Mesmo em meio à grande turbulência causada com a compra da parte portuguesa da Vivo-Brasil pela espanhola Telefônica, o presidente da Portugal Telecom, Zeinal Bava, recebeu-nos, juntamente com a diretora da área, Vera Pinto Pereira, para discutir a inclusão da TV Brasil no menu da operadora Meo.


Acento diferente


Mas, relativamente ao novo canal, enfrentaremos mais problemas com sua distribuição no mundo do que com sua construção. A programação será composta por conteúdos da RTP e da TV Brasil, em suas versões nacional e internacional, agregando também os canais públicos dos outros países de língua portuguesa, bem como seus produtores independentes. Juntos, os países que falam a língua de Luís de Camões têm riquíssima diversidade cultural a ser mostrada, e um volume considerável de informações que interessam ao mundo, sejam políticas, econômicas ou sociais. E devem fazer isso a partir da língua que os une, com seus sons e sonidos, significantes e significados. Isso não impedirá, se for o caso, o recurso à legendagem em uma língua mais universal como o inglês.


Mas é na língua nacional que se expressam o Canal 5 francês, a RAI italiana, a NHK japonesa, a TVE de Espanha e assim por diante. Al Jazeera é o único canal internacional trasmitido também em inglês. Se formos capazes de tirar essa ideia do papel, teremos dado uma contribuição inicial, que outros levarão adiante, para a criação de um instrumento multilateral destinado a fortalecer a língua que nos distingue de outros povos e nos aproxima pela história, pela origem e pela cultura.


Enquanto escrevo isso, depois de um dia imersa no falar daqui, com seu acento diferente para a mesma língua, quase posso ouvir Caetano Veloso (que hoje [31/7] deve estar fazendo um show no Porto) cantando com sua clarividência: ‘Minha pátria é minha língua’.

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Diretora presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)