Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Violência nos protestos contra desenhos de Maomé

Os protestos dos muçulmanos contra a divulgação das charges do profeta Maomé, primeiramente publicadas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten e depois por outors jornais europeus, estão tomando proporções cada vez mais violentas. No sábado (4/2), as embaixadas da Noruega e da Dinamarca na Síria foram incendiadas e, no domingo (5/2), manifestantes iniciaram uma passeata no centro de Beirute que terminou com um incêndio na embaixada dinamarquesa. Testemunhas afirmaram ter visto pessoas pulando das janelas para escapar do fogo.

De acordo com a Reuters, uma pessoa morreu durante a manifestação. O conflito só foi controlado duas horas depois. O ministro do Exterior da Dinamarca pediu aos dinamarqueses para deixarem o Líbano o mais rápido possível. ‘Eu não acredito que ninguém poderia imaginar o cenário que nós vimos’, afirmou Thomas May, cônsul-geral da Dinamarca em Dubai.

Os muçulmanos também atacaram com pedras uma igreja perto da embaixada em Beirute. Líderes religiosos do Líbano condenaram os ataques. O mufti da república libanesa, o xeque Mohammed Rachid Kabbani, afirmou que havia pessoas infiltradas nos conflitos para tentar ‘prejudicar a estabilidade no Líbano’. O primeiro-ministro Fuad Saniora pediu calma à população, declarando que ‘esta não é absolutamente a maneira de expressar nossas opiniões’.

A onda de violência na parte predominantemente cristã da cidade trouxe, junto com o incêndio, o medo de que os conflitos no Líbano voltem a ser aprofundados – um ano depois do assassinato do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, crime que deu início a crises políticas na Síria e no Líbano. De acordo com o Ministério do Interior do Líbano, 21 membros das forças de segurança ficaram feridos e uma fonte do serviço de segurança do Estado, que não quis se identificar, informou que 174 pessoas foram presas e que a maioria delas não era libanesa.

Na segunda-feira (6/2), houve protestos em diversas partes do Afeganistão contra as charges e, de acordo com a BBC, quatro pessoas foram mortas e duas ficaram feridas em um tiroteio. Centenas de protestantes ligados ao Talibã e ao grupo terrorista al-Qaeda invadiram as ruas de Mehtarlam, capital da província do Laghman, e a polícia atirou para o alto depois que manifestantes jogaram pedras em uma estação policial.

No Irã, o presidente pediu ao ministro do Comércio que considerasse cancelar acordos comerciais com países europeus que tiveram os cartuns publicados pela imprensa. Nos jornais da Arábia Saudita, foi grande o número de anúncios de empresas declarando o boicote comercial a produtos dinamarqueses.

Na Jordânia, dois jornalistas – Hashem al-Khalidi, editor do al-Mehwar, e Jihad Momani, ex-editor do Shihane, demitido após a publicação dos desenhos – foram presos depois de terem divulgado as polêmicas charges, no sábado (4/2). A organização Repórteres Sem Fronteiras pediu a soltura imediata de Momani. ‘Primeiro o parlamento da Jordânia pediu que os cartunistas fossem punidos. Agora as autoridades judiciais estão se envolvendo e um jornalista já foi preso’, reclamou a RSF.

Europa dividida

Em Londres, 700 muçulmanos protestaram por dois dias em frente à embaixada dinamarquesa, muitos segurando cartazes exaltando os ataques terroristas nos EUA e no Reino Unido. O secretário do Exterior do Reino Unido, Jack Straw, que havia anteriormente criticado os jornais por terem republicado os desenhos, condenou a violência dos manifestantes. A polícia londrina informou que pretende prender os suspeitos de começarem os protestos – incluindo membros do Hizb ut-Tahrir, uma das organizações radicais proibidas em diversos países europeus, e Anjem Choudary, ex-dirigente de outro grupo radical e aliado ao clérigo radical muçulmano Omar Bakri Mohammed. ‘Não acho que os jornalistas dinamarqueses e outros que os seguiram vão ser capazes de viver em paz de agora em diante. O que aconteceu com [o escritor] Salman Rushdie vai acontecer com estes jornalistas’, alertou Choudary.

O editor do Le Monde Eric Fottorino afirmou que depois de muitos dias de ponderação sobre as conseqüências da publicação dos desenhos, o jornal decidiu reproduzi-los. ‘Em nossa opinião, agora os desenhos tornaram-se documentos relevantes e nossos leitores precisam vê-los. O nosso jornal é vendido no exterior, temos mais repórteres em outros países do que qualquer outro jornal francês e tínhamos que discutir se íamos divulgar as charges ou não’, disse ele. No alemão Die Welt não houve debate. ‘Não foi uma decisão difícil, e já publicamos os cartuns por três vezes. Podemos não gostar deles, mas vamos defender o direito de qualquer um publicá-los’, disse o editor-chefe, Roger Koeppel.

Já outros editores – principalmente no Reino Unido – pensam o contrário: eles têm de exercer o direito de não publicá-los. Quase todos os jornais do Reino Unido decidiram por não publicar as caricaturas. ‘Isto não é sobre intimidação. É um debate complexo sobre informar os leitores e ofender pessoas sem necessidade’, afirmou Robert Thomson, editor do The Times, de Londres, que optou por não reproduzir as charges e ofereceu apenas um link em sua versão online para outros sítios que haviam publicado. O Daily Mail condenou os editores que decidiram divulgar os desenhos.

Jornais americanos criticam charges

Nos EUA, o Philadelphia Inquirer foi um dos poucos jornais a publicar os cartuns. A maior parte deles tratou do assunto, mas optou por não reproduzir as charges por considerá-las ofensivas. O Inquirer reclamou que a Associated Press deveria ao menos distribuir as imagens para que seus associados pudessem optar por publicá-las ou não e decidiu divulgá-las no sábado (4/2). ‘Temos a política de não distribuir material considerado ofensivo’, rebateu Kathleen Carroll, editora-executiva da AP. Com informações de Joe Strupp [Editor & Publisher, 3/2/06], Repórteres Sem Fronteiras [3 e 4/2/06], Thomas Crampton [International Herald Tribune, 5/2/06], AFP [5/2/06], Katherine Zoepf e Hassan Fattah [New York Times, 5/2 e 6/2/06], Jamie Doward, Mark Townsend, Bartle Bull e Gaby Hinsliff [The Observer, 5/2/06] e Reuters [6/2/06].