Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

VEJA vs. CHÁVEZ
Carta ao leitor

Um inimigo do Brasil

‘Uma reportagem da presente edição de VEJA mostra que o lema do venezuelano Hugo Chávez, que acaba de adquirir poderes ditatoriais em seu país, deveria ser não ‘socialismo ou morte’, mas ‘socialismo é morte’ – morte das liberdades individuais, da democracia representativa, morte do avanço tecnológico, da melhoria das condições de vida do povo e morte da inserção mundial da Venezuela. Por essa razão, Chávez pode até ter amigos na cúpula do PT, mas é inimigo de uma América Latina e de um Brasil modernos e justos.

Por outro nome também deveria ser chamado o ‘socialismo do século XXI’ de Chávez, pomposo rótulo para um rosário de fracassos de uma autocracia cada dia mais inviável. Um bom nome para a experimentação chavista poderia ser ‘involução bolivariana’. Esse regime se define pela volta da centralização da economia, pela estatização de empresas definidas como estratégicas – telecomunicações e energia -, pela censura à imprensa e pela supressão velada ou violenta da atividade política não-alinhada com o governo. É a vitória da cegueira sobre a experiência. O século XX serviu de laboratório em larga escala para o tipo de organização social imposto por Chávez. Ele não funciona. O socialismo real produziu apenas miséria, servidão e guerras. É um triste castigo para a Venezuela, que, antes de Chávez chegar ao poder, em 1999, foi uma defeituosa mas estável democracia que se destacava no cenário de governos militares da região.

Reeleito com 63% dos votos, Chávez anunciou, ao tomar posse na semana passada, que estava inaugurando uma ‘nova era’ no país. Não há nada de novo em Chávez. Sua retórica caudilhesca é velha de dois séculos. Ela tem ressonância por ser movida com recursos advindos do desperdício da imensa riqueza petrolífera da Venezuela. A pregação chavista vem prosperando apenas em países de instituições frágeis como Bolívia, Equador, Nicarágua e, por razões bem especiais, Argentina. A reportagem de VEJA mostra que fora da órbita chavista a América Latina foi muito bem em 2006: teve crescimento econômico com inflação em queda, diminuiu o desemprego, melhorou os indicadores sociais e entronizou a responsabilidade fiscal como fundamento de governo. Isso, sim, é uma revolução de verdade.’



MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi

O Gandhi do Dormonid

‘- O Diogo está dormindo.

Quem me telefonou nas últimas semanas ouviu essa frase. Tenho dormido muito. Durmo antes do almoço. Durmo depois do almoço. Cochilo meia hora no fim da tarde. Durmo profundamente a noite toda.

A idéia é transcorrer os quatro anos do segundo mandato lulista na cama. A lógica é simples: uma hora a mais de sono significa uma hora a menos de Lula. Minha resposta particular ao petismo é a narcolepsia. No primeiro mandato, antagonizei o regime com um monte de palavras, um monte de artigos, um monte de denúncias. No segundo mandato, pretendo trocar o teclado do computador pelo pijama, o discurso inflamado pelo zunido do aparelho de ar refrigerado, os perdigotos coléricos pelo fiozinho de baba escorrendo delicadamente pelo canto da boca.

A partir de agora, meu lema é oposição REM. Os petistas roubaram? Sono neles! Os petistas compraram o Ceará? Apague a luz! Os petistas querem calar a imprensa? Cortina black-out! Os petistas entraram com mais um processo contra mim? Zzzzzzz! Ninguém me tira da cama. Ninguém me faz abrir os olhos. Quero hibernar até o fim do inverno petista. Sou o Zé Colméia do antilulismo.

O sono natural é o melhor de todos, o mais nobre, o mais elevado. Por maior que seja meu empenho, no entanto, nem sempre é possível obtê-lo. No ataque morfético contra o petismo, todas as armas devem ser admitidas. Vale o sono natural, mas vale também o sono induzido. O maior aliado do oposicionismo comatoso é um criado-mudo abarrotado de hipnóticos e de ansiolíticos. O que importa é o resultado. O que importa é conseguir dormir pelo maior número de horas, seja durante o dia, seja durante a noite, a despeito da zoeira lulista, da britadeira lulista, da sanfona lulista.

Grandes figuras do passado resistiram às arbitrariedades dos governos com um comportamento passivo. Escolheram enfrentar a violência com a não-violência. A agressão com a não-agressão. Meu novo modelo é esse. Durmo. Durmo o tempo inteiro. Durmo em todas as circunstâncias. Tornei-me o Mahatma Gandhi do Dormonid.

Nas últimas semanas, o Brasil revelou toda a sua desavergonhada vagabundice. Um depois do outro, os fatos mostraram como somos ordinários, como somos baratos, como somos atrasados. Os mensaleiros reeleitos. O acidente da Gol. Os perigos do tráfego aéreo. A paralisia dos aeroportos. O aumento do salário mínimo. O aumento do Judiciário. O aumento dos deputados e dos senadores. A barganha por cargos. Arlindo Chinaglia. Aldo Rebelo. Os atentados no Rio de Janeiro. A incapacidade de reagir contra os criminosos. Os mortos em enchentes. Os desastres ambientais.

Isso tudo dá sono. O terceiro-mundismo dá sono. O bananismo dá sono. Quando sinto sono, eu durmo. Pode telefonar para minha casa a qualquer hora do dia. Quem atender dirá:

– O Diogo está dormindo. E pediu para ser acordado só daqui a quatro anos.’



TECNOLOGIA & MÍDIA
Veja

A mágica e o mágico

‘As tecnologias refinadas, dizia Carl Sagan, funcionam como mágica. O iPhone, o telefone celular da Apple com acesso à internet e música de qualidade, é um exemplo. Passa-se o dedo levemente sobre a superfície da tela e as imagens deslizam na mesma direção como que impulsionadas por uma força invisível. Movam-se os dedos indicador e polegar como uma pinça que se abre sobre a tela e a imagem imediatamente é ampliada. O movimento contrário encolhe a imagem. Nenhuma peça se move. Nenhum botão ou interruptor suja a superfície lisa do aparelho. O que se enxerga do seu interior através da cobertura transparente são ícones feitos de luzes e cores. Cada um deles reage ao toque de uma maneira, produzindo os efeitos desejados do equipamento. A apresentação do iPhone na semana passada entroniza o americano Steve Jobs, de 51 anos, líder da Apple, como o Henry Ford do século XXI, o empreendedor que está criando não apenas as máquinas mais extraordinárias mas fazendo-o de modo que elas sejam acessíveis, se não às massas, a milhões de pessoas. Como Ford, Jobs não é uma usina de idéias julio-verdianas. Ele é um fazedor, um gestor com uma visão e com os meios de torná-la realidade, recrutando e mantendo a seu lado as pessoas certas – e, claro, no lugar certo, no tempo certo, com a remuneração certa… A idealização e a produção do iPhone geraram 200 novas patentes – mais que o dobro do que o Brasil registrou em todo o ano de 2005 nos Estados Unidos.

Chega a ser patético que, na semana em que o iPhone foi lançado, o Brasil rivalizava com o aparelho da Apple nas páginas de tecnologia dos jornais em todo o mundo. Nosso feito? Tentar tirar do ar o YouTube, um serviço de internet de alcance mundial que hospeda pequenos vídeos digitais colocados ali pelos próprios usuários. A idéia de um juiz brasileiro era impedir que fosse visto o vídeo em que uma modelo brasileira, Daniella Cicarelli, aparece em vias de fato com o namorado em uma praia da Espanha. O juiz mandou, com o perdão da expressão, cortar o mal pela raiz. Como não se conseguia impedir apenas a exibição do vídeo, a solução que ocorreu foi tirar do ar o site inteiro. O lançamento do iPhone e a tentativa de proibição do YouTube são símbolos de duas culturas, de dois ambientes antagônicos de negócios, de duas visões de mundo. Feliz o país cuja cultura, cujo ambiente de negócios e cuja visão de mundo produzem o iPhone e o YouTube. Pobre do país que proíbe o YouTube.

Nas páginas que se seguem, VEJA analisa justamente as condições que permitem, incentivam e até obrigam as empresas a lançar-se em uma corrida A Apple dá uma aula de inovação ao lançar um telefone celular com acesso à internet e música digital. A criação do iPhone produziu 200 novas patentes para a empresa. Isso é o dobro do que o Brasil registra em um ano pela melhor, menor e mais barata tecnologia. Quem ganha é o consumidor, que tem acesso a aparelhos que tornam a vida mais agradável, colorida, desfrutável, segura, produtiva e rica.

O editor Marcelo Marthe, enviado especial de VEJA ao Vale do Silício, esteve no coração do furacão criativo que se tornou o Google, mais conhecido pelo serviço de busca na internet. Diz Marthe: ‘O pressuposto do Google é que as boas idéias nascem e são enriquecidas de forma coletiva: alguém tem uma centelha criativa e os colegas se sentem estimulados a somar seus pontos de vista’. Isso é mais difícil de ocorrer, raciocina-se, em um ambiente formal no qual cada funcionário fica isolado em sua sala. Para promover uma maior integração, não há paredes nos ambientes do Google, as pessoas se sentam em grupos de quatro a cinco mesas coladas umas às outras. A inovação é objetivo constante, algo tão estratégico que a quarta pessoa na hierarquia do Google – depois dos fundadores e de seu presidente, Eric Schmidt – é a executiva cuja função é instigar e monitorar os processos criativos. Marissa Mayer, de 31 anos, foi a funcionária número 20 da companhia. ‘Quando contei a meus pais que pegaria meu diploma de Ph.D. em computação e me devotaria a uma empresa novata com um nome esquisito como Google, eles acharam que era uma piada’, diz ela. Muito do sucesso do Google pode ser creditado à obstinação de Marissa na busca de novas ferramentas e de soluções para os problemas que se apresentam aos engenheiros da empresa. Ela não raro conduz workshops criativos com mais de 100 funcionários. São eventos catárticos em que uma nova idéia é pregada num imenso painel e, em seguida, os participantes têm de cobri-lo rapidamente com anotações de sugestões para melhorá-la. Diz Marissa: ‘Todo dia ouço pelo menos meia dúzia de grandes idéias’.

Mas ter idéias boas é apenas o começo. Marthe, cuja reportagem começa na página 64, procurou entender também o que transforma uma idéia em um produto ou serviço de sucesso. Diz ele: ‘Como apontou o americano Richard Florida no livro The Rise of the Creative Class (A Ascensão da Classe Criativa), publicado no começo da década, a inovação é a fonte fundamental do progresso econômico’. ‘A habilidade de produzir novas idéias e reinventar a forma de fazer as coisas é, em última instância, o que gera produtividade e eleva nosso padrão de vida’, escreve ele. De acordo com Florida, no estágio atual do capitalismo a criatividade não surge só como um diferencial, mas como a própria razão de ser da economia. Se a transição da agricultura para a era industrial foi baseada em recursos naturais e na força de trabalho, a revolução agora em curso é potencialmente maior e mais poderosa. A atividade econômica passou a se basear na inteligência e na capacidade de inovar – e daí emergiu um novo perfil de trabalhador, a ‘classe criativa’ de que fala Florida. No começo do século XX, não mais que 10% dos americanos exerciam atividades criativas. Esse número cresceu dramaticamente nas duas últimas décadas. Hoje, um terço dos trabalhadores dos Estados Unidos tem funções que envolvem a criação de novas idéias. Nas empresas do Vale do Silício, a criatividade não é um atributo apenas dos departamentos de criação de produtos e serviços – ela permeia toda a cadeia produtiva. Mais de 60% dos funcionários estão em postos que requerem alto grau de criatividade.

* A peça de borracha vulcanizada de 2,5 centímetros de altura e 7,5 de diâmetro que serve de ‘bola’ no jogo de hóquei

O enviado de VEJA a Las Vegas, Ethevaldo Siqueira, é o mais experimentado e talentoso jornalista de tecnologia do Brasil. O show eletrônico de Las Vegas fez quarenta anos. Ethevaldo esteve presente a todas as edições da mostra, desde sua criação. Sua reportagem sobre a feira começa na página 60.

Aqui Ethevaldo reflete sobre o que separa os países que produzem o YouTube daqueles que proíbem o YouTube: ‘Do ponto de vista de recursos naturais, o Brasil tinha tudo para ser um país avançado em eletrônica, a começar pela maior reserva mundial de silício de alta qualidade, a matéria-prima dos componentes digitais. Seu imenso mercado interno também poderia dar base de sustentação a uma indústria competitiva e exportadora desde os anos 80’. Por que falhamos, então? As principais razões:

• Diferentemente do que ocorreu nas áreas de telecomunicações e aeronáutica, ao longo dos últimos quarenta anos o Brasil não teve projeto de longo prazo de desenvolvimento da eletrônica.

• O país afugentou investimentos durante os anos de vigência da política de reserva de mercado, que punia computador importado como se fosse droga.

• Ao longo dos anos 80 e no início dos 90, as políticas brasileiras para o setor acabaram expulsando as poucas indústrias existentes na área de microeletrônica, entre as quais a Icotron-Siemens, a Philco, a Texas e a Philips. Por mais absurdo que pudesse parecer, empresas estrangeiras eram impedidas de investir e produzir aqui.

• Falta de investimento em educação. Durante as duas décadas de vigência da reserva de mercado, o país não deu prioridade aos investimentos em educação e formação de recursos humanos de alto nível para pesquisa e produção industrial, como fizeram países emergentes a partir dos anos 70, por exemplo, Coréia do Sul, China, Malásia e Irlanda.

• Falta de investimento em pesquisa. Ainda nesse período de fechamento quase total do mercado, o Brasil não investiu o mínimo essencial em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

• Falta de infra-estrutura. Ao longo dos anos 80 e 90, uma das maiores barreiras ao desenvolvimento da indústria era a falta de infra-estrutura em setores como telecomunicações, energia, estradas e portos.

• Carga fiscal insuportável. Os custos tributários e fiscais da produção industrial brasileira têm sido um obstáculo intransponível para a instalação de indústrias de eletrônica no país.

O resultado de tantas medidas erradas é um déficit setorial de 8 bilhões de dólares por ano, causado, em especial, pela importação de componentes. Mas, como se verá na reportagem de Carlos Rydlewski, editor de tecnologia de VEJA, apesar de todos os desvios do passado, o Brasil produz celulares de ponta para uso interno e exportação. Isso gera 2 bilhões de dólares anuais de receitas para o país. Rydlewski narra também o impacto econômico e social da chegada do celular número 100 000 000 às mãos dos brasileiros.’

Carlos Rydlewski

100.000.000 de celulares

‘O celular é, antes de tudo, uma ferramenta para ganhar tempo. Agora, vai se transformar também num instrumento para passar o tempo. Em 2007, o aparelho vai incorporar cada vez mais serviços de vídeo e música. No Brasil, cujos telefones móveis atingiram a marca de 100 milhões em uso no ano passado, as principais operadoras já oferecem, por exemplo, filmes, clipes, acesso em tempo real a canais abertos de televisão, além de download integral de músicas. A investida das empresas brasileiras no campo do entretenimento segue uma tendência global. Ela começou há pouco mais de três anos, com a inclusão de recursos de fotografia nos telefones. Desde então, produziu resultados espetaculares. Em 2005, por exemplo, a Nokia transformou-se na maior fabricante mundial de câmeras digitais, após produzir 100 milhões de telefones com esse tipo de recurso. A marca finlandesa avança atualmente sobre a música digital. Em 2005, embutiu tocadores de MP3 em 40 milhões de celulares. No ano passado, dobrou essa cota.

O que realça o papel do celular como um minicentro de lazer é o fato de o aparelho ser a tela mais próxima do consumidor — está sempre à mão, precedendo a da TV ou a do computador. Isso coloca a tecnologia móvel na ponta da cadeia da indústria de entretenimento. Novelas, seriados, música, notícias têm sido produzidos com exclusividade ou, no mínimo, com versões compatíveis com as especificações técnicas dos telefones móveis. A TV digital, que também pode começar a operar no Brasil neste ano, já tem versão móvel no Japão, lançada em abril do ano passado. Em três meses, a venda de aparelhos compatíveis com esse sistema havia chegado à marca de 1 milhão de telefones naquele país. A consultoria IMS Research estima que a audiência internacional da TV digital no celular atingirá meio bilhão de espectadores em cinco anos. Os aparelhos já são também a maior plataforma de games do planeta.

No Brasil, as novidades do mundo do entretenimento chegam como uma possibilidade de receita adicional para as operadoras locais. As empresas de telefonia móvel vivem um paradoxo comum a mercados em rápida ascensão. Por um lado, o número de brasileiros com celulares aumenta de forma significativa. Avançou 16% em 2006. A projeção para 2007 é terminar o ano com um total de 115 milhões de linhas em uso, num crescimento de mais 15%. Mas as operadoras não conseguem sair do vermelho. Isso porque a necessidade de investimento — que inclui a infra-estrutura e, principalmente, o subsídio dos aparelhos vendidos ao consumidor — é maior do que a receita. Assim, o resultado operacional da companhia é bom, mas o lucro, quando aparece, pífio. Sendo pré-pagos oito em cada dez celulares, a renda que cada brasileiro proporciona é pequena, em comparação com o que ocorre em países desenvolvidos. Atinge 10 dólares, contra 40 dólares na Europa. ‘O grande desafio das operadoras é manter o avanço da telefonia móvel no Brasil, mas com rentabilidade’, diz Eduardo Tude, da consultoria Teleco.

Para as companhias, o problema é que, a médio prazo, a disputa por clientes deve ficar mais acirrada — algo que compromete a receita. Com 100 milhões de linhas, o Brasil é o sexto maior mercado de telefones móveis do mundo, de acordo com dados de 2005. Deve atingir o quinto posto, ultrapassando o Japão, quando os números relativos a 2006 forem formalmente atualizados pela Anatel. Mas existem no país 54 linhas para cada 100 habitantes. Numa comparação internacional, essa relação coloca o país no 92º lugar no ranking de penetração de mercado. É possível atingir setenta celulares para cada 100 pessoas, o mesmo nível de países como Chile e Argentina, em ritmo mais lento, mas, ainda assim, semelhante ao atual. A partir daí, os analistas acreditam que os consumidores só serão atraídos com subsídios à compra dos telefones a custos ainda mais altos do que os atuais. Ou, então, por meio de serviços mais atraentes. É nesse ponto que se encaixa a onda global de ofertas de música e vídeo nos celulares.

No Brasil, a difusão desse serviço em larga escala exigirá avanços na infra-estrutura, para que os dados possam circular de forma mais rápida. Numa rede convencional, o download de um arquivo de música pode demorar dezoito minutos. Esse tempo cai para apenas um minuto em redes mais avançadas em uso comercial, chamadas de terceira geração (3G). No país, menos de 1% dos aparelhos utiliza rede 3G.’

Marcelo Marthe

Inovar ou morrer

‘de Palo Alto, na Califórnia – Os moradores do Vale do Silício costumam dizer que o melhor termômetro da economia local é o trânsito. Seis anos atrás, a região que concentra a indústria da alta tecnologia nos Estados Unidos sentiu mais que qualquer outra os efeitos do estouro da bolha da internet – a quebradeira provocada pela valorização irreal das ações das empresas de alta tecnologia e informação. Em contrapartida, a crise fez o tráfego nas rodovias que ligam as cidades do Vale, distribuídas em uma faixa de cerca de 80 quilômetros ao sul da Baía de São Francisco, ficar uma maravilha. A situação hoje é inversa: os congestionamentos monstruosos indicam que a euforia econômica está de volta. ‘Nunca foi tão complicado andar de carro no Vale. Mas longe de mim reclamar disso’, diz Vinton Cerf, cientista pioneiro do desenvolvimento da internet e atualmente ‘evangelista-chefe’ do Google, uma das companhias-símbolo dos novos ares da região. O cargo de ‘evangelista’ é invenção do Vale do Silício. São tantas as boas idéias ali que não lhes basta ser boas – é preciso que mais e mais pessoas sejam convertidas à verdade que elas anunciam. É assim que se criam os padrões de internet como os protocolos de comunicação TCP/IP ou os codificadores de música como o MP3. Eles não são os melhores padrões. São apenas aqueles que converteram mais adeptos.

Nos anos 90, pequenos empreendimentos – muitos deles criados em garagens por estudantes universitários – tornaram-se negócios milionários da noite para o dia. Quando a bolha estourou, a ressaca foi brava: apenas uma em cada 4.000 empresas sobreviveu, metade dos empregos se extinguiu e os investimentos secaram. Do setor de internet, a crise se disseminou em cascata. Só recentemente o rumo do crescimento foi reencontrado: 2005 foi o primeiro desde o fim da bolha em que a geração de empregos superou o volume de demissões. Um novo ciclo de prosperidade está em curso.

Prédios da Oracle perto de San Francisco feitos na forma de unidades de armazenamento de dados em discos magnéticos. A Oracle foi pioneira da idéia correta de que a conexão, ou seja, a rede, é o que faz a diferença

O Vale do Silício é uma vitrine da economia americana – e sua volta por cima ajuda a entender por que o país é uma superpotência. O ‘expansionismo’ americano sempre se valeu de uma arma de impacto muito mais profundo: sua capacidade de gerar produtos e serviços que despertam novas necessidades de consumo nas pessoas, da Argentina ao Turcomenistão. Essa habilidade de antever tendências com potencial para gerar lucros é a mola propulsora do capitalismo. E é ela que impulsiona a pesquisa de ponta e o apetite pelo novo que colocam o Vale do Silício na vanguarda da economia mundial. Sempre que sua sobrevivência foi ameaçada, a região soube reinventar sua vocação por completo. ‘Um empreendedor terá poucas chances por aqui se não estiver atento aos rumos da história e não se perguntar o tempo todo: o que o mundo deseja dos talentos de minha companhia neste momento?’, diz Tom Kelley, criador da Ideo, uma das agências de design mais inovadoras do mundo – com sede, naturalmente, no Vale do Silício.

Essa sensibilidade não tem faltado às empresas da região. Ali funciona – mais precisamente no bucólico subúrbio de Cupertino – a Apple de Steve Jobs, o executivo que revolucionou a forma de vender e consumir música com sua loja virtual iTunes e o iPod, o tocador de MP3 mais cobiçado do planeta, e, desde a semana passada, o pai do iPhone. Jobs também é o cérebro por trás da Pixar, o estúdio que mudou o conceito de filme de animação com produções como Toy Story e cuja sede fica em Emeryville, bem perto de São Francisco. A meia hora dali, em Mountain View, está o quartel-general do Google, o serviço de busca com o qual o mundo se relaciona com a internet. A lista inclui ainda as dezenas de milhares de start-ups – microempresas que buscam um lugar ao sol dispondo de não mais que meia dúzia de funcionários e uma boa idéia. Até sua explosão, há coisa de um ano, o YouTube, o site que revolucionou a relação do mundo com o vídeo, gozava exatamente dessa condição. Ele foi fundado por Chad Hurley e Steve Chen, dois engenheiros com menos de 30 anos, numa garagem – como tantas empresas do Vale. E há muito mais na paisagem: de pesos-pesados da computação como a IBM e a Oracle às florescentes indústrias de bio e nanotecnologia. Embora sejam distintas no porte e no ramo de atividade, essas empresas comungam um traço cultural que parece estar no DNA do lugar: a busca incessante da inovação.

A Pixar, outra idéia de Steve Jobs, começou como um estúdio de efeitos especiais digitais. Aliada à Disney, a Pixar criou uma nova realidade em Hollywood: as novas estrelas são feitas pixel a pixel

O Vale do Silício não é o único lugar no mundo em que a inovação está na ordem do dia. A alta circulação de idéias também é o diferencial de outros centros tecnológicos nos Estados Unidos, como aquele que se formou no entorno da cidade texana de Austin. Na Europa, não é diferente – para ficar só no campo da telefonia celular, vale lembrar a finlandesa Nokia, que mudou o conceito desses aparelhos. Na China e na Índia, os dois gigantes emergentes da economia mundial, a criatividade também tem sido o motor do crescimento. Os empresários chineses avançam nos mercados de prestação de serviços e entretenimento na internet – área que oferece oportunidades ilimitadas num país com 1,3 bilhão de habitantes e cada vez mais plugado na rede. As empresas de tecnologia indianas, por sua vez, descobriram um negócio bilionário com a exportação de serviços terceirizados de programação e manutenção de redes de computadores em outros países. No Brasil, apesar de percalços como a burocracia e o peso da carga tributária, também não faltam empreendedores e companhias que fazem da capacidade de gerar novas idéias seu maior capital. Em nenhum outro lugar, contudo, se conseguiu até hoje reproduzir as condições que fizeram do Vale do Silício o que ele é.

A primeira dessas condições está em sua própria origem: a proximidade com o saber. No começo do século XX, as terras onde estão instaladas suas indústrias eram ocupadas por plantações de frutas, o que valia ao lugar o apelido de ‘Vale das Delícias do Coração’. Se há um responsável pela revolução por que passou sua economia, é o engenheiro e professor Frederick E. Terman (1900-1982). À frente da Universidade Stanford – cuja sede se localiza em Palo Alto, o epicentro do Vale -, ele lançou as bases do desenvolvimento da região: a associação entre a academia e os empreendedores privados. Terman investiu dinheiro do próprio bolso no negócio de dois alunos que daria origem à Hewlett-Packard. Estabeleceu também um sistema de cessão de terras da universidade para empresas. Além de Stanford, a região conta com outro centro de ensino de alto nível, a Universidade da Califórnia, em Berkeley.

A VIDA BOA DO GOOGLE

Marissa Mayer, pioneira do Google, e um funcionário de patinete no campus da companhia: ‘20% do tempo é livre e pode ser dedicado a projetos pessoais’

As universidades têm sido o celeiro de novas empresas. Jerry Yang e David Filo, os criadores do Yahoo!, saíram de Stanford. Assim como eles, Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do Google, deram seus passos iniciais no negócio quando ainda eram estudantes de computação naquela universidade. A dupla, aliás, não se cansa de dizer que o segredo que permite ao Google estar na crista da inovação é o exército de Ph.D.s. que compõem seu quadro de 10 000 funcionários. ‘Quando contratamos alguém, não queremos só os melhores: queremos os mais brilhantes’, diz Marissa Mayer, profissional que gerencia a área criativa do Google. Com tais condições ambientais, digamos, o Vale do Silício acaba atraindo cérebros brilhantes do mundo todo. O grosso da população da região é composto de engenheiros, programadores e cientistas. Nada menos do que 38% de seus habitantes são estrangeiros altamente qualificados, em geral provenientes da Índia e da China. O casamento estratégico entre indústria e centros de produção de conhecimento também vigora no Brasil, ainda que em escala infinitamente menor: não à toa, a região em torno da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, no interior paulista, tornou-se o principal pólo de inovação tecnológica do país.

A segunda condição ideal é a farta disponibilidade de capital para investimento em pesquisa de ponta e novos negócios. Até os anos 60, o Vale do Silício vivia dos recursos das Forças Armadas americanas, então as maiores clientes de suas empresas. A chegada em massa dos investidores privados, a partir dos anos 70, mudou esse cenário. Hoje, o aporte de capital nas empresas locais é bem menor do que no auge da bolha da internet – foram 20 bilhões de dólares em 2005, contra 120 bilhões em 2000, no auge da bonança. Mas isso ainda é uma enormidade: um quarto de todo o investimento de risco na economia americana. Há quem diga que Sand Hill Road, a via da pequena Menlo Park que concentra os escritórios de investimento da região, tem mais capitalistas de risco que todo o restante dos Estados Unidos. Na mesma rua, é possível trombar com figuras como Tom Kelley, o mago do design, circulando de bicicleta. Não muito longe dali, em Santana Row, misto de shopping e condomínio de luxo, podem-se observar os capitalistas de risco em seu habitat – além dos carrões e roupas de grifes badaladas, chama atenção a onipresença de laptops, palmtops, bluetooths e outros brinquedos eletrônicos de última geração. Embora os investidores tenham ficado bem mais realistas depois do estouro da bolha, um traço importante de sua cultura permanece inalterado: apostar em negócios que nem sempre acabam vingando é algo visto com naturalidade. Para encontrar uma nova empresa lucrativa, faz parte do jogo dar alguns tiros n’água – os que investem em empresas novatas que não passam ainda de promessas vagas de sucesso são conhecidos como ‘anjos’. A terceira condição é o ambiente de alta competitividade. A luta pela sobrevivência é, no fim das contas, aquilo que força as empresas a ser inovadoras.’



TELEVISÃO
Sérgio Martins

Roqueiro, empresário e pai

‘Em 2002, o metaleiro inglês Ozzy Osbourne foi protagonista do reality show Os Osbournes, em que enfrentava o dia-a-dia ao lado da mulher e dos filhos. Passados cinco anos, Gene Simmons, o linguarudo líder do Kiss (a mais célebre, longeva e bem-humorada das bandas de hard rock), dá sua versão sobre o cotidiano de um astro do rock em Gene Simmons – Uma Família Jóia, exibido pelo canal de TV paga A&E. A idéia já não é original, mas ainda rende. Pois, parafraseando o escritor russo Leon Tolstoi, pode-se dizer que famílias roqueiras são engraçadas cada uma a seu modo. A graça de Os Osbournes estava na maneira como a patroa linha-dura Sharon e os filhos enfezadinhos Jack e Kelly lidavam com Ozzy, um sujeito com o cérebro carcomido pelas drogas (a tal ponto que às vezes despencava da poltrona). O espectador de Os Osbournes ria ‘de’ Ozzy, enquanto o de Uma Família Jóia ri ‘com’ Gene Simmons. ‘Não casado’ há 23 anos com Shannon Tweed, uma ex-coelhinha da Playboy e ex-protagonista de filmes eróticos, e pai dos adolescente Nick e Sophie, Simmons nunca bebeu ou usou drogas – e tem uma língua afiada.

No palco, Gene Simmons engole fogo e cospe sangue. Em casa, ele é um pai superprotetor, que exige boas notas dos filhos na escola e pede a eles que fiquem longe das drogas. O paradoxo foi explorado pela primeira vez em 2003, com o desenho Meu Pai É um Roqueiro. Rock Zilla, a versão cartoon do líder do Kiss, é um astro do heavy metal que tem um filho nerd. O desenho, porém, não chega perto da versão em carne e osso da família de Simmons. No piloto da série, o cantor é enganado pela mulher e pelos filhos, que contratam um rabino fajuto que tenta convencê-lo a se casar. No episódio seguinte, ele cede à pressão de uma fã e serve de testemunha no casamento dela. Simmons atrapalha a cerimônia para aconselhar o noivo. ‘Se você casar, terá de dormir ao lado dela a vida inteira. É isso que quer?’ O casamento, como se vê, é a suposta besta negra de Simmons (que sustenta a versão de já ter dormido com mais de 4.000 moças, entre elas as cantoras Cher e Diana Ross).

Nascido em Haifa, Israel, com o nome de Chaim Witz, Gene Simmons transformou o rock numa profissão lucrativa. Migrou para os Estados Unidos quando tinha 9 anos (hoje tem 57) e anos mais tarde deparou com uma apresentação dos Beatles num show de televisão. ‘Quando eu vi aquele monte de meninas berrando ‘Por favor, façam o que quiserem comigo!’, pensei que ser roqueiro fosse um emprego e tanto’, diz. Em 1973, Simmons formou o Kiss, quarteto em que os integrantes se apresentam mascarados, fazem números de mágica e pirotecnia e vez por outra tocam música. O Kiss está na ativa até hoje. Nem os problemas de saúde do guitarrista e cantor Paul Stanley, que cancelou o resto de uma turnê do quarteto para operar os quadris (excesso de rebolado no palco, justificou sua assessoria), deram fim a essa máquina de fazer dinheiro. A banda vendeu 80 milhões de cópias de seus 36 discos e fatura alto com licenciamento de produtos. Os cacarecos vão de pôsteres e camisetas a caixões, camisinhas e uma escova de dentes que toca o sucesso Rock N’ Roll All Nite. Em junho passado, Simmons abriu a Kiss Coffee House, onde vende bebidas como ‘rockuccino’ e ‘rockiato’.

Rock Zilla, herói do desenho Meu Pai É um Roqueiro: inconformado com o filho nerd

Gene Simmons criou, juntamente com o Kiss, um ‘manual de comportamento’ do metaleiro. Uma das regras: nunca dê sinais de ser um sujeito inteligente. ‘Gene acredita que os fãs o achariam um esnobe’, entrega C.K. Lendt, ex-empresário da banda. Simmons é inteligente – ou pelo menos esperto. Sua fortuna pessoal está avaliada em 250 milhões de dólares e seus empreendimentos não se resumem ao rock. Ele atua no ramo imobiliário e tem produtoras de cinema nos Estados Unidos e na Índia. Simmons também possui uma produtora de televisão, pela qual lançou Meu Pai É Um Roqueiro (mais tarde incorporado à programação do Cartoon Network). Detratores de Simmons jogam suspeitas sobre o seu tino comercial. ‘Gene tem ótimas idéias, mas não lhes dá continuidade. Suas empreitadas mínguam por falta de interesse do público’, espeta C.K. Lendt. No caso de Uma Família Jóia, o cantor parece ter acertado o foco. O seriado já tem vinte episódios engatilhados para uma segunda temporada.’

Marcelo Marthe

Novela mal-assombrada

‘Na semana passada, a novela Páginas da Vida teve uma cena digna de filme trash de terror. Tendo ao fundo o uivo do vento e uma musiquinha dissonante, coisas muito estranhas aconteceram na casa da médica Helena (Regina Duarte). As janelas começaram a bater. Objetos caíram ao chão. As chamas do fogão se acenderam subitamente. O relógio girou de forma enlouquecida. Um guardanapo pegou fogo sozinho. Enquanto isso, um vulto corria pelos aposentos. A imagem de Helena com os olhos arregalados completava o quadro de horror. Era, enfim, mais uma manifestação do fantasma de Nanda (Fernanda Vasconcellos), a mãe dos gêmeos que estão no centro da trama das 8 da Globo. Ela fez isso para impedir que a megera Marta (Lilia Cabral) descobrisse que sua filha Clara foi adotada por Helena. A seqüência não causaria espanto num folhetim de Walcyr Carrasco ou Glória Perez, para citar dois noveleiros cuja imaginação costuma não ter limites. Mas assinala uma novidade no estilo de Manoel Carlos. O autor de Páginas da Vida sempre foi tido como o mais realista dentre seus pares. Seus dois folhetins anteriores já tinham alguma pitada de sobrenatural, é verdade. Só que nem de longe de forma tão escancarada. Com o show de assombração na casa de Helena, ele abraçou o fantástico de vez. ‘Faço novela para todo mundo, inclusive os que acreditam na comunicação entre vivos e mortos’, diz.

O estudioso das telenovelas Mauro Alencar, doutor pela Universidade de São Paulo, diz que os espectros rondam a televisão brasileira há mais de quarenta anos. ‘Os fantasmas povoam os folhetins desde 1966, quando Suzana Vieira encarnou um deles em A Pequena Karen, na TV Excelsior’, afirma Alencar. Conhecida por suas tramas espíritas, Ivani Ribeiro explorou esse tipo de personagem em obras como O Profeta (1977) – que atualmente ganha nova versão no horário das 6 da Globo. Ao justificar as primeiras aparições de Nanda depois de morta em Páginas da Vida, o noveleiro Manoel Carlos se referiu a ela como uma espécie de consciência dos personagens. Ela seria uma força pairando acima de mocinhos e vilões e interferindo nos rumos da ação. Mas ela logo se revelou um espírito em sua representação mais cabal. O vestido branco e os cabelos de Nanda emulam o visual da fantasma do filme japonês O Chamado. Ela já surgiu no espelho diante de Marta com uma expressão que faria inveja a Chucky, o brinquedo assassino. E também assustou a megera ao se jogar na frente de seu carro.

Quando Nanda morreu no parto, no começo da história, Fernanda Vasconcellos achou que sua participação na novela estava encerrada. Quando, convertida em ectoplasma, a personagem voltou a aparecer de relance em algumas cenas, a produção da Globo nem se dava ao trabalho de chamar a atriz para todas as gravações – o serviço cabia a uma dublê. Mas isso mudou com o destaque crescente. ‘Fiquei com ciúme. Agora quero gravar eu mesma’, brinca a atriz. Na semana passada, contudo, sua dublê-fantasma voltou à ativa. Fernanda estava de cama com uma virose. A carne é fraca.’

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O Estado de S. Paulo – 1

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