Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A RBS e os jornalistas

Quando o então jurado do grande Prêmio Esso de reportagem Milton Coelho da Graça publicou um belo texto neste Observatório sobre a polêmica premiação do jornalista Renan Antunes de Oliveira, com “A Tragédia de Filipe Klein”, eu pensei que nós, jornalistas, tivéssemos aprendido alguma coisa. A premiação contestada pela grande imprensa se deu, principalmente, pela biografia polêmica do repórter e por ele fazer parte do time do diminuto jornal parafraseando Coelho da Graça e o ditado popular, “outra coisa é outra coisa”. E aqui está a mesma essência que envolve um debate oportuno e extremamente necessário.

Não é novidade para ninguém que a RBS está na lista dos investigados na Operação Zelotes. Um esquema de fraude no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), onde um grupo procurava empresas com altos valores contestados junto ao Fisco e oferecia anulação de multas em troca de propina. O grupo teria pagado R$ 15 milhões para eliminar uma dívida de R$ 150 milhões, segundo a Polícia Federal. Até o dia 30/3, a rede não havia sido notificada pela justiça e negava as acusações.

É aí que, novamente, outra coisa virou mais do mesmo. Jornalistas que trabalham em veículos da RBS sofreram uma série de ataques em que a sua credibilidade e o compromisso com a verdade foram postos em xeque por conta das supostas irregularidades fiscais da empresa em que trabalham.

Mais: um jornalista, Marcelo da Silva Duarte, publicou um texto, “Comunicado aos colaboradores do Grupo RBS”, em que faz críticas inconsequentes e mostra se regozijar com a suposta lama em que os funcionários da rede estariam atolados, segundo o próprio autor. Surpreende-me que esta pessoa, supostamente um filósofo, tenha tamanha nulidade de discurso e que o alcance das suas interpretações seja tão inocente.

A salada de frutas que é feita por muitos jornalistas e pelo público é de dar náuseas a qualquer pessoa que consiga juntar o tico e o teco. E a explicação é muito simples. Está lá, no início do texto. Na boca de outrem.

O jornalismo é um bem cultural e um negócio

É ingenuidade imaginar que a plebe de um império de comunicação, nós, os jornalistas, tenhamos qualquer envolvimento, ativo ou não, com escândalos fiscais deste porte. Mas essa situação é interessante, creio. Serve para incitar um debate em que o tema central são os jornalistas e não as empresas nas quais trabalham. E esta compreensão está deficiente na nossa sociedade. Como tantas outras que se deterioram com o tempo.

Claro que os jornalistas são submetidos a linhas editoriais predefinidas (os melhores as quebram e os editores mal notam), pressões políticas e autocensura. Muitas forças, que, sabe quem conhece o ambiente de uma redação, são sutis, partem do próprio jornalista jogando contra ele mesmo, e podem passar anos sem que ele se dê conta. A ideia de que o dono do jornal desce da sua torre para mandar e desmandar nas redações é ultrapassada e caricata. Claro que existe, em maior ou menor grau, mas requer muito mais tato do que antigamente. São espécies de operações clandestinas que os repórteres não devem saber, pois podem jogar contra.

Claro que os jornalistas, enquanto instituição, têm a sua credibilidade abalada em tempos onde se suspeita que a empresa que os emprega participou de corrupção ativa. É impossível desvencilhar esta ideia. No entanto é preciso que entendamos que o jornalista, enquanto indivíduo, nada tem nada a ver com o fato.

Ou podemos utilizar uma linha de pensamento esquizofrênica que parte do pressuposto que todos os funcionários da Petrobras são corruptos e sabiam dos desvios realizados. É a mesma situação. Mas os jornalistas, por publicarem notícias, vestem-se de vilões maquiavélicos tramando a manipulação global da opinião pública em benefício da empresa que os emprega? Não.

Vamos além: já perambulei por algumas redações e nunca conheci um jornalista que fosse a favor da ditadura militar. Todos se posicionam absolutamente contra. E está historicamente provado e documentado que os maiores grupos de mídia do país, incluindo a RBS, apoiaram o golpe de 1964 e se beneficiaram dele. Temos uma contradição aí. A repostas é muito simples: jornalistas produzem notícias e reportagens, donos de jornais cuidam dos negócios. E jornalismo é, ao mesmo tempo, um misto quente de bem cultural e negócio. O bem cultural é a produção dos jornalistas. Os negócios são assuntos dos donos.

A crítica da mídia, por essência, vai trabalhar com a figura das instituições e dos sistemas na comunicação. Criticando-os e propondo novas formas de atuação. Aquele comunicado aos colaboradores da RBS não é nada disso.

Por isso que, de novo, “outra coisa é outra coisa”.

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Tiago Lobo é jornalista e editor da revista Pensamento