Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma agenda ignorada pelas redações

O dia 1º de março comemora o Dia Mundial do Catador – data que marca um massacre de trabalhadores da coleta ocorrido na Colômbia e relembra a importância do trabalho realizado pela categoria. Mas no Brasil, em 1º de março de 2016 tal data pouco foi comemorada, noticiada ou comentada. Fala-se aqui, portanto, da ausência de olhares, de palavras e de um silêncio que se delonga há anos em cada dia mundial do catador.

Foto Wikimedia/ CC

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Presença diária nas cidades brasileiras, o catador se faz presente diante dos nossos olhos muitas vezes, desatentos, apressados e preconceituosos. Lida, diariamente, com nossos resíduos, com o nosso descarte, com o nosso desprezo, com nossas portas fechadas, com nossa vontade de que o trânsito “flua melhor sem essas carroças”, com as nossas buzinas e com a nossa pressa desatenta que impõe a ele, na maioria das vezes, a invisibilidade.

Mas eles persistem. Uma persistência que tem a ver com a necessidade. Uma necessidade que nossos olhos não conseguem alcançar, pois somos levados por uma valsa de ritmo acelerado que conduz o nosso dia-a-dia e que impede que vejamos aquele indivíduo que está sempre ali, no fim da tarde, na esquina dos nossos edifícios. Ou ainda, também não vemos aquele catador que, já cooperativado, bate palmas na porta de casa e nós somos incapazes de abrir para entregar “aquilo que não queremos mais”.

Desconhecemos os anos de luta da categoria, o dia-a-dia do trabalho pesado, os acidentes de trabalho, o valor de uma tonelada das latinhas que insistimos em jogar no chão, as várias histórias de preconceitos enfrentadas ao longo da vida, a negação da Dignidade Humana, a convivência diária com tudo aquilo que o ser humano mais despreza e a luta cotidiana pela sobrevivência.

A presença do nosso silêncio

Perdemos a chance de conhecer pessoas que, de fato, trabalham em prol de quem os reconhece, mas também de quem não os vê. Parece que combinamos não enxergar a pobreza para não precisar tomar medidas enérgicas para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e para a erradicação da pobreza e da marginalização social, como estabelece a nossa Constituição federal.

Mas que Constituição? Muitos dos indivíduos dos quais falamos aqui nem sabem que ela existe, que estabelece direitos. Direitos? Na espera de sua concretização, esses indivíduos preferem trabalhar todos os dias, no sol, na chuva, em lixões, nas ruas das nossas cidades nem um pouco acolhedoras, em cooperativas.

Comemorou-se, não faz muito tempo, a publicação de uma legislação inovadora – a lei 12.305/2010 no Brasil. Muito se falou sobre o fim dos lixões, a implantação de programas de coleta seletiva, a inclusão de catadores por meio de cooperativas. Anos depois, em 2014, noticiou-se o descumprimento massivo dos prazos para criação de planos municipais de gestão integrada de resíduos e da erradicação de lixões. A existência da lei, portanto, se mostrou insuficiente para tratar de uma questão que envolve a burocracia pública, os custos da implantação de um novo modelo de gestão e até mesmo a falta de vontade política.

E nós? Continuamos em silêncio, fechando os olhos ao trabalho diário de milhares de catadores que sobrevivem a partir dos restos do nosso consumo. Já eles, mesmo diante disso tudo – da ausência dos nossos olhares, da presença do nosso silêncio – preferem (ou precisam) acreditar na construção de uma sociedade justa. Talvez acreditem mais do que nós.

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Raquel Maria da Costa Silveira é advogada, bacharel em Gestão de Políticas Públicas, mestre em Estudos Urbanos e Regionais e doutoranda em Ciências Sociais