Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Barrigada do UOL

Uma matéria indignatória, como diriam os bolobolenses, me angustiou o fim de noite. No portal UOL, “Beijo gay sai na Argentina”, ao som do Caetano, uma nota de Flávio Ricco em 04/09/2013 se refere ao primeiro beijo gay na TV argentina. Não posso crer que um portal deste porte e um jornalista renomado possam dar tamanha barrigada.

Que o tal beijo gay ficará para depois de 2020, na teledramaturgia brasileira é fato. Mas não admitir, ou saber que o vizinho, já está na sua 2ª edição, apenas falando de horário nobre e 3ª edição. Considerando, o beijo acidental ocorrido em Los Exitosos Pells, quando o protagonista Martin entra em coma e seu irmão hétero assume sua personalidade. Sem conhecer seu irmão, pois foram separados bebês, por este fato desconhecia que ele mantinha um casamento de fachada, com sua companheira de telejornal. Durante parte da novela ele evitou beijar seu marido, se apaixonou pela mulher de fachada do irmão… Mas em um momento… zaz… Seu marido, filho do dono do canal, lhe faz ameaças de deflagrar ao público do maior telejornal do país sua homossexualidade, e o beija. Tecnicamente esse foi um beijo entre dois atores e não um beijo homoafectivo. Mas… E no Brasil?

Reproduzo abaixo meu artigo de 2010 onde falei sobre o primeiro e real, beijo homossexual na TV argentina. No artigo de 23/08/2010 – “Beijo, política e sociedade”, divulgado em vários portais à época.

Beijo, política e sociedade

Um jogador de futebol de fama internacional, porte de modelo, casado, com dois filhos. Um exemplo para a sociedade. Outro, também jogador, só que recém iniciando a carreira. Este, uma promessa para o futuro no mundo futebolístico, mas muito intempestivo e ambicioso.

O que teriam em comum estes dois perfis além de jogarem no mesmo time? Sua sexualidade. Eis então que esta trama secundária em seus princípio começaria a despertar polêmicas. Afinal o futebol é o estandarte da virilidade, masculinidade, etc. Nas escolas, nas vilas, na TV, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê o futebol é sinônimo de heterossexualidade.

A arte imita a vida, ou, a vida imita a arte?

Não podemos dizer que a teledramaturgia finja que homossexuais não existem. Apenas destina a eles o “seu devido lugar”. Cabeleireiros, estilistas, artistas… Uma mistura de preconceito sexual, com desvalorização profissional. Ingredientes perfeitos para acomodar a massa conservadora que é o público brasileiro. Ou claro, podemos ter um afeminado, que subliminarmente seria o passivo, corrompendo o pseudo hetero que seria o ativo da suposta relação. Esta que obviamente ficará fadada a imaginação dos telespctadores, pois o grande tabu ainda não será quebrado. Ao menos não explicitado perante as “lentes da verdade”, como diria o genial Clodovil.

Pensemos, só para não falar do fenômeno, seria um fenômeno que não existissem homossexuais no mundo do esporte. Desrespeitariamos o senso do IBGE, que afirma que 12,8% da população brasileira em 2009 é homossexual. E nisso não consideramos a grande parcela, provavelmente maior que esta, que não admitiria a um censor sua sexualidade.

Regressando a dramaturgia. Na Argentina, a emissora TELEFE exibiu uma cena de beijo gay na novela Botineras. E a repercussão fora tal que a trama dos dois jogadores de futebol que se apaixonaram, e no decorrer da trama chegaram a muito mais que um mero beijo. E estão todas as cenas disponíveis em seqüência no Youtube, buscando por Manuel & Lalo “Botineras” parte 13.

“A trama polêmica”

Com ingredientes de trama policial “Botineras” ( em tradução literal marias-chuteira) exibiu o beijo gay que causou “frisson” entre o público argentinos. E o casal não foi morto em uma explosão de shopping, e tem garantida presença no episódio final da trama veiculado no dia 24 de Agosto de 2010. O núcleo Lalo e Flaco ganha os olhos da mídia e público quando o experiente jogador Manuel “Flaco” Rivero (Cristian Sancho) quis demonstrar que se importa com seu colega de clube (Ezequiel Castaño), pelo quão nos capítulos seguintes notaria estar perdidamente apaixonado.

Castaño e Sancho, atores heteros e famosos, tornaram-se figuras constantes nas capas de revistas e nos programas da tarde na televisão. Desde o início do romance entre os jogadores, a audiência de “Botineras” cresce, conforme medição dada pelo Ibope argentino. O interesse do público com o folhetim, que tem apenas dois capítulos gravados de frente em relação ao que está no ar, fez com que a produção da novela aumentasse o número de cenas de amor entre Lalo e “Flaco”. A primeira cena de sexo homoafetivo do continente na televisão aberta começou com um desnudando o outro e terminou com a câmera captando do alto a imagem deles nus, abraçados na cama, em “conchinha”.

Os atores da trama tem feito declarações em que mostram naturalidade com a repercussão e execução do trabalho que desempenham como os jogadores homossexuais. “Parti do princípio de que um gay é um homem. Evitei amaneiramentos. Se caíssemos no clichê, a história de amor não seria vista com respeito”, diz Sancho, que também é modelo de campanhas de roupa íntima. Castaño, rosto conhecido na TV argentina há 15 anos, quando estreou em “Chiquititas”, declarou: “Com Lalo, tenho a oportunidade de mostrar muito do que aprendi como ator ao longo desse tempo.”

Lá e cá

Como de costume no país vizinho a novela é uma coprodução. O que me parece fazer com que as tramas tenham mais liberdade na abordagem de temas polêmicos. Pois aqui temos além do assassinato das lésbicas bem sucedidas de Torre de Babel, o beijo gravado e cortado de América e o caso mais recente na novela poder paralelo. Onde as atrizes Paloma Duarte e Adriana Garambone se preparavam para gravar as cenas do envolvimento entre as suas personagens, Fernanda e Maura, na Record, segundo informou o Jornal da Tarde na época.

Paloma chegou a ter sérios atritos com a cúpula da emissora por declarações feitas a mídia. “A gente começou a gravar, mas duvido que tudo vá ao ar”, declarou. Segundo a atriz, a trama de Lauro César Muniz teve vários cortes. “A gente caiu numa censura desmedida. A gente grava, grava e grava e muita coisa não vai para o ar. A equipe não gosta muito de falar desse assunto, mas essa é a realidade”.

Botineras é uma novela produzida  em parceria pela Underground Contenidos y Telefe Contenidos, associadas a Endemol Argentina. A trama policial escrita inicialmente por Esther Feldman y Alejandro Maci e idealizada por Sebastián Ortega, que tem no currículo os sucessos La Lola e Los exitosos Pells que foram protagonizados por Carla Peterson.

O beijo politizado

Em particular chamou minha atenção. Assinada por Dayanne Sousa do portal Terra a matéria: Diretor de beijo gay: “Não quero trabalhar na Globo”, que fala sobre a cena de beijo entre dois homens na propaganda eleitoral do PSOL em São Paulo, tem umas pitadas saborosas.

Primeiro dizendo que o diretor de filmes Pedro Ekman se mostra surpreso com o sucesso do vídeo. Ele aproveita para atacar a programação da TV aberta, que chama de “retrógrada”. E logo tras a declaração provocadora do mesmo – O que choca é que você não está acostumado a ver isso na TV. Na rua, você até vê mais. O choque é pelo conservadorismo da TV. A sociedade aceita muito mais esse fato do que o que está refletido nos meios de comunicação.

Eeeeeeeepaaaaa!!! Diria Vera Verão se estivesse viva. Ekman não é publicitário, marqueteiro e nem costuma fazer campanha. É formado em arquitetura, mas começou a trabalhar com vídeo. Filiado ao PSOL, ajudou com o filme do candidato ao governo de São Paulo, Paulo Bufalo, “até porque não tem muito dinheiro”. – explicou.

Em nota ao jornal Folha de S.Paulo, a Rede Globo respondeu a crítica da imprensa de que o horário político foi mais ousado que as novelas de TV. Afirmou em resposta a poderosa: “Não achamos que nossas novelas da categoria entretenimento são os veículos adequados para tratar de questões sociais.” A resposta é engraçada, porque quando convém, ela diz que a novela serve para fazer “merchandising social”. Quando não convém, porém, ela fala que não serve para isso. É a velha e boa resposta de conveniência – alfinetou Ekman.

Por hora o tal beijo entre pares do mesmo sexo ficará restrito aos horários políticos e internet. Mas quem sabe o SBT volte a fazer uma coprodução com a Telefe e nos surpreenda com “Maria Chuteiras”. E quem sabe Ronaldinho faz uma ponta, já quem tem relações comerciais com o grupo Sílvio Santos. Pra quem não lembra, Chiquititas de mesma origem e canal foi um sucesso e tem atualmente todos seus atores trabalhando na poderosa. Ou a Band, que exibe Quase Anjos (dublada), CQC e A Liga: todas produções argentinas dessa mesma produtora, e exiba em versão dublada a inovadora Botineras. Ou o SBT reprise a série da extinta Manchete, como fez com algumas produções. Mãe de Santo, na emissora carioca é por muitos considera o único beijo gay da TV brasileira.

******

Fernando Schweitzer é ator não-global, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista, Florianópolis, SC