Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Derrubando alguns mitos

I – Introdução ao tema

Já afirmei algumas vezes que pelo menos três grandes reformas devem ser realizadas para a consolidação da nossa democracia: a política, a tributária e a da mídia.

Cada uma delas tem impacto em setores da vida cotidiana, e podem permitir uma ampliação das políticas de inclusão social instauradas desde a ascensão de Lula, 2003, incluindo elemento de natureza imaterial, como a valorização da cultura local.

O grande desafio para o novo governo eleito num processo disputado, como o encerrado no último dia 26 de outubro, será o de superar uma base congressual extremamente conservadora ou reacionária, composta por grupos políticos que não necessariamente apresenta interesse em transformar o país. No novo parlamento tivemos uma elevação de representantes do grande empresariado, de ruralistas, de religiosos fundamentalistas, dentre outros. Na outra ponta, temos a queda da representação sindical, de ambientalista e de militantes sociais.

A reforma política é fundamental para restringir o exercício de poder dos grandes grupos econômicos sobre candidatos e partidos, situação esta que já poderia ter sido reduzida, não fosse o pedido de vista realizado pelo ministro Gilmar Mendes na ADI nº 4650, no dia 2 de abril deste ano, ação na qual a OAB ataca exatamente o financiamento empresarial de campanhas.

Como a votação apontava placar avançado de para declarar a inconstitucionalidade deste tipo de financiamento, o empresarial, é possível que o Supremo, consiga resolver em parte o problema criado pelo financiamento privado de campanhas, ao arrepio dos interesses dos grupos conservadores do Parlamento.

No que se refere à reforma de mídia, a famosa Lei dos Meios, o embargo poderá ser ainda maior. Muitos deputados e senadores possuem vínculos pessoais e familiares com grupos de comunicação. Dos três senadores do Rio Grande do Sul, por exemplo, dois são funcionários da RBS, sucursal da Rede Globo no estado. Outros, como o próprio ex-candidato a presidente pelo PSDB Aécio Neves, são vinculados a famílias que detêm o controle de grupos regionais de comunicação.

Portanto, a reforma de mídia também enfrentará um grande entrave, pois deverá enfrentar um dos mais poderosos grupos econômicos do país, inclusive patrocinado por interesses internacionais. “Abrir a caixa-preta dos meios de comunicação”, como tenho reforçado, poderá ser um grande instrumento para coibir a concentração de poder em determinados grupos e famílias, ampliar o espaço para a divulgação da cultura popular e local, das produções independentes, e restringir a corrupção política.

Mas, nesse texto, vou lançar algumas informações sobre a pouco debatida Reforma Tributária, também fundamental para reverter o quadro regressivo da política fiscal imposta pelos militares e copiada pelo “Centrão”[ movimento político conservador criado pelos grupos políticos que haviam acordado a transição política de 1984/1985, formado por membros de partidos como o PFL (atual DEM), o PDS (atual PP), o próprio PMDB, dentre outros. A criação do “Centrão” acabou servindo como um mecanismo para conter os avanços programáticos progressistas da Constituição de 1988, especialmente as propostas formulados no anteprojeto da “Comissão de Notáveis”, formada por um grupo dos mais conceituados juristas brasileiros] em 1988. Obviamente, retomarei os outros dois pontos em artigos próprios mais adiante.

II – Do sistema tributário “regressivo”

O problema no nosso sistema fiscal, e não poderia se esperar algo diferente, é cercado por uma grande disputa de ideias, informações e ideologias. Mais do que isto, muitas vezes os números são espancados por metodologias questionáveis, somente para reforçar interpretações, algumas míticas ou inverídicas.

Como ponto de partida, é imperativo questionar o grande mito despejado todos os dias nas nossas mentes, sobre o fato do Brasil possuir uma carga tributária elevada. Um simples estudo comparativo com outros países demonstra que a nossa carga tributária está na faixa intermediária, bem abaixo da adotada nos países com melhor qualidade de vida do mundo, como Noruega, Suécia e Finlândia, algo que também pode demonstrar o motivo de déficit em políticas sociais como saúde e educação, em razão da ausência de financiamento.

Os recursos fiscais são escassos, dependem diretamente da contribuição realizada pela sociedade. Assim, sempre que questionamos os serviços públicos como saúde, educação, assistência social, dentre outros, inclusive a remuneração de servidores, devemos ter a certeza que estes são financiados por tributos.

No quadro abaixo uma breve comparação da carga tributária do Brasil em relação ao PIB, e o mesmo indicador em outros países:

Quadro 01 – Comparação da carga tributária em relação ao PIB

País/Comunidade Carga tributária (% do PIB)
1 União Europeia (G27)¹ 38,8%
2 União Europeia (G17)¹ 39,5%
3 Brasil² 35,8%
4 Dinamarca¹ 47,7%
5 Alemanha¹ 38,7%
6 Espanha¹ 31,4%
7 Grécia¹ 32,4%
8 Finlândia¹ 43,4%
9 França¹ 43,9%
10 Reino Unido¹ 36,1%
11 Noruega¹ 42,5%
12 Chile³ 20,8%
13 Rússia4 35,6%
14 China4 27,9%
15 Japão4 30,3%

¹ Fonte: Eurostat News Release, nº 68, abr. 2013. Taxation trends in the European Union

² Fonte: Receita Federal. Carga Tributária no Brasil 2012. Brasília, dezembro 2013.

³ Fonte: Total Tax Revenue. As a percentage of gross domestic product 2012. OECD Library, 2013.

4Eurostat. Taxation trends in the European Union. Italy: European Union, 2014, p.16

Como podemos observar no quadro acima, o peso percentual dos tributos brasileiros supera apenas os indicadores da Espanha, da Grécia, do Chile, China, Rússia e Japão. Embora Chile e China possuam uma tributação relativamente baixa, os outros quatro países também se localizam na esfera de tributação intermediária.

Destaco que Espanha e Grécia são as economias com pior desempenho da União Europeia, e com as mais altas taxas de desemprego, e baixíssima capacidade de investimento.

Já o nosso vizinho Chile, único situado no campo da baixa tributação, sofreu um processo de recrudescimento das políticas sociais. O ensino superior é pago, e o Estado aplica apenas 15% dos valores destinados à manutenção do acesso às universidades [Terra Educação. Ensino Superior Pago: veja os casos de EUA, França e Chile. Crise na USP provou a discussão sobre a possibilidade de mensalidade em instituições públicas. Disponível: http://noticias.terra.com.br/educacao/ensino-superior-pago-veja-os-casos-de-eua-franca-e-chile,7649b8abb04c6410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em 2 de novembro de 2014]. No Brasil, ao contrário, todas as instituições oficiais de ensino superior são gratuitas, e o governo federal investe pesadamente no financiamento do acesso às instituições privadas via o Prouni.

Na Rússia temos um indicador muito próximo do brasileiro, com diferença de apenas 0,2%. A China é um país com a economia predominantemente estatizada, portanto bem diferente da brasileira. Já o Japão vem enfrentado uma estagnação econômica intensa, agravada pelo problema de Fukushima.

O percentual dos tributos brasileiros em relação ao PIB está muito próximo ao indicador do Reino Unido. Contudo, bem abaixo dos países com os melhores indicadores sociais do planeta: Alemanha, Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca. Nos países nórdicos, e também na França, este índice supera 40% do PIB. Já na Alemanha, há uma pequena redução para 38,7% do PIB, mesmo com os nove anos de mandato consecutivos da conservadora Angela Merkel.

É importante destacar que existe uma pequena diferença entre a metodologia da Receita Federal e a adotada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT, responsável pelo famoso Impostômetro. De acordo com a referida entidade, em 2012 o peso da carga tributária na economia brasileira era de 36,37%, sendo projetada para 36,42% em 2013 [Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário: Evolução da Carga Tributária Brasileira e Previsão para 2013. Curitiba: IBPT, dezembro de 2013].

Contudo, identificamos um ponto de discordância na metodologia do IBPT que é a dupla contagem dos valores da dívida ativa fiscal, como multas, juros e correção monetária. A referida entidade também faz o somatório das contribuições sindicais e dos emolumentos judiciais. Logo, é feita uma projeção com base em valores extrafiscais, decorrentes ou de para-fiscalidade, ou de descumprimento da Lei Tributária.

Juros, multas e correção monetária não são tributos. Possuem natureza extrafiscal, e sempre são decorrentes de ilegalidades praticadas pelos contribuintes, como sonegação, por exemplo. Como tem ocorrido uma ação cada vez mais ofensiva da Receita Federal contra a sonegação, há inegável crescimento da receita com a cobrança da dívida ativa, convertida em crédito orçamentário. Mas, com a devida vênia, isso não é carga tributária, pois não podemos colocar no mesmo grupo pessoas que cumprem as suas obrigações, e aqueles que praticam condutas ilegais.

No que se refere aos emolumentos judiciais, estes possuem o caráter mais próximo de preço público, portanto extrafiscais. Se levarmos ao excesso a teoria do IBPT também deveriam ser cobrados os pedágios (muito mais danosos à economia do que a cobrança de impostos), as tarifas de água, energia elétrica, telefonia, dentre outros serviços públicos delegados, que também são custos assumidos pela sociedade. No entanto, nem todos os custos são tributos, não sendo adequada a sua utilização para o cálculo das obrigações fiscais.

Ainda sobre este ponto, as contribuições sindicais ou corporativas não ingressam no financiamento do Estado. Não são obrigações fiscais, e sim associativas, para-fiscais, e sua inclusão no cálculo do índice tributário também é equivocada.

Entretanto, mesmo se considerarmos correto o índice obtido pelo IBPT, a carga tributária brasileira continuará sendo classificada como média, e abaixo dos patamares da União Europeia.

O ponto de corte, e principal herança negativa deixada pelo “Centrão” na Constituinte de 1988, é a regressividade da nossa carga tributária, com o peso excessivo dos tributos sobre trabalho e, principalmente, sobre consumo.

Como leciona, corretamente, o tributarista Luciano Amaro,

“Os tributos podem ser regressivos e progressivos. Denominam-se regressivos quando a onerosidade relativa cresce em razão inversa do crescimento da renda do contribuinte. E progressivos se a onerosidade relativa aumenta na razão do crescimento da renda. Suponha-se que o indivíduo “A” pague (como contribuinte de direito ou de fato) 10 de imposto ao adquirir o produto X, e tenha uma renda de 1.000; o imposto representa 1% de sua renda. Se esta subisse para 2.000, aquele imposto passaria a significar 0,5% da renda, e, se a renda caísse para 500, o tributo corresponderia a 2%. Assim, esse imposto é regressivo, pois, quanto menor a renda, maior é o ônus relativo” [AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 89].

Portanto, impostos indiretos sobre o consumo, como o ICMS e o IPI, são extremamente regressivos. Já os tributos direitos, como o escalonado imposto de renda (IR), têm grande potencial para a progressividade.

Apesar do direito brasileiro não admitir a progressividade dos impostos sobre o consumo, estes podem ser seletivos em face de interesse público a ser tutelado. Assim, justifica-se a elevação do IPI sobre a fabricação de cigarros, e a sua redução para os bens da “chamada linha branca” (geladeiras, máquinas de lavar etc.), pois no primeiro caso o interesse público a ser tutelado é a saúde, e a elevação da alíquota impõe a restrição do comércio. Já no segundo caso, o interesse público é a melhoria de qualidade de vida das famílias.

A seletividade também é utilizada por alguns governos para reequilibrar a conta de comercialização frente aos produtos importados, em relação ao “dumping” dos produtos do exterior, embora a medida mais adequada seja a sobretaxação por meio do imposto de importação.

Mas voltando ao debate sobre a progressividade e a regressividade dos tributos, não restam dúvidas que o Imposto de Renda é o que possui o maior potencial de progressividade, potencial este que não é utilizado no Brasil, onde temos apenas cinco faixas de tributação.

No quadro abaixo, o impacto das principais categorias tributárias sobre o nosso produto interno bruto:

Quadro 02 – Peso das categorias tributárias sobre o PIB

Incidência 2011 2012 Variação
Renda 6,72% 6,40% -0,32%
Folha de Salários 9,10% 9,51% +0,41%
Propriedade 1,31% 1,38% +0,07%
Bens e Serviços (consumo) 17,38% 17,83% +0,45%
Transações Financeiras 0,77% 0,70% -0,07%
Outros 0,04% 0,03% -0,01%
Carga total 35,31% 35,85% +0,54%

Fonte: Receita Federal. Carga Tributária no Brasil 2012. Brasília, dezembro 2013.

O crescimento do peso dos tributos sobre a folha de salários, mesmo com a política de desoneração realizada pelo governo federal tem uma explicação simples, que é redução das taxas de desemprego e elevação do nível de formalização do trabalho. Esta explicação também é retratada pela Receita Federal, que vê no aumento das contribuições previdências e ao FGTS o motivo da elevação da tributação das folhas salariais no PIB (RECEITA FEDERAL, 2013).

Já a variação dos impostos sobre bens e consumo, há um crescimento da arrecadação do ICMS (imposto estadual), que sofreu uma variação de 7,18% (2011) para 7,46% (2012). As demais variações neste campo foram baixas, embora apenas o IPI (imposto federal), apresente uma redução do seu peso na economia.

Chama atenção o pequeno impacto do Imposto de Renda na nossa base tributária, onde predominam os tributos sobre pessoas jurídicas e retidos na fonte:

Quadro 03 – Imposto de Renda no Brasil 2012

Perfil do imposto Percentual do PIB
Imposto de Renda 6,03%
Pessoas físicas 0,51%
Pessoas jurídicas 2,10%
Retido na Fonte 3,43%

Fonte: Receita Federal. Carga Tributária no Brasil 2012. Brasília, dezembro 2013.

O imposto retido na fonte é pago pelos trabalhadores com carteira assinada ou regime estatutário. Já o imposto de renda pessoa física é pago pelos profissionais liberais na declaração de ajuste, e pelas grandes rendas. Mesmo que parte das rendas superiores já seja taxada no lucro das empresas, seria necessário inverter esse quadro para atingir uma maior justiça fiscal.

Com relação à tributação sobre o patrimônio observa-se uma tributação ainda menos significativa, sendo que os resultados do ITR são pífios.

Quadro 04 – Imposto sobre a propriedade no Brasil

Imposto Fonte arrecadadora Percentual do PIB
Imposto Territorial Rural – ITR Federal 0,01%
IPVA Estadual 0,62%
ITCD Estadual 0,08%
IPTU Municipal 0,48%
ITBI Municipal 0,19%
Peso Total Todos os entes 1,38%

Portanto, se a arrecadação tributária é baixíssima na categoria dos impostos sobre a propriedade, temos uma arrecadação pífia num dos espaços onde existe maior injustiça social que é na propriedade territorial rural, dada a insignificância do ITR na economia.

Pesa, ainda, a ausência de progressividade nos impostos sobre a propriedade, especialmente do IPTU, na medida em que a alíquota é idêntica para uma casa na periferia e outra nas regiões de maior renda.

As únicas modificações de alíquotas admitidas na nossa legislação para os impostos sobre a propriedade, notadamente o IPTU, são as com função extrafiscal, como o IPTU progressivo no tempo para imóveis não utilizados ou subutilizados, ou a alíquota superior para terrenos não edificados.

Entretanto, quando comparamos o nosso modelo tributário com o adotado por outros países, observamos um quadro diferente no peso de cada categoria de tributos:

Quadro 05 – Estratificação do peso das categorias tributárias sobre a composição da carga tributária total

  Total Percentual do total por categoria
País/Comunidade (% do PIB) Trabalho
(%)
Consumo
(%)
Capital
(%)
1 União Europeia (G27)¹ 38,8% 35,80 20,10 ND
2 União Europeia (G17)¹ 39,5% 37,70 19,40 28,90
3 Brasil² 35,8% 23,53 49,74 17,88³
4 Dinamarca¹ 47,7% 34,60 31,40 ND
5 Alemanha¹ 38,7% 37,10 20,1 22,0
6 Espanha¹ 31,4% 33,20 14,00 ND
7 Grécia¹ 32,4% 30,90 16,30 ND
8 Finlândia¹ 43,4% 39,60 26,4 27,00
9 França¹ 43,9% 38,60 19,90 44,40
10 Reino Unido¹ 36,1% 26,00 19,50 34,90
11 Noruega¹ 42,5% 36,20 ND 41,90
12 Itália¹ 42,5% 42,30 17,40 33,60

¹ Fonte: Eurostat News Release, nº 68, abr. 2013. Taxation trends in the European Union

² Fonte: Receita Federal. Carga Tributária no Brasil 2012. Brasília, dezembro 2013.

³ Seguindo o modelo europeu, que separa a tributação sobre a propriedade, consideramos aqui apenas a tributação sobre a renda, e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL).

Como pode ser observado, se alguns países possuem um peso maior da arrecadação previdenciária/trabalhista sobre a composição geral da massa tributária, e outros uma composição maior sobre o capital (renda/propriedade), apenas o Brasil mantém o peso maior da sua atividade financeira sobre o consumo, esfera que, conforme destacamos anteriormente, os tributos possuem natureza regressiva.

O maior peso da tributação sobre o trabalho está fortemente vinculado ao ideal europeu de seguridade social, como contribuições previdenciárias e sociais. Já a tributação sobre capital não considera os valores aplicados sobre a propriedade.

No quadro abaixo uma comparação entre as maiores taxas legais de Imposto de Renda:

Quadro 06 – Imposto de Renda por grupo de contribuição (2012)

 

Taxa máxima por grupo

País/Comunidade Pessoal
(%)
Empresarial
(%)
1 União Europeia (G27)¹ 38,1 23,0
2 União Europeia (G17)¹ 43,1 25,4
3 Brasil² 27,5 15 (+10)³
4 Dinamarca¹ 55,4 25,0
5 Alemanha¹ 47,5 29,8
6 Espanha¹ 52,0 30,0
7 Grécia¹ 49,0 20,0
8 Finlândia¹ 49,0 24,5
9 França¹ 46,8 36,1
10 Reino Unido¹ 50,0 24,0
11 Noruega¹ 40,0 28,0
12 Itália¹ 47,3 31,4

¹ Fonte: Eurostat News Release, nº 68, abr. 2013. Taxation trends in the European Union

² Fonte: Receita Federal. Carga Tributária no Brasil 2012. Brasília, dezembro 2013.

³ A parcela do lucro real que exceder ao resultado da multiplicação de R$20.000,00 (vinte mil reais) pelo número dos meses do respectivo período de apuração sujeita-se à incidência de adicional, com alíquota de 10% (dez por cento).

Portanto, muito embora o Brasil mantenha uma taxa de imposto de renda para as empresas, excluída à vantagem destinada às micro e pequenas empresa (15%), dentro do patamar médio europeu (25%), a tributação sobre a renda individual ainda é limitada no índice máximo de 27,5%, e em apenas cinco faixas [destaco que é recente a tributação em cinco faixas, introduzida no 2º mandato do presidente Lula. No passado, a situação era ainda mais regressiva, posto que existiam apenas três faixas de cobrança do imposto de renda para pessoas físicas]. Além disso, como já destacamos, o grosso desta retenção é realizado na fonte.

Logo, para garantir maior justiça tributária, seria necessário ampliar o número de faixas de tributação, e elevar o valor da alíquota máxima para as faixas de maior renda, diminuindo a incidência sobre a classe trabalhadora. Isto poderia redundar em menor distorção, favorecendo amplamente uma redistribuição econômica através da melhoria das políticas públicas.

Nesse sentido, divirjo e não vejo procedência no argumento daqueles que sustentam ser necessário melhorar a qualidade do serviço público para fazer crescer a carga tributária. Ao contrário, para melhorar a prestação de serviços públicos, como saúde e educação, é necessário corrigir a distorção dos tributos, reduzindo a incidência sobre o consumo e aumentando a cobrança sobre as faixas econômicas de maior renda.

III – Considerações finais

O exemplo nórdico de maior igualdade e melhores serviços públicos, adotado na Suécia, na Finlândia, na Noruega e Dinamarca, aponta para a necessidade de modificação no nosso modelo tributário, priorizando os impostos progressivos, especialmente sobre a renda individual, em detrimento dos impostos regressivos e indiretos, como a tributação sobre o consumo.

Por fim, resta destacar que o Brasil ainda está muito abaixo dos outros países na tributação do patrimônio, haja vista que o IPTU, imposto municipal, sofre muito com a falta de atualização da planta de valores prediais, fragilidade dos cadastros das administrações locais, e elevado grau de informalidade urbana. Destaco que esta informalidade inclui muitos espaços ocupados por grupos de maior renda, como o entorno do Lago Paranoá, em Brasília, redundando numa elevada perda de receitas e em mais injustiça social.

Portanto, considerando os elementos apresentados acima, considero como essenciais algumas medidas:

Elevação do número de faixas do imposto de renda e aumento da taxa máxima de incidência sobre os maiores rendimentos. Para tanto, não é necessária Emenda Constitucional, mas simples modificação legislativa;

Investimento na melhoria da gestão tributária municipal, para reduzir a renúncia tributária do IPTU. É uma medida administrativa e legislativa local, não precisando de mudança constitucional;

Limitação e simplificação dos impostos sobre o consumo, reduzindo o peso da carga dos impostos indiretos. Nesta esfera será obrigatória a Emenda Constitucional e em Lei Complementar. Como o imposto mais pesado é o ICMS, também será necessária discussão com os outros entes federativos; e

Simplificação das contribuições sociais, o que tende a diminuir a sonegação fiscal.

A atualização da planta de valores e do cadastro imobiliário dos municípios permitirá uma maior autonomia gerencial dos governos locais e uma menor dependência do ICMS. Além disso, a mudança do modelo do imposto de renda com maior progressividade também poderá compensar perdas de arrecadação através do Fundo de Participação dos Municípios.

Destaco que estes são apenas levantamentos iniciais, e não uma solução completa para a nossa reforma tributária, o que depende de um estudo aprofundado sobre alíquotas, mecanismos de repasse e de gestão. Contudo, fica evidente que a nossa carga tributária não é elevada, mas profundamente injusta.

Em face destas informações, é necessário reduzir o peso dos tributos sobre a classe trabalhadora e sobre os consumidores, repassando este custo para os grupos de alta renda, ainda beneficiados pelo caráter regressivo do nosso sistema tributário. Entretanto, será necessário superar o perfil absolutamente conservador do Parlamento eleito em 2014.

IV – Referências:

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999.

EUROSTAT. Eurostat News Release, nº 68, abr. 2013. Taxation trends in the European Union.

EUROSTAT. Taxation trends in the European Union. Italy: European Union, 2014.

IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário: Evolução da Carga Tributária Brasileira e Previsão para 2013. Curitiba: IBPT, dezembro de 2013.

RECEITA FEDERAL. Carga Tributária no Brasil 2012. Brasília, dezembro 2013.

TERRA EDUCAÇÃO. Ensino Superior Pago: veja os casos de EUA, França e Chile. Crise na USP provou a discussão sobre a possibilidade de mensalidade em instituições públicas. Disponível: http://noticias.terra.com.br/educacao/ensino-superior-pago-veja-os-casos-de-eua-franca-e-chile,7649b8abb04c6410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em 02 de novembro de 2014.

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Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em Ciências Sociais