Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Os três imperialismos e ‘A hora da estrela’ dos povos

1.

Se se considera o romance A hora da estrela (1977) da escritora brasileira Clarice Lispector, seria possível perguntar: quem é a protagonista, Macabéa? Sim, é uma nordestina analfabeta que vive numa cidade letrada, Rio de Janeiro – e letrada porque a escrita é nela e em qualquer cidade do mundo ocidentalizado um referencial onipresente em todos os espaços. Não saber ler e escrever num ambiente urbano é como não conhecer as trilhas de uma floresta densa, cheia de perigos, tornando-se presa fácil de diversas situações, previsíveis e imprevisíveis.

2.

Macabéa, pois, é o outro lado da escrita num contexto em que esta inscreve por sua vez a sua impossibilidade de ser. A escrita, portanto, no romance de Clarice Lispector, é para a protagonista analfabeta, uma ameaça e uma sentença de morte, tornando-a anônima, invisível, impossível. Tendo em vista que o romance narra efetivamente a vida de quem não se escreve porque não está na escrita, o que na obra se coloca sob o ponto de vista estético, é: a literatura é instância do impossível porque deve se voltar contra si mesma (contra a cultura letrada) a fim de se tornar minimamente apta a narrar invisíveis Macabéas.

3.

A literatura é pois questão de analfabetas, pelo simples fato destes existirem. A literatura deve analfabetizar-se, incorporando as singularidades milenares da racionalidade oral dos povos. A literatura é, assim, questão de povos analfabetos. Tudo que não seja isso não é literatura, mas outra coisa qualquer: república das letras, subserviência às prosódias dominantes, a que damos o singelo, e nem por isso menos perverso, nome de escrita padrão ou alta cultura.

4.

Se a alteridade, como argumentava Emanuel Levinas, é o rosto vulnerável ao qual a rostidade dominante impõe essa sentença de morte, “matarás!”, a escrita alfabética seria o rosto judiciário que legisla por todos os lados tal veredito, tornando-o quotidiano, normal. Mas então a escrita de Macabéa ou o romance A hora da estrela como escrita não seria na verdade escrita alfabética? Como é possível escrever e desescrever ao mesmo tempo?

5.

Se se considera a propósito o livro A farmácia de Platão, do filósofo francês Jacques Derrida, a pergunta precedente é a que se inscreve tem todo o livro. Neste o argumento favorável à escrita está na relação suplementária com sua orfandade. Derrida, em diálogo com Fedro, de Platão, subverte o pavor que Sócrates demonstrou ter com a escrita. Sendo herdeiro da cultura oral aristocrática da e na Grécia da Antiguidade, Sócrates recusou terminantemente o advento da escrita alegando que esta era perigosa porque não tem pai e nem origem, razão pela qual poderá ser usada por qualquer pessoa.

6.

O temor socrático, portanto, tem nome: o qualquer um que poderá escrever contra os poderes constituídos, destronando-os. No romance de Clarice Lispector aqui analisado esse “qualquer um” tem nome: Macabéa. É de Macabéa, portanto, que Sócrates tinha medo, porque deduzia a partir de seu lugar aristocrático que se a Macabéa povo aprendesse a se expressar livremente pela escrita, alimentando sua potência órfã, a aristocracia grega estaria em perigo de extinção.

7.

Como sabemos, a Europa se posicionou como herdeira da cultura aristocrática grega, razão suficiente para deduzir que herdou também esse problema igualmente aristocrático grego presente em Fedro, de Platão, a saber: como controlar a escrita órfã impedindo que qualquer uma, a Macabéa povo, escreva sua própria orfandade na pauta vazia do papel ou da tela do computador de tal modo a questionar todas as paternidades, todas as origens e por consequência o rosto dos poderes constituídos?

8.

Esse problema grego foi assim equacionado pela colonização/imperialismo europeu: a escrita deixará de ser órfã se na sua prosódia estabelecemos o lugar de quem sabe e também por tabela o lugar de quem não sabe escrever? A Europa imperialista, portanto, usou a escrita como ferramenta de dominação transformando-a em uma questão que não deixa de ser aristocrática, de educação, logo de família. Existem aqueles que sabem escrever, que dominam sua técnica; e igualmente existem aqueles que não o sabem.

9.

Estes últimos, os analfabetos, devem ser expulsos da República das Letras. Num certo sentido, é esse exercício fascista que realiza por todos os lados os sistemas de avaliação, ao fim e ao cabo em todos os lugares do mundo. No fundo e no raso o que se avalia nos exames escolares, inclusive nos concursos públicos, é: detectar quem sabe escrever em conformidade com a prosódia eurocêntrica e ao mesmo tempo desclassificar sem piedade quem não sabe.

10.

Chamemos de imperialismo europeu essa relação prosódica da escrita alfabética como forma de dominação dos povos periféricos. A expansão desse imperialismo se deu da seguinte maneira: nós, os europeus, conhecemos (um saber evidentemente exotérico) a verdadeira escrita; vocês, os bárbaros, não a conhecem. Deixarão, portanto, de serem bárbaros e se transformarão em civilizados se e somente se aprenderem a escrever corretamente, em conformidade com o sistema de bens da civilização ocidental.

11.

A escrita, vista dessa maneira, não é órfã. Ela tem rosto: o sistema de bens grafocêntricos da civilização ocidental. No fundo e no raso, nesse sistema de bens um rosto se inscreve de forma onipresente, ainda que sublinhar: o rosto do europeu.

12.

O problema aristocrático grego da orfandade da e na escrita, portanto, foi equacionado dessa maneira pela Europa imperialista: se a escrita é perigosa porque não tem rosto a solução é simples: conformemos um rosto para ela, ainda que abstrato, e por isso mesmo mais poderoso; mais divino: o rosto do sistema de bens do Ocidente ricocheteando o tempo todo no rosto branco do europeu, como se este fosse a própria pauta vazia ou o suporte a partir do qual todas as escritas deveriam ser testadas. Dessa maneira, seria/será possível avaliar aqueles que sabem e aqueles que não sabem escrever, classificando-os e dividindo-os. Logo incluindo os que sabem e excluindo os que não sabem, em contextos planetários tais em que a maioria esmagadora da humanidade é colocada à priori na condição de não saber escrever: os novos velhos bárbaros.

13.

Se o imperialismo, em conformidade dom Lenine (1916), é a fase final do capitalismo e se este se reinventa tendo em vista precisamente a possibilidade de seu término, chamo de primeiro imperialismo o europeu. Diante deste, a questão Macabéa, que é uma questão povo, assim se equaciona, sob o ponto de vista da orfandade da escrita: o rosto europeu é a fase final co-capitalismo, sua origem e seu fim, em contextos em que o que se escreve é essa origem sem fim como referência divina para os colonizados do mundo.

14.

Por outro lado, assim como a emergência da escrita colocou um problema para a oligarquia oral grega, a que Sócrates deu o nome de escrita órfã e assim como a expansão europeia equacionou esse problema grego impondo seu próprio rosto sem começo e sem fim para os colonizados do mundo, chegou um momento em que também o imperialismo europeu se viu emparedado com um novo problema, a saber: o que fazer com os humanos que não sabem nem ler e nem escrever? O que fazer, pois, com Macabéa?

15.

Não podendo, por razões diversas, equacionar essa última questão, outro imperialismo emergiu para equacioná-la: o americano. Este sem destituir a centralidade grafocêntrica da rostidade europeia, marca do primeiro imperialismo, a deslocou para a indústria cultural. A questão Macabéa, fundamentalmente se tornou uma questão povo, foi gestada pelo imperialismo americano por meio da indústria cultural que a incorporou multiplicando rostos. Se o imperialismo europeu instituiu a centralidade do rosto de si, o americano por outro lado multiplica rostos e assim fazendo incorpora, edita e reedita o rosto de Macabéa, o povo.

16.

Reside aí a importância da indústria cultural para o imperialismo americano. O domínio dela em escala mundial é indispensável porque ela é a principal indústria de dominação da atualidade e como tal fabrica uma mercadoria especial: a mercadoria rosto de e para Macabéas, produzindo planetariamente edições de formas rostos dos povos do mundo.

17.

Se o nazismo puder ser considerado apenas um sintoma de uma forma de imperialismo, a europeia, porque sua pureza de sangue é e seria a expressão genuína de um imperialismo vocacionado a impor seu próprio rosto branco como alfabética prosódia de pureza de raça; o segundo, o americano, tem como sintoma outra forma de nazismo: o da pureza multiplicada à escala povo, que nada mais é que a escala das etnias, religiosidades, gêneros, epistemes, culturas dos povos do mundo.

18.

O imperialismo americano, sob esse ponto de vista, não destituiu a questão da pureza de raças, típica do imperialismo europeu. Antes pelo contrário: a multiplicou. As guerras de genocídio que ocorrem em todos os lugares do mundo são pois o sintoma de um nazismo multiplicado. Vivemos, portanto, sob o ponto de vista do imperialismo americano, numa humanidade nazista.

19.

O imperialismo americano é a própria indústria cultural. Ele partiu do sintoma nazista da rostidade do imperialismo europeu para transformar a humanidade toda na expressão genocida e autogenocida desse sintoma. Nunca houve portanto eixo do bem contra o eixo do mal, na Segunda Guerra Mundial, pelo menos se considerarmos a presença de Estados Unidos como liderança de tal eixo “ocidental democrático”. E não houve por uma razão simples: o imperialismo americano aprendeu com Hitler a política racista e genocida inscrita na ideia de superioridade racial do germanismo, sintoma do imperialismo europeu, incorporando e dilatando essa tecnologia de pureza de sangue para o mundo todo como forma de dominação das Macabéas do mundo.

20.

Não entender a monumental onipresença, em escala planetária, dessa política nazista multiplicada à escala dos povos do planeta é não entender o mundo contemporâneo. Por todos os lados, o que vemos é uma total incompreensão dessa questão literalmente de vida e de morte. E por uma razão muito simples: estamos ainda, os povos do mundo, edipianamente presos nas armadilhas do imperialismo europeu como se este ainda detivesse protagonismo.

21.

A incompreensão em relação a esse novo sintoma nazi povo, orquestrado pela indústria cultural, transforma-nos em agentes do nazismo do e para o imperialismo americano. Mas como funciona esse nazi modelo de rostos de Macabéa?

22.

Para responder a essa questão, seria interessante considerar o final do romance A hora de estrela, de Clarice Lispector. Para quem leu essa singular obra, a analfabética Quixote brasileira, Macabéa, diante das adversidades que encontra numa cidade letrada, que a inferioriza e a torna anônima, resolve procurar uma cartomante, dona Carlota, que assim lhe prediz o futuro, precisamente com a ilusão de um novo amor, o estrangeiro Hans, assim descrito: “Pois vai conhecer (a Hans). Ele é alourado e tem olhos azuis ou verdes ou castanhos ou pretos. E se não fosse porque você gosta de seu ex-namorado, esse gringo ia namorar com você. Não! Não! Não! Agora estou vendo uma coisa ( explosão) e apesar de não ver muito claro estou também ouvindo a voz de meu guia: esse estrangeiro parece se chamar Hans, e é ele quem vai se casar com você! (LISPECTOR, p. 77, 1998)”.

23.

O imperialismo americano simplesmente age como a Dona Carlota do romance de A hora da estrela. Ele nos prediz um presente e um futuro glamouroso, às Macabéas do mundo; e tanto mais glamouroso porque nos induz a acreditar que os povos não europeus do mundo se casarão com o rosto do imperialismo europeu. Assim esse segundo imperialismo nos parodia, via indústria cultural.

24.

Eis porque a indústria cultural é também uma dona Carlota, razão suficiente para dizer que o imperialismo americano é a própria indústria cultural. Os Estados Unidos, sob esse ponto de vista, constitui-se como uma indústria cultural – uma dona Carlota que ilude a humanidade toda, os bárbaros do mundo, com a promessa de um casamento glamouroso com o nazismo do e no imperialismo europeu.

25.

Para tanto, tendo em vista o conceito de biopoder de Michel Foucault, transforma a humanidade toda numa multiplicidade de rostos que se confessa como puramente mulher, puramente negra, puramente indígena, puramente latina, puramente muçulmana, puramente xiita, sunita, curda, gay e assim por diante, em contextos em que a indústria cultural (incluindo as velhas mídias, como rádio e televisão, mas também as novas, como as redes sociais) se torna o suporte a partir do qual nos escrevemos e nos confessamos quem acreditamos ser, de forma crédula, como uma religião.

26.

A indústria cultural nos ilude, como dona Carlota de A hora da estrela a acreditar na pureza angelical de nosso próprio rosto e assim fazendo nos promete um casamento com a rostidade dominante do imperialismo europeu.

27.

Chegou pois o momento de dizer com todas as letras: as políticas afirmativas do contemporâneo são racistas, para não dizer nazistas. O imperialismo americano capturou as lutas e os desejos de liberação dos povos do mundo, oprimidos pela ditadura mundial do rosto branco do e no imperialismo europeu, para gestá-las à maneira de dona Carlota, de A hora da estrela. Por meio antes de tudo da indústria cultural, somos estimulados (explosão subjetiva) a nos confessar o que pensamos ser e assim fazendo somos transformados em rosto mercadoria, o que significa dizer: somos comprados e, quando podemos (situações raras), compramos mundialmente rostos confessados.

28.

A narcísica cultura afirmativa que domina o contemporâneo é simplesmente um engodo para as Macabéas do mundo. Além de ser uma pólvora que pode e é acendida a qualquer momento, levando povos a guerrearem povos, as políticas afirmativas no geral buscam ascensão na ordem burguesa, razão pela qual, como dona Carlota, nos promete um Hans burguês como objetivo de desejo, o que é absolutamente impossível, pela singela razão de que a civilização burguesa, seja por meio de seu primeiro imperialismo, o europeu, seja por meio de seu segundo, o americano, vive de excluir, roubar e matar Macabéas.

29.

O Emirato Islâmico (IS), sob esse ponto de vista, assim como Hitler para o imperialismo europeu, é o sintoma por excelência do imperialismo americano – e não o é apenas porque os Estados Unidos os financiam, os treinam e os armam, mas também porque são um bando religioso de confessados que se afirmam como escolhidos por Alá, como nos afirmamos e nos concebemos como escolhidos por nossa suposta pureza étnica, de gênero, de classe, cultural.

30.

A única saída para a humanidade é a que nos sugeriu o astronauta russo Yuri Gagarin, quando nos viu de fora da Terra, a saber: somos um mesmo e diverso povo; somos uma mesma e diversa Macabéas. A única autoafirmação possível no contemporâneo é: afirmarmos como irmãos em povos. Para tanto, é necessário destituir o sistema de rosto do imperialismo americano, que funciona não apenas iludindo, via indústria cultural, os rostos das Macabéas do mundo, fazendo-as confessar, mas também transformando tudo em rosto, inclusive países.

31.

Sob esse ponto de vista, é preciso recuperar como nunca o Marx, por exemplo, dos Gründrisse (1857-1861), livro no qual afirmava que a ordem/desordem do capital é planetária e que deveria ser combatida nesse plano – nunca no plano dos países, isoladamente e também, por consequência, nunca no plano das confissões de gênero, étnica, de classe, igualmente de forma isolada, reificada.

32.

A única confissão possível é a confissão mundial das Macabéas do mundo, em contextos em que a autoafirmação só tem validade revolucionária se contiver em si o seguinte axioma: confessar-nos como iguais povos Macabéas, para além das fronteiras nacionais (mas exigindo o respeito integral à soberania dos povos), tendo como interlocutor a ser negado e superado o imperialismo europeu, o americano e o terceiro, que está emergindo: o periférico.

33.

E o que é o imperialismo periférico? Como se manifesta? Se consideramos o papel desempenhado pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), mas não apenas, o imperialismo periférico emerge gradativamente destituindo a centralidade da dona Carlota Estados Unidos da América, pois não mais acredita em suas promessas de glamour baseadas na ilusão do casamento da periferia com o estado de bem-estar social do e no imperialismo europeu, hoje, como sabemos, em ruína.

34.

Como o imperialismo americano está em guerra contra o mundo inteiro, sendo sem dúvida alguma o maior perigo contra a vida na Terra, o imperialismo periférico não se opõe abertamente ao imperialismo americano. Joga com ele tendo em vista o mesmo sistema de cartas (de cartomantes), que é também um sistema de ilusionismo de rostos.

35.

O caso mais agônico e ao mesmo tempo curioso desse jogo de cartomantes entre o imperialismo americano e o periférico emerge precisamente no Brasil, com a indicação, por Dilma Rousseff, de sua “nova” equipe econômica. É evidente que os rostos escolhidos por Dilma Rousseff foram e são criação do imperialismo americano, não sendo circunstancial que o novo ministro da economia seja nada mais e nada menos que Joaquim Levy, um economista neoliberal formado pela Escola de Chicago.

36.

Não obstante essa rendição escandalosa, na verdade uma traição às urnas, como explicar que o mesmo governo, o de Dilma Rousseff, tenha produzido um projeto de Lei (aprovado pelo Congresso brasileiro no último dia 03 de dezembro) que flexibiliza os gastos com os recursos do superávit primário, base para o tripé econômico neoliberal, fundado na religião confessada dos juros altos, da valorização cambial e na economia forçada do governo com o objetivo de garantir o pagamento dos serviços da dívida com os banqueiros, o superávit primário? Como combinar a escolha de uma suposta equipe econômica ortodoxa e a flexibilização do superávit primário? Como pôde aceitar isso o Chicago boy, Joaquim Levy?

37.

Essa confusão de rostos que desnorteia tanto a direita brasileira como a esquerda tem um nome: tática do imperialismo periférico em ação. Sabendo que o imperialismo americano, a dona Carlota da indústria cultural do e no mundo, iludi-nos jogando com rostos, o que o governo Dilma Rousseff está fazendo é devolver o veneno: “Sim, como vocês agem brincando com rostos, nós também podemos fazê-lo. Querem uma equipe econômica neoliberal? Eis”. Mas ao mesmo tempo procura avançar na destituição da religião neoliberal, esforçando-se, ainda que de forma desesperada, para sair do domínio onipresente do sistema de rosto do imperialismo americano.

38.

Esse terceiro imperialismo está engatinhado ainda. O exemplo brasileiro oferecido é na verdade uma caricatura de sua ação, para não dizer, uma tragicomédia de erros. Para avançar, precisa antes de tudo produzir um contraveneno no campo específico do imperialismo americano, a indústria cultural.

39.

O imperialismo periférico necessita com urgência produzir de forma orquestrada sua própria indústria cultural, somando esforços monumentais em comum. É fundamental que o BRICS produza seu próprio Google, seu próprio Facebook, seu próprio sistema integrado de televisão, de rádio, de imprensa escrita.

40.

É pois indispensável que o imperialismo periférico produza sua própria indústria cultural, entendida como empresa mundial de produção de rostos como forma-mercadoria.

41.

Se a revolução, sob o ponto de vista do século 19 e 20, deveria ocorrer com os operários tomando as fábricas dos burgueses, socializando-a, hoje a revolução passa necessariamente com a tomada da fábrica da indústria cultural do imperialismo americano, igualmente socializando-a.

42.

Evidentemente, por ser oligárquico, o imperialismo periférico não pretende socializar a fábrica da indústria cultural, mas se quiser ter êxito, precisará inevitavelmente (para ontem) produzir sua ilusionista indústria de rostos.

43.

Precisa, portanto, ser uma dona Carlota efetiva, o que só é possível decretando o fim imediato da dependência da dona Carlota Estados Unidos, a que normalmente chamamos de Hollywood, Rede Globo, Folha de São Paulo, Veja, El País, Facebook, Google, e assim por diante.

44.

Para além dos três imperialismos A hora da estrela dos povos, assim como aconteceu com o melhor da literatura no campo da escrita alfabética eurocêntrica, precisa produzir-se escrevendo-se como escrita órfã nos suportes da indústria cultural.

45.

Para tanto, é fundamental democratizá-la radicalmente, impedindo que qualquer forma de imperialismo a transforme em fábrica de sua própria dinâmica ilusionista de rostos.

46.

Isso só será possível, no entanto, quando não acreditarmos em donas Carlotas, venham de onde vierem.

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Luis Eustáquio Soares é professor, Serra, ES