Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O debate e a perplexidade

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que vos assemelhais a sepulcros branqueados, que por fora parecem belos aos olhos dos homens, mas que, por dentro, estão cheios de toda espécie de podridões. Assim, pelo exterior, pareceis justos aos olhos dos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e iniquidades.”(São Mateus, 23:27-28)

“Como dizes: Rico sou e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu.” (Apocalipse 3:17)

Logo após as manifestações de junho houve debates acalorados nas mais variadas direções. Ao menos numa elas convergiram: a perplexidade. Não escapei a isso. Ainda me pergunto: o que houve?

Creio que o elemento mais instigante nestas manifestações foi o seu ineditismo, considerando a história recente do país. Tivemos manifestações sempre com bandeiras definidas e atores. Contra a ditadura a partir do golpe de 1964 até as “diretas já”. Paralelamente havia intensas movimentações dos operários urbanos, sobretudo, no ABC paulista, lideradas pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Disso resultou a criação de uma das maiores centrais sindicais do mundo, a CUT, e o surgimento do Partido dos Trabalhadores que reuniu na sua criação não apenas operários como importantes intelectuais, jornalistas, escritores artistas etc. E, foi exatamente estas duas forças, CUT e PT, que mobilizaram por mais de duas décadas grande parte de manifestações e protestos no país. Teve também o MST que embora distinto, foi um movimento que se aproximou e em determinados momentos confundiu-se com as forças acima citadas. Representaram praticamente todas as bandeiras por justiça social como moradia, melhorias salariais, emprego, combate à fome, miséria desigualdade social, saúde, educação, reforma agrária etc.

Nisso reside o caráter em certa medida inédito das manifestações de junho. Não houve líderes nem bandeiras. O Movimento Passe Livre foi o pontapé inicial por assim dizer, tinha uma pauta específica e de repente as ruas do país foram tomadas por grupos e reivindicações heterogêneas e, acima de tudo, legítimas. Hoje se discute muito o porquê que as manifestações terminaram, ou, numa hipótese mais plausível, pausaram. Há inúmeros palpites. O que mais ganhou força foi o da violência em geral e dos blac blocs em particular. Penso ser demasiadamente apressado. Não que concorde com a violência, de modo algum. Devemos ser cuidadosos, pois, há em nossa imprensa e nos meios acadêmicos tendência ao julgamento, juízos de valores em detrimento à análise. Sou profundamente influenciado pela tradição weberiana segundo a qual no caso específico dos fenômenos sociais o que cabe é a compreensão e não a explicação. Esta última pertence aos domínios das ciências naturais, do mundo físico. Em outras palavras. É possível explicar as leis da natureza, porque chove como funcionam os organismos, o mundo animal, a divisão do átomo etc. Em se tratando da vida em sociedade composta por pessoas que, individualmente, possuem um universo complexo e repleto de subjetividade, que amam, odeiam enfim, sentem, é mais fecundo a compreensão e a partir desta, apontar possíveis caminhos e soluções.

Oesclarecimento para confundir

Durante e depois das manifestações, um autor e um livro específicos me vieram à cabeça. Trata-se deJosé Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, que li na minha juventude. Comecei a ler o livro e senti muita raiva. Parecia um elitista metido e rancoroso. Mas havia um detalhe: não conseguia parar de ler. O tempo todo me sentiaprovocado e desafiado. Muita coisa não entendia, mas procurava saber, só para poder discordar do autor e xingá-lo com algum fundamento. Aos poucos fui deparando com um autor fundamental na minha formação. Percebi que a maneira irônica e provocativa não era pela ironia e provocação, mas a incrível capacidade do autor levar a uma reflexão. Já no início na apresentação sobre a leitura do seu livro afirma:“Importa-me, entretanto, que não entre na sua leitura com ilusões injustificadas”.O que num primeiro momento parecia empáfia, ao fazer questão de demonstrar total despreocupação se o leitor estava concordando ou não com ele, se estava gostando ou não era um estímulo para que o leitor buscasse, criasse, inventasse suas próprias conclusões. Um convite ao desenvolvimento de um pensamento fundamentado e original.

Antes de prosseguir quero assinalar que este artigo não é uma análise nem tampouco uma defesa desta obra de José Ortega y Gasset, que é polêmica, deve ser contextualizada. Escreveu este livro num momento profundamente caótico da Europa. Período entre guerras, com ascensão do nazismo e fascismo e pouco antes da Guerra Civil Espanhola que o obrigou a sair de sua terra natal. Há nesta obra instrumentos valiosos que auxiliam a compreendermos um pouco nosso país. Como disse, não é por posturas ou posições ideológicas, muito menos receitas, mas para pensarmos, refletirmos e como ele diz, citando Dante: “É preciso encontrar a saída”. E também pelo fato do autor ser criado numa família de jornalistas e o livro, um conjunto de artigos publicados num jornal de Madri.

O autor começa a defender algo e a seguir abandona. É mesmo um exercício de grande paciência. Ele chega a defender o liberalismo, mas ao mesmo tempo afirma: “Com estranha facilidade todo o mundo se colocou de acordo para combater e injuriar o velho liberalismo. A coisa é suspeita. Porque as pessoas não costumam pôr-se de acordo a não ser em coisas um pouco velhacas ou um pouco tolas. Não pretendo que o velho liberalismo seja uma ideia plenamente razoável: como pode ser se é velho e se é ismo!”

No fundo ele acreditava no liberalismo, mas especificamente na democracia liberal, mas não tem a pretensão de querer doutrinar ninguém. E é este exercício de crítica e reflexão desapaixonadas que nos convida e que mais interessa e, penso nos faz falta. Estava bem à frente do seu tempo. Já naquela época defendia o que mais de 50 anos depois veio a ser a União Europeia. Alertava para a extrema importância e responsabilidade que dos intelectuais para que as diversas sociedades encontrem saídas para seus mais variados dramas. Enfatiza ainda a distinção do intelectual para o político. Enquanto o primeiro tem por compromisso esclarecer o outro tem por objetivo confundir. Mas vejam não se trata de um juízo de valor. Ao afirmar que o político busca confundir não se deve ter apenas conclusões negativas. Sim há políticos de todo jeito, contudo, é da essência do jogo político desconversar, tergiversar, etc., por isso mesmo é necessário que o intelectual saiba seus limites de atuação. Destarte – antecipando o que logo detalharei – um dos principais sinais da profunda crise de valores em que estamos tem a ver com isso, os intelectuais abdicarem do esclarecimento para confundir as pessoas – em vez do esclarecer defendem, de fato, interesses em sua grande maioria político-partidários.

Massa é todo aquele que não se valoriza a si mesmo

Por falar nisso, uma das passagens que mais me impressionaram sobre questões políticas e ideológicas foi esta: “Nem este volume nem eu somos políticos. O assunto de que aqui se fala é prévio à política e pertence a seu subsolo. Meu trabalho é obscuro labor subterrâneo de mineiro. A missão do chamado ‘intelectual’ é, em certo modo, oposta à do político. A obra intelectual aspira, com frequência baldada, a esclarecer um pouco as coisas, enquanto a do político sói, pelo contrário, consistir em confundi-las mais do que estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil: ambas, com efeito, são formas da hemiplegia moral” (…) Grifo meu.

Interessante ao observarmos que esta passagem tem mais de 70 anos. Aliás, tenho muita dificuldade em aceitar como ainda há quem considere esta pseudo-polarização direita-esquerda, válida. É de uma preguiça. Se considerarmos o atual panorama político-partidário do Brasil concluímos que esta polarização estimulada por muitos jornalistas e intelectuais caminha no sentido literal de confundir as pessoas em prol de interesses particulares e indecentes.

Foi na década dos anos de 1930 que a literatura sobre “massa” começou a ser produzida com abundância. Mais tarde as ciências sociais, principalmente a antropologia, começaram a relativizar. Todavia, ainda é um conceito válido. Inclusive o grande mestre Milton Santos numa de suas últimas obras, chega a distinguir “cultura de massa” no sentido estéril e vulgar de “cultura popular” com denotação de algo fecundo, rico e promissor. Ortega y Gasset dedica boa parte da obra para definir o que ele chama de “homem massa”. É importante salientar que este “homem massa” não se refere especificamente a uma classe social, como a “massa operária”, por exemplo, mas ao que denomina “homem médio”. Por mais que o livro tenha espaço e tempo definidos, Europa Ocidental, primeira metade do século 20, é incrível como notamos este tipo de pessoa em nosso cotidiano. Vejamos: “Massa é todo aquele que não se valoriza a si mesmo – no bem ou no mal – por razões especiais, mas que se sente ‘como todo o mundo’, e, entretanto, não se angustia, sente-se à vontade ao sentir-se idêntico aos demais.” (…)

O “desencantamento do mundo”

Mais adiante, diz: “Hoje, pelo contrário, o homem médio tem as ‘ideias’ mais taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Para que ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir, mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo suas ‘opiniões’.”

E ainda: “Sob as espécies de sindicalismo e fascismo aparece pela primeira vez na Europa um tipo de homem que não quer dar razões nem quer ter razão, mas que, simplesmente, se mostra resolvido a impor suas opiniões. Eis aqui o novo: o direito a não ter razão, a razão da sem-razão.”

A propósito, afirmações como essas que me indignaram nas primeiras leituras. Temos no mínimo duas situações. A de uma crítica pertinente e outra – que inicialmente eu estava mais inclinado- de um viés elitista que desconsidera as especificidades do chamado “povão”. O problema é quando o autor desvincula o conceito de classe social. Afirma inclusive que um homem humilde pode não ser considerado “massa”. Com o tempo abandonei minha inclinação ao “viés elitista” e procurei deixar de querer classificar para compreender. As duas situações são cabíveis e pertinentes. E agora sim, chego ao ponto crucial deste artigo.

Embora muitas vezes não pareça, multidão, grandes aglomerações urbanas são fenômenos muito recentes na história da humanidade. Seu auge data de meados do século 18 quando ocorreu a Revolução Industrial. Este tipo de aglomeração que levou o poeta Charles Baudelaire a denominar esta época como “modernidade”. É deste período também o surgimento de ciências como a sociologia, antropologia etc. O motivo era o grau de complexidade que as sociedades humanas atingiram. Eram necessários tipos de conhecimentos mais específicos, disciplinas autônomas que dessem conta desta complexidade e, acima de tudo com estatuto e metodologia próprias, numa palavra: ciências. Como afirmou o historiador Eric Hobsbawn, a Revolução Industrial revolucionou muito mais a sociedade do que as técnicas. A palavra, o conceito é a complexidade. Como salientou Max Weber este foi o período de “desencantamento do mundo”, ou seja, havia uma “explicação” para fenômenos e acontecimentos. A criança não era trazida pela cegonha, nem uma sementinha, mas, um óvulo fecundado por um espermatozoide, o trovão não era por que Deus estava bravo, a luz acendia pela energia, etc. Mas ao mesmo tempo, esta “explicação” não dava conta da crescente angústia em que as pessoas estavam submetidas. Daí a necessidade de compreensão para poder esclarecer.

Como a imprensa tratará do “mensalão mineiro”

Por isso a minha indagação no início sobre as manifestações de junho. Ao querer explicar, temo incorrer em demagogia, sofisma ou mesmo má fé, mesmo que inconsciente. Mas é possível a busca pela compreensão.

Estas manifestações foram importantes também pelo fato de explicitar o descontentamento de vários setores da nossa sociedade. Houve grande agitação no meio artístico e esportivo. Músicos começaram a tornar públicas as divergências em torno de direitos autorais, artistas com preocupações com produção cinematográfica, teatral e a baixa participação do Estado. Atletas como Raí e Ana Moser cobraram efetivamente que o Estado comece a tratar o esporte com respeito e, sobretudo, estratégia eficaz de inclusão social, e mais recente a bela iniciativa do Bom Senso Futebol Clube. Acrescente ainda grupos como portadores de necessidades especiais, homossexuais, feministas, negros, índios, quilombolas. Este foi o lado mais positivo que as manifestações explicitaram a vivacidade de nossa democracia, muitas vezes oculta por um sistema partidário anacrônico e ineficaz.

Antes de prosseguir é importante frisar que todos os segmentos acima não começaram a agir politicamente agora. Nossos artistas historicamente propõem reflexão e ação acerca de nossos infortúnios. No caso específico, de maneira inteligente souberam aproveitar positivamente o clima das manifestações. Também no esporte, em menor grau dado a estrutura coronelista das federações e confederações, sempre houve atletas com participação política ativa. O problema é que para muitos formadores de opinião participação política se resume à gritaria engajada, partidária e ideológica que aquilo que denominamos de esquerda sempre fez.

No contexto político ainda estamos sob efeito das prisões do mensalão. E a imprensa novamente na berlinda. Há vozes respeitáveis reclamando com razão dos dois pesos da chamada grande imprensa. Ao observarmos os deslizes das administrações tucanas é notória a complacência. Entretanto, têm três fatores que vou ponderar. O primeiro é que de modo geral esta complacência ainda existe, mas bem menor. A cobertura do Estadão sobre os cartéis da CPTM e do Metrô e a repercussão nos principais telejornais comprova isso. Vamos aguardar agora como a imprensa tratará do “mensalão mineiro” desafio que Eugênio Bucci muito bem destacou em artigo no Estadão.

A prática da cooptação

O segundo fator tem a ver com o próprio PT. O partido assume a presidência de um dos principais países do mundo e tem infinita dificuldade em lidar com qualquer crítica. Mesmo quando seus membros são flagrados em casos de corrupção ou quando repetem políticas antipopulares que sempre criticou com veemência e até raiva de seus adversários do PSDB. O PT desqualifica críticas de maneira absurda e grosseira. Nunca erram. Denúncias são sempre motivadas por interesses golpistas. Se há roubalheira é em nome do povo.

O terceiro fator tem a ver com a reação à parcialidade da chamada grande imprensa. Repetem no plano jornalístico o que o PT faz no plano político. Por exemplo, o PT sempre criticou as alianças que o PSDB fez e a política econômica “neoliberal”. Fizeram as mesmas alianças, com os mesmo partidos e políticos e mantém a política econômica que transfere a maior parte da riqueza do país a uns poucos bancos, empresas, latifundiários, empreiteiras. Da mesma forma cínica e cretina se comporta a imprensa que dá sustentação ao partido detentor do governo federal e claro, de cargos e generosos patrocínios. Lançando mão de uma espécie de Código de Talião Tupiniquim, esta imprensa parte do princípio que, “se a ‘grande imprensa’ é parcial e subestima a todos, faremos o mesmo”. Voltarei a este assunto.

O tenentismo foi um movimento político e militar que muito incomodou Getúlio Vargas nos anos de 1930. Quando finalmente o então presidente resolveu a questão um jornalista ao questioná-lo sobre como fez para terminar com a crise dos tenentes Getúlio respondeu: “Promovi todos a capitães.”

Na época de Vargas ficou popularizada uma prática política tão absurda quanto repugnante – a da cooptação, que consiste em trazer para sua esfera de influência pessoas e/ou setores que incomodam. Isso se dá através de promoções, cargos, incentivos, patrocínios e uma infinidade de benesses à custa dos cidadãos. O que irei afirmar a partir de agora não se trata de acusações, pois seriam levianas uma vez que não tenho provas, mas chamar atenção para alguns fatos.

Por que não há críticas?

Movimentos sociais são vitais para o fortalecimento da democracia. É, porém, indispensável que sejam autônomos. Já assinalei em outro artigo como houve um declínio da crítica após a vitória do PT. É preocupante o vínculo que muitos movimentos sociais mantêm com o PT.

Por exemplo, com algumas exceções, é visível a incoerência em alguns dos principais (e mais barulhentos) movimentos feministas. São agressivas e obstinadas. Até aí é completamente compreensível dado a estrutura machista e patriarcal da sociedade brasileira, aumento em violência, estupros e assassinatos de mulheres. O que não entendo é a seletividade da indignação destes movimentos. Quando alguém diz algo que elas não concordam fazem um boneco da pessoa e queimam em praça pública, não hesitaram em quebrar a imagem de uma santa numa atitude inútil, desrespeitosa e ridícula. Mas são incapazes de estabelecerem uma mínima relação entre péssimo sistema de ensino e violência de gênero. Nunca vi queimarem um boneco do ministro Aloizio Mercadante. Nem depois da pesquisa que comprovou que as mulheres são as mais afetadas com o desemprego devido à formação inexistente ou precária. Assim como todos os partidos se calaram diante de um homem que preside a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, acusado pelo Ministério Público de São Paulo de desviar quase 70 milhões de crianças e adolescentes, o Gabriel Chalita. Não está preso por que o crime prescreveu, mas e daí? Aliás, este sabe como poucos a arte da política. Ninguém fala dele! (Ver aqui.)

Será que estas feministas estão preocupadas com as mulheres em geral ou com algumas mulheres? Por que se calam diante da calamidade de nosso sistema de ensino? Não sei, o que sei é que muitas feministas escrevem em publicações que são abertamente simpáticas ao governo federal. Como disse não são acusações. Talvez elas não entendam mesmo que a educação pode até não resolver os problemas e crimes decorrentes do machismo, mas é sem dúvida uma arma indispensável. Há ainda movimentos sociais, de gênero, etnia etc., que dão imensa publicidade às ações do governo. Tudo bem se julgam algo positivo que publiquem. Duas perguntas: é este o papel de um movimento social, fazer propaganda de obrigações? Por que não há críticas às mazelas?

Temperamental e falível

Não é só. A CUT descaradamente usa a sua estrutura para promover o governo. Seu presidente vira e mexe está em Brasília sendo recebido por algum ministro. Não estava claro, quando sindicalistas apanharam. Os sindicatos são duplamente remunerados. Pelas mensalidades dos seus filiados e por todos nós, através do imposto sindical. Ocorre como todos sabem que, instituição que recebe dinheiro, tem que prestar contas e transparência no uso destas verbas. No caso dos sindicatos devem, em tese, fiscalizarem abusos do governo e empresas em relação aos trabalhadores. E quando usam esta vultosa verba para fazer exatamente ao contrário? O presidente da CUT se diz contra o imposto sindical. Tudo bem, vamos supor que o imposto surreal para centrais sindicais seja extinto, então pegar dinheiro, através de mensalidades dos filiados para fazer política partidária poderá?

Há quase três anos, no meu primeiro artigo publicado no Observatório fiz uma pergunta que ainda não obtive resposta: o que aconteceu com os 32 milhões que o governo do então presidente Lula destinou a UNE para construção de sua sede no Rio de Janeiro? Não sei nem da sede nem da verba. Alguém sabe? (Ver aqui.) O que lamentavelmente constatei é que a UNE já era. De importante movimento estudantil passou a ser uma entidade obscura. Aos fatos. Excetuando-se o ex-ministro Cristovam Buarque com uma reputação construída em prol da educação universal e de qualidade, e que talvez por isso mesmo saísse do governo do PT por perceber que o partido não daria a mínima, ao contrário repetiria o que as oligarquias sempre fizeram para a educação pública, demagogia da pior espécie, seus sucessores usaram o Ministério da Educação única e exclusivamente como trampolim político. Tarso Genro que sucedeu Cristovam Buarque, fala bem, é erudito e culto e como atual governador do Rio Grande do Sul, não paga o piso do magistério que seu próprio partido estipulou, e ainda muito baixo. Em seguida o burgomestre Fernando Haddad, político fraco e sem nenhuma personalidade, do ministério para prefeitura de São Paulo ao lado do Maluf e do PSD do Kassab. Depois dele, dizem as más línguas, era para ser o Gabriel Chalita, até porque foi importante em conseguir apoio de setores ultraconservadores da Igreja Católica para eleição da presidenta Dilma. Outro fato que escapou às feministas sempre ocupadas. Só que veio o escândalo e o Chalita não assumiu o ministério, esperto, está na dele lá na comissão e, insisto, com a conivência de todos os partidos. Aí assumiu Aloízio Mercadante. Cansado de apanhar dos não menos nocivos tucanos paulistas no primeiro turno devido sua incompetência está no Ministério da Educação. Não esconde que está lá até conseguir algo melhor, como a Casa Civil.

Semana passada mais uma vez o governo e a imprensa fizeram estardalhaço com faculdades reprovadas. Do mesmo modo que no início deste ano. Aconteceu a punição? Vai acontecer com estas? Para o governo, bons financiadores de campanha, para imprensa, ótimos e generosos anunciantes. Fim de papo. Azar dos jovens e do futuro deste país. E a UNE? Por que não pintam a cara e vão para as ruas? O país figura entre os piores do mundo em termos educacionais. Cadê os líderes estudantis? Preocupados com a educação ou com um futuro promissor como de seu ex-presidente e atual político patético Lindberg Farias? Para finalizar mês passado li no Estadão que há investigações de verbas federais para a Ubes da cidade de São Paulo.

Antes de escrever sobre a imprensa petista, farei uma última consideração do PT em relação às críticas ao Judiciário. Temos um sistema judiciário aristocrático e oligárquico. Entretanto, não faço coro aos que acusam o ministro Joaquim Barbosa de parcial. É temperamental e também falível como todos nós, mas não creio que seja desonesto, pelo contrário. Inclusive suas críticas ao Poder Judiciário são contundentes e pertinentes.

O tesouro único

O PT através de seus principais caciques detonou o sistema judiciário. Por mais que entenda que nenhum dos mensaleiros esteja na prisão injustamente, as críticas do partido seriam legítimas se, fizessem o mesmo acerca da decisão do mesmo judiciário sobre o assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel. Só para relembrar. Daniel estava prestes a denunciar um esquema de corrupção. Foi abordado num carro blindado levado para o interior do estado e assassinado. Digno de um roteiro de filme, este caso ainda teve como desfecho o assassinatos de 7 pessoas envolvidas direta ou indiretamente no caso. A justiça concluiu que foi crime comum, o Ministério Público Estadual e a família nunca aceitaram. Por que neste caso o PT nunca reclamou da decisão? Este é o grande problema deste partido, quer nos fazer acreditar na existência de “meia gravidez” (ver aqui).

Ao criticar é crucial termos em mente que a imprensa é fundamental para os destinos de um país e do planeta. Instituição que deve ser permanentemente cobrada e também protegida pela sociedade quando qualquer instância de poder a ameace. No atual momento em que vivemos a imprensa não escapa da complexidade das relações sociais. Tanto que um escritor do porte de Affonso Romano de Sant’Anna chegou a afirmar que tem que se inteirar do que está acontecendo na imprensa brasileira pelo Observatório para poder entender.

A crítica deve considerar paralelamente os avanços. Mesmo nos telejornais há mais e maior preocupação com o rigor e apuração da notícia, diversas “reportagens especiais” nas principais redes de TVs abertas denunciam as mais variadas mazelas. Contudo, ainda persistem erros, parcialidade e algo terrível que é a amnésia generalizada. Ortega y Gasset assinala que o que nos diferencia dos animais é exatamente a capacidade de memória:

“A única diferença radical entre a história humana e a ‘história natural’ é que aquela não pode nunca começar de novo. Köhler e outros mostraram como o chimpanzé e o orangotango não se diferenciam do homem pelo que, falando rigorosamente, chamamos inteligência, mas porque têm muito menos memória que nós. Os pobres animais cada manhã esquecem quase tudo que viveram no dia anterior, e seu intelecto tem de trabalhar sobre um mínimo material de experiências. Semelhantemente, o tigre de hoje é idêntico ao de seis mil anos, porque cada tigre tem de começar de novo a ser tigre, como se não houvesse outro antes. O homem, pelo contrário, mercê de seu poder de recordar, acumula seu próprio passado, possui-o e o aproveita. O homem não é nunca um primeiro homem: começa desde logo a existir sobre certa altitude de pretérito amontoado. Este é o tesouro único do homem, seu privilégio e sua marca. E a riqueza menor desse tesouro consiste no que dele pareça acertado e digno de conservar-se: o importante é a memória dos erros, que nos permite não cometer os mesmos sempre” (grifo meu).

Desrespeito à inteligência

Este é um dos mais gritantes equívocos da nossa imprensa. Noticia algo e no outro dia “esquece” como o tigre começa do zero com se não houvesse passado, ou melhor, experiências. Assim são as reportagens de descaso com a educação, não há continuidade. Todos os anos, lemos, assistimos e ouvimos: “Brasil é um dos piores em educação” “escolas não tem infraestrutura adequadas” “professores ganham mal” “greve dura meses” “faculdades são reprovadas”. Esta última ilustra bem. A imprensa noticiou um fato e “esqueceu” que poucos meses atrás também noticiou, mas o que houve?

Já foi maior e mais explícito, mesmo assim, nos setores hegemônicos há ainda muita boa vontade para com o PSDB. Em São Paulo é um absurdo. Não só a educação, como todas as áreas sociais e a segurança. O PCC praticamente faz parte da vida paulista, as denúncias de corrupção no sistema carcerário nunca foram devidamente apuradas, pessoas estão morrendo, extermínio de jovens nas periferias é sumariamente ignorado, uma polícia despreparada, mal remunerada, sucateada.

Quem tem interesse numa imprensa plural e democrática não deve fugir disso.

No entanto, a imprensa que apoia o governo federal e as administrações do PT não agrega em nada a quem luta por uma imprensa imparcial e livre, pelo contrário, suas práticas calcadas no “olho por olho” apenas reforçam o rebaixamento da imprensa a um espaço de intrigas, fofocas e maledicência. Mencionarei alguns veículos, mas antes pretendo fazer uma ressalva. O exercício da crítica não é necessariamente a desqualificação. O que quero dizer é que criticar estes veículos não significa que sejam de todo ruins. Porém, há que se destacar também, que veículos como a Revista Veja que demonstrou várias vezes um exemplo de jornalismo parcial e viciado no plano político também tenha contribuído com reportagens interessantes em outras áreas. O grupo responsável pela publicação da Veja, a Abril, tem excelentes publicações nas áreas da educação. O que enfatizo nestas críticas são o jornalismo político, ou, infelizmente, partidário.

Publicações chamam a atenção por praticarem um jornalismo político como da Veja, parcial, viciado com um profundo desrespeito à inteligência das pessoas. Três revistas: CartaCapital, Fórum e Carta Maior. Tem ainda um jornal digital o pastiche de tabloide político o Brasil 247.

Opinião de editor de “imprensa petista”

Em outros artigos mencionei falhas graves em publicações da CartaCapital. Neste quero escrever sobre uma jornalista, Cynara Menezes a “socialista morena” que ao que tudo indica desfruta de grande prestígio na revista. Recentemente após várias defesas públicas e infundadas dos acusados do mensalão, ela sugeriu que quem não discordasse da prisão do José Dirceu era estúpido. De uns dias para cá, a socialista resolveu inovar. Está a refletir sobre a vida sexual dos comunistas. Inicia suas reflexões em grande estilo: “Antes que os reaças venham em bando para cá dar chilique, digo que não, a Coréia do Norte não é meu ‘modelo’ para nada. Para mim, o regime norte-coreano é fechado demais para servir de exemplo a qualquer socialista moderno. Socialismo para mim é sinônimo de liberdade, e um país socialista ideal obviamente ia querer mostrar para o mundo o que tem de melhor. Não é o caso da Coreia do Norte, que se diz comunista, não socialista, e vive cercada de mistério. Apesar dos pesares, ainda prefiro Cuba. Mas, como vocês sabem, o socialismo moreno não segue modelo algum.”

Mais adiante prossegue: “Mais do que isso, o líder norte-coreano atribui estas habilidades à dialética e ao comunismo. Ou seja, assim como ocorria na Alemanha Oriental, a falta de religião, aliada à emancipação feminina, seriam fatores libertadores também para os habitantes da Coreia do Norte, pelo menos na cama. Sem dúvida o texto faz algum sentido ao colocar que na Coreia do Sul, como no resto do mundo ocidental, as mulheres têm um papel de ‘dona de casa’ tido como subalterno que inexiste nos países comunistas. Faz parte do ideal comunista que mulheres e homens trabalhem, lado a lado, e dividam naturalmente os cuidados com a casa e os filhos. É disso que, no fundo, Kim Jong-Il fala, focando no cunnilingus.”

Mas o depoimento de uma das garotas desta tal brigada, que logrou escapar para a Coréia do Sul, chama a atenção. Segundo ela, apesar de irascível, Kim Jong-Il era surpreendentemente carinhoso com as moças que trabalhavam para ele – nem sempre utilizadas sexualmente. Finalmente conclui: “Mas como será a intimidade nas alcovas hetero norte-coreanas? Bem, a se considerar as palavras do ‘grande líder’, muito animada. Confira a arte de Young-Hae Chang Heavy Industries em português (basta clicar na imagem abaixo) e julgue você mesmo. É, no mínimo, muito divertida.”

Qual a relevância disso? Só para lembrar, é este tipo de jornalista que acusa a chamada “grande imprensa” de “não ser séria” e em vez de notícias, “futilidades”. Ao final das outras apreciações colocarei onde reside o problema deste tipo de “reportagem”. Renato Rovai editor da revista Fórum, que integra aquilo que eu denomino como “imprensa petista” começa um artigo sem meias palavras: “Declarei apoio a Haddad para prefeito de São Paulo e o fiz com a convicção de que era necessário derrotar o projeto político de Serra e Kassab. A cidade merecia algo melhor. E não me arrependo da decisão tomada.”

Será Lula também um guia espiritual?

Depois: “Governos precisam de direção, de um líder, de projeto claro, principalmente se forem de esquerda ou centro-esquerda. Porque terão de enfrentar polêmicas para transformar a realidade daqueles que mais precisam do Estado. E isso inevitavelmente desagradará grupos econômicos, setores corruptos e também a mídia tradicional.” Ou seja, um governo de esquerda e centro-esquerda terá de quebrar alguns ovos. E aí que entra a comunicação. Para se comunicar com a população ele não pode ser refém dessa mídia que defende o establishment.

Em seguida, põe-se a filosofar: “É sim contraditório. Mas, compreensível. São Paulo é um arquipélago. Um amontoado de ilhas distintas e muito semelhantes. E nela, como na teoria, é nas contradições que se produz a síntese. A síntese do hoje é muito desfavorável para o governo municipal.”

Este artigo é recente. Vamos lá. A gestão Haddad começou da pior forma possível. Hesitou o quanto pôde para reduzir o valor das tarifas dos caros e ineficientes ônibus paulistanos. Enfrentou greve dos professores que não obstante voltaram ao trabalho, ficaram profundamente descontentes, cortou a merenda de crianças paupérrimas em algumas periferias, descumpriu promessas de campanhas e ordens judiciais em relação às creches, teve uma baixa importante de seu secretário de governo envolvido segundo denúncias, nas máfias dos fiscais. Não recebem todos os representantes dos legítimos movimentos dos sem tetos, só os que lhes são simpáticos. O editor da Fórum fala em governo de centro-esquerda e de esquerda. Que diabos significa isso? Em nenhum momento ele questiona o fato do prefeito estar aliado com o Maluf e com o próprio PSD do Kassab que segundo ele “era necessário derrotar o projeto político”. Todas as trapalhadas da gestão Haddad ele quer reduzir a problemas de comunicação. Outra questão que não dá para saber o que significa: “Para se comunicar com a população ele não pode ser refém dessa mídia que defende o establishment”. E a mídia que é refém de um governo que participa o Maluf defende o que? (Ver aqui.)

Renato Rovai é um expert em identificar virtudes de petistas. No auge das manifestações exaltou Tarso Genro o governador que não paga o piso do magistério, e teve uma reportagem sua com foto e tudo sugerindo que jovens procuraram o Lula para tentar entender o que estava havendo. Na hora me indaguei; será que o Lula é também um guia espiritual, uma espécie de Lama tropical?

Banqueiro que renunciou ao mandato

A Carta Maior é outro primor de propaganda vendida como notícia e futilidade como teoria. Tem publicado inclusive “manual” em como ser de esquerda. É nesta revista também que escreve o sociólogo Emir Sader que através de um sociologuês de quinta, reduz a ciência a sofismas lisonjeiros e dá claro exemplo de desonestidade intelectual. Este tipo é também abordado por Ortega y Gasset: “É, com efeito, muito difícil salvar uma civilização quando lhe chegou a hora de cair sob o poder dos demagogos. Os demagogos têm sido apenas os grandes estranguladores de civilizações. (…) Mas um homem não é demagogo somente porque se ponha a gritar ante a multidão. Isso pode ser em ocasiões uma magistratura sacrossanta. A demagogia essencial do demagogo está dentro de sua mente, radica em sua irresponsabilidade ante as ideias mesmas que maneja e que ele não criou, mas recebeu dos verdadeiros criadores. A demagogia é uma forma de degeneração intelectual.” (…)

Ele escreveu um livro, uma coletânea sobre governos pós-neoliberais, inclusive o Brasil. Não vou me ater ao mesmo, pois não li. Apenas chamo a atenção para o primeiro capítulo, uma entrevista dele com o ex-presidente Lula, isto dá a medida da “neutralidade”. Em diversas falas ele como muitos adeptos e/ou beneficiários dos governos petistas se valem do sucesso do bolsa família. Que é inegável. Entretanto, isso traz algumas questões. A mais odiosa é esta gente repetir o mantra patrimonialista do Estado brasileiro: O governo do PT através do bolsa família tirou milhões da miséria. O problema está no verbo. Ao afirmarem que tirou destituem as pessoas de direitos e o Estado de obrigações. O país é rico e esta riqueza é produzida pela população. Eu não concordo com quem deprecia o programa como o PSDB que nem isso fez. Por outro lado não estamos reinventando a roda. Será que Emir Sader teve a coragem de cruzar os gastos do Bolsa Família com os lucros que bancos, multinacionais, empreiteiras, agronegócio e latifundiários, corrupção? Duvido. E mais. No que a vida população melhorou em termos de saúde, educação, moradia, saneamento básico, segurança, esportes e lazer? Uma política que estimula apenas o consumo de bens e, claro, lucratividade de conglomerados empresarias e deixa as necessidades elementares da população nas mãos de Deus ou da sorte, pode ser considerada popular?

Passamos agora ao artigo do emérito sociólogo: “Um instituto que fez a pesquisa e os editorialistas da velha mídia se enroscaram nos seus resultados, sem entender o seu significado. Afinal, se a maioria dos brasileiros é de direita – parte que vota na Dilma e parte que vota na oposição – por que a direita tem perdido sempre e continuará a perder as eleições? Por que os políticos mais populares do país são Lula e Dilma e os mais impopulares FHC e Serra?”

Mais: “Para complementar, a direita tradicional – midiática, partidária, empresarial – sempre esteve fortemente alinhada com o governo tucano e contra os governos petistas. Enquanto este sempre teve o apoio dos setores populares, de esquerda, de dentro e de fora do país “(…)

Eu insisto que esquerda e direita pelo menos no atual panorama sociopolítico do país não quer dizer absolutamente nada! Vamos por partes. Emir Sader afirma que é um erro quem diz que o PT repetiu o PSDB. Durante a gestão Lula como a partir do segundo ano da presidenta Dilma os bancos brasileiros apresentaram enorme lucratividade com uma das maiores taxas de juros do mundo. Lula ao assumir chamou para presidência do Banco Central Henrique Meireles, banqueiro e, pasmem, para assumir o BC teve que renunciar ao mandato de deputado federal pelo PSDB…

Édivertido escrever e ler sobre determinados assuntos

No ministério do desenvolvimento empresário, na agricultura representante do agronegócio. Quando o sociólogo resmunga“direita tradicional” sem cumprir seu compromisso ético e moral de explicar o que isso quer dizer, exatamente por ter que omitir que na base aliada governo do PT participa Sarney cujo seu clã perpetuou e perpetua a miséria em todos os sentidos no Maranhão, Maluf político nefasto, além de apoiar e se enriquecer com a ditadura, criar e treinar uma polícia para abertamente matar pobres, está envolvido em vários escândalos de corrupção muitos provados e comprovados já enfrentou inclusive acusações de pedofilia, Kátia Abreu, mulher abjeta, defende trabalho escravo e uso de agrotóxicos altamente nocivos, fora Collor, Renan Calheiros, Kassab. E estes, nobre pensador Emir Sader são o que? Direita, esquerda, centro, lado, meio, do canto?

A política econômica brasileira é uma das mais que beneficiam o setor financeiro em detrimento dos interesses e carências da população. Como bancos têm grande poder em vários setores, estamos com a taxa de juros mais alta do mundo e não há repercussão, pensadores como Sader, simplesmente ignoram (ver aqui).

A imprensa em geral, de todos “os lados”, vive a propagar um terror sobre a inflação. Aí justificam os juros elevados e apontam dados que segundo eles estão segurando a inflação. Estranho. De fato a taxa de inflação é baixa. Mas o que não entendo são os preços nos supermercados, por exemplo. Claro que os analistas são pessoas ocupadas, não vão a supermercados, se fossem, tomariam um susto. Basta conversarem com donas de casa, casais, aposentados e constatarão, há algo muito errado. No início do ano alimentos básicos custavam a metade, nos cálculos que escapam à lógica dos analistas alta de 100%. Fica aqui o desafio aos ilustres detentores do saber econômico. Vão aos supermercados, feiras livres, lojas de materiais de construção.

É triste a nossa sina. Semana passada um grupo de urbanistas consagrados, assinaram uma lista de apoio para que Fernando Haddad e o ministério público estadual combatam a corrupção. Ora difícil digerir isso. Como assim? Precisa abaixo assinado de notáveis para que cumpram as suas obrigações constitucionais? Será que estes urbanistas não tinham nada melhor para fazer? Como por exemplo, questionarem o porquê Haddad mantém aliança com Maluf que tanto mal fez à cidade de São Paulo? Ou para ser mais específico, ter um representante da especulação imobiliária na Secretaria de Habitação indicado pelo próprio Maluf? Todos os dias nos jornais assistimos atônitos pessoas, famílias, idosos e crianças apanharem da polícia serem expulsos jogados ao relento para que meia dúzia de empresários lucrem. Onde estamos? (Ver aqui.)

Quando critico estes posicionamentos não estou me referindo ao conteúdo. Sou profundamente contra qualquer cerceamento da liberdade de expressão. Uma das frases mais belas que já li, foi a de Voltaire quando disse que “sou profundamente contra o que você diz, mas darei minha vida pelo seu direito de dizer”. O que questiono é o meio em que estas pessoas utilizam para propagar suas ideias, a imprensa. É concessão pública e as pessoas não podem utilizá-la do modo que bem entendem como a vida sexual dos comunistas ou distorcer fatos para promover grupos políticos, sejam quais forem. Sim como a socialista diz, é até divertido escrever e ler sobre determinados assuntos, mas isso é um luxo que não podemos nos dar. Sim são publicações originárias de seus blogs, mas, reproduzidas pelas revistas. Pessoas estão morrendo de modo brutal e banal. Sejam em assaltos, deslizamentos, hospitais, morrem ainda de fome de tédio e desesperança. Sem contar aqueles que são assassinados por forças do Estado, como os pobres, na maioria negros, os índios e sem terras. Violência contra as mulheres e a impunidade de agressores assassinos ainda é uma chaga. A comunidade LGBT ainda é violentada literal e simbolicamente. Quem quer se divertir ou promover crenças partidárias e ideológicas, por favor, abra mão da concessão pública, de patrocínios de estatais e banquem suas sandices, nossa sociedade tem prioridades.

A frustração de jornalistas e intelectuais

Tem um dado histórico e trágico em nossas relações sociais que nossa literatura sempre contemplou: a maldade. Implícita quando grupos se fazem valer do seu prestígio para promover poderosos enquanto conterrâneos agonizam, nos casos citados acima de desonestidade intelectual, e em práticas cotidianas como discriminação e agressões. A maldade está presente também em muitas instituições, como as universidades. Recentemente a USP descumpriu determinação do governo do estado em aceitar alunos da rede pública, o mesmo governo nada fez. A PUC São Paulo reduziu drasticamente o oferecimento dos cursos de licenciatura. Por mais que os iluminados doutores e doutoras responsáveis por isso neguem esta atitude da universidade católica é sim para afastar os pobres. As licenciaturas são os cursos que formam e habilitam professores. Dada às precárias condições dos professores brasileiros não há interesse dos alunos de setores privilegiados por esta área. Por outro lado, para um jovem pobre cursar letras, história, sociologia etc. sem licenciatura não é viável. Este tipo de aluno precisa ao se formar trabalhar imediatamente. Com um diploma de bacharel dificilmente consegue. A PUC São Paulo ao tomar esta decisão escancara seu total desprezo para com as necessidades urgentes do país e se consolida como feudo. Num momento em que faltam professores, e com boa formação ainda mais, seria de grande validade que jovens das periferias passassem por boas universidades como a PUC e retornassem para suas regiões para lecionar. Mas por crueldade, a PUC-SP lhe bateu as portas.

Isso me lembra de uma célebre passagem de um livro de Otto Lara Resende, “O braço direito”, magnífico. Havia um personagem que era muito pobre e sua mulher doente. Ela precisava muito de uma medicação para não sentir dores profundas. O marido devia na farmácia, não por má fé, pobreza mesmo. Mas um dia após a mulher sentir muitas dores foi à farmácia. Constrangido implorou pelo remédio. O dono aos berros o humilhou e, não contente, além da humilhação, pegou um vidro do abençoado medicamento e na frente do miserável, despejou dizendo que jogava fora, mas não vendia fiado. Melhor metáfora não há para entender o que de fato PUC-SP fez com os alunos carentes.

As críticas que faço ao governo do PT residem nos fatos. Não defendo partido nem participo de nenhum grupo de intelectuais, professores. Também não temo em apontar melhorias significativas dos governos Lula/ Dilma em relação aos do FHC. Do mesmo modo que a estabilização econômica promovida na gestão de FHC pondo fim a um ciclo inflacionário perverso foi positiva. O que questiono são intelectuais engajados partidariamente. É um contrassenso, para dizer o mínimo. Não significa evidentemente que devem se abstiver de opinar, nem de contribuírem trabalhando na administração pública. A questão é. com quem os intelectuais estão comprometidos de verdade?

Às vezes penso que muito intelectuais e jornalistas não se conformam que não são artistas. Querem aplausos, plateia, dar autógrafos. Só que mais do que talento, é preciso de dom. O intelectual verdadeiro é como um bom árbitro de futebol. Ou seja, quando assistimos àquela partida memorável, discutimos os gols, lances, mas nada falamos do árbitro, pois este tem consciência que é sim fundamental para o espetáculo, mas não é protagonista. A mesma coisa o intelectual, ele é fundamental, mas protagonista é a consolidação da democracia, justiça social, respeito às diferenças de gênero, etnia, orientação sexual, a alegria de viver e a felicidade de conviver.

Quanto à frustração de jornalistas e intelectuais não serem as celebridades que almejam, finalizo com o grande José Ortega y Gasset: “Quando vejo que para um homem ou grupo se dirige fácil e insistente o aplauso, surge em mim a veemente suspeita de que nesse homem ou nesse grupo, talvez junto a dotes excelentes, há algo sobremodo impuro.”

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Cristiano Moura Gonzaga é professor e sociólogo, Santo André, SP