“Omissão caracteriza crime.” (Ministro presidente do STF, Joaquim Barbosa)
Começo esse artigo com a seguinte pergunta: por que a imprensa cearense se nega a noticiar os fatos denunciados contra a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Ceará (Sindjorce) em processo de autoria do MPF, com sentença condenatória e não toca nesse assunto há 10 anos?
Resposta: tocar nesse assunto agora é reconhecer que no início da década passada as notícias pautadas pelo Sindjorce e Fenaj não foram apuradas, não houve imparcialidade, não foi feito nenhum contraponto, tudo isso devido ao corporativismo excedido. Então é melhor esquecer, não tocar no assunto.
Lembremo-nos do pensamento do jornalista e professor Reinaldo Azevedo que diz:
“Setores importantes da imprensa brasileira transformaram a imparcialidade, que pode ser uma virtude, num vício. E a verdade é a primeira vítima desse procedimento. Sob o pretexto de apenas 'informar', o jornalismo não pode se abster de explicar ao leitor se o que dizem A e B corresponde ou não aos fatos. Se não for assim, basta, então, aos partidos políticos manter uma sessão permanente destinada a fabricar declarações bombásticas. E o leitor e a verdade que se danem.”
Vejamos o que o ex-professor Robson Fraga fala sobre ética jornalística:
“Pensar a ética jornalística no dia-a-dia das redações é antes de tudo cobrar do repórter responsabilidade na apuração e redação dos fatos. Definir o que é notícia e mostrá-la de forma verdadeira e clara, deixando de lado todas as convicções partidárias à pauta para refletir no texto apenas o que foi apurado in loco. Caso esta regra clássica não possa ser cumprida é melhor ‘deixar à pena de lado’ e a matéria apenas na cabeça de quem a pensou. No jornalismo ético só há lugar para opiniões em colunas, artigos e editoriais.”
Uma nota de cinco itens do Sindicato
Desde o ano de 2002 – após colação de grau em 22 de fevereiro – se tenta levar às páginas dos jornais e espaço nos veículos de comunicação eletrônica do Ceará a versão dos ex-estudantes de jornalismo – turma 2002.1 da Universidade Gama Filho-CE – para os fatos publicados pela imprensa cearense entre os anos de 2000 e 2002, tendo como pauteiro oficial o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Ceará (Sindjorce) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e nada se consegue.
Tocar nesse assunto é remoer um passado que a maioria dos jornalistas graduados que ocupavam espaço nas redações cearenses no início da década de 2000 não deseja falar. É melhor esquecer, já que a justiça nos deu ganho de causa, para o exercício profissional de jornalismo com o diploma de curso sequencial (dois anos numa faculdade, e não quatro como é na graduação de Comunicação Social).
Esse assunto tem sido evitado por mais de uma década nas redações de jornais, TVs e rádios, pois envolve as duas principais entidades do jornalismo cearense e do jornalismo brasileiro, em um episódio em que a Constituição Federal e o Código dos Jornalistas Brasileiros foram desrespeitados com o discurso que “os fins justificam os meios”.
A discussão da validade do diploma do Curso de Jornalismo da UGF-CE, para a obtenção do registro de jornalista profissional começou no segundo semestre do curso sequencial, em setembro de 2000, após uma nota na imprensa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Ceará (Sindjorce), compostas por cinco itens, em que questionava o curso e o funcionamento da Universidade Gama Filho em Fortaleza.
Curso sequencial é curso superior
No quinto e último item da nota, o sindicato dos jornalistas afirmou à época:
“A UGF não pode formar os repórteres do futuro, pois, em Fortaleza, não pode capacitar ninguém ao exercício da profissão de jornalista, como erroneamente afirma o referido encarte. (se referindo a uma publicação publicitária dos cursos da universidade, que foi divulgado naquele período) Conclamamos a sociedade civil cearense em geral e, em particular os jornalistas profissionais a reagirem com energia às tentativas de mercantilização do ensino superior e desregulamento da profissão de jornalista”.
Aí começava a defesa corporativista que dura até hoje. Por se tratar de um curso superior com menor tempo que uma graduação – que é de quatro anos de ensino universitário –, o curso sequencial de jornalismo, com dois anos de ensino superior, causou uma grande polêmica quanto à validade do diploma com notas em todos os jornais locais, além de matéria veiculada na revista Vejana época do fato. Na ocasião se discutia o Decreto-lei 83.284 de 13/03/79, que dá nova regulamentação ao Decreto-lei 972, de 17/10/69, ao dispor sobre o exercício da profissão de jornalista. Assim os decretos tratam à questão:
Art. 4º. – O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional do Ministério do Trabalho que se fará mediante apresentação:
III – Diploma de curso de nível superior de jornalismo, fornecido por estabelecimento de ensino reconhecido na forma da lei, para as funções relacionadas nos itens I a VII, do Art. 11. (aqui relaciona as funções que o registro de jornalista profissional dá direito).
O Sindjorce contestou a validade do diploma sequencial de jornalismo para o exercício profissional – quando era obrigatório o diploma de curso superior para a atividade jornalística nas redações brasileiras. Os formados do curso superior de jornalismo precisaram procurar a Justiça Federal para resolver a discussão. O embate jurídico passou em primeira instância por juízes e depois foi analisado em segunda instância por desembargadores federais do TRF 5ª Região, em Recife, PE. Os juízes e desembargadores federais entenderam que o curso sequencial de jornalismo ofertado pela Universidade Gama Filho, sede Fortaleza, apesar de ter um período menor que a graduação – de dois anos – é, sim, curso superior de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quando disciplinou a abrangência dos cursos e programas da educação superior.
Opecado da omissão
O embasamento das sentenças, depois confirmadas em acórdãos, foi feito na análise do artigo 44, I, da Lei 9.394, de 20/12/96, na resolução de nº 1, de 27/01/99 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, na portaria do Ministério da Educação e Cultura (MEC) nº 752, de 02/07/97 e portaria do MEC nº 612, de 12/04/99.
Vejamos o que diz o Art. 44 da LDB:
A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I – Cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendem aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino;
II – De graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;
III – De pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização e aperfeiçoamento e outros, aberto a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino.
Por se tratar de uma figura nova na educação superior, o curso sequencial é uma modalidade à parte dos demais cursos de ensino superior, tal como até hoje entendidos. Enquanto modalidade específica distingue-se dos cursos de graduação e com estes não se confundem. Os cursos sequenciais não são graduações nem cursos técnicos, mas ambos, sequenciais e de graduação são pós-médios e, portanto, de nível superior.
A Fenaj e Sindjorce estão sendo julgadas em um processo de autoria do MPF que ainda não transitou em julgado. A imprensa cearense não faz parte de tal processo para ser julgada, pois seu julgamento não será feito por um juiz togado e de martelo em punho, ou por um colegiado de desembargadores federais, mas sim, pela história. Colegas jornalistas pesquisadores e futuros jornalistas que se interessarem em conhecer melhor o nosso caso para estudo na academia, poderão consultar as páginas dos jornais durante os anos de 2000 a 2002: lá estão escritas notas e matérias a respeito do assunto, cabendo ao pesquisador avaliar e julgar que tipo de jornalismo foi praticado. Atualmente a imprensa cearense está cometendo outro pecado, o pecado da omissão em defesa das entidades. Quando a omissão não é julgada pelos os homens a história se encarrega dela.
Para não cometer injustiça
Para não cometer nenhuma injustiça, não posso afirmar que nada foi publicado ou comentado nos veículos de comunicação no Ceará sobre esse assunto, pode ser que um ou outro jornalista cearense tenha dado alguma nota a respeito do assunto nos espaços por ele ocupado em jornal, rádio e TV. Devido ao meu trabalho, passo pouquíssimo tempo em Fortaleza e não posso acompanhar a atividade da imprensa do Ceará na íntegra. Porém, não fomos procurados por nenhum produtor de rádio ou TV, bem como, nenhum repórter de jornal local entrou em contato conosco para saber detalhes dos documentos apresentados no processo que somos o representante da denúncia junto ao MPF. Ou seja: até o momento nenhum veículo de comunicação cearense se disponibilizou a fazer um debate aberto e democrático conosco e representantes das entidades envolvidas Fenaj e Sindjorce, sobre a denúncia e decisão jurídica.
O processo tendo como autor o Ministério Público Federal (MPF) no Ceará e Fenaj e Sindjorce como réus, já foi julgado em primeira instância na 2ª Vara Federal no Ceará. O juiz federal substituto na seção judiciária do Ceará, dr. Felini de Oliveira Wanderley, em sentença (parcialmente procedente) Nº 002.000784-0/2012, no processo Nº 00011783-78.2012.4.05.8100, páginas 661 a 666, condenou os réus, Federação Nacional dos Jornalista – Fenaj e Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará – Sindjorce, a recolherem – após o trânsito em julgado – todas as carteiras de identidade de jornalista profissional, tendo na função jornalista profissional diplomado, expedidas ilegalmente pelas entidades de classe (Fenaj e Sindicatos Regionais) em território nacional.
A sentença prolatada pelo Juiz substituto da 2ª Vara Federal diz o seguinte:
“(…) a expedição de carteira profissional constitui atividade regulamentada pela União, cabendo ao Ministério do Trabalho e Emprego efetuar o registro profissional de jornalistas em duas categorias, indicando ‘Jornalista Profissional’ se o requerente for detentor de curso superior, ou somente, ‘Jornalista’, caso o solicitante não detenha diploma de curso superior.
(…) de fato, restou comprovado nos autos (fls. 549/550) a emissão de carteiras profissionais pelos réus de ‘Jornalista Profissional Diplomado’, categoria essa inexistente no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego.
“A ilegalidade é tão manifesta que a Fenaj negou a existência desse tipo de carteira profissional, negativa superada diante da prova cabal juntada aos autos pelo autor.
(…) nesse matriz, devem ser realizada as devidas retificações.
(…) por fim, deverão ainda ser observadas pelos réus as prescrições da Lei Nº 7.084/82 e das normas emanadas do Ministério do Trabalho e Emprego.
A concessão do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, mesmo que parcial, nos termos em que decido, gera evidente periculum in mora inverso. É que o recolhimento por parte dos réus, das carteiras profissionais já emitidas, prejudicará, de forma indireta, terceiros estranhos à relação processual, pelo que a medida somente deverá ser levada a efeito após o trânsito em julgado da sentença.
(…) ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para condenar os réus a recolherem todas as carteiras profissionais de identificação de jornalistas, em todo o país, nas quais conste a informação ‘Jornalista Profissional Diplomado’, devendo proceder, em seguida as devidas retificações para que conste tão-somente a informação ‘Jornalista Profissional’, devendo ainda ser observada, as prescrições da Lei Nº 7.084/82 e das normas emanadas do Ministério do Trabalho e Emprego.
Defiro parcialmente o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para determinar que os réus se abstenham, doravante, de emitir carteiras profissionais com a informação ‘Jornalista Profissional Diplomado’, devendo constar apenas ‘Jornalista Profissional’, quando o interessado for detentor de diploma de graduação.”
Dr. Felini de Oliveira Wanderley
Juiz federal substituto da 2ª Vara seção judiciária do Ceará
Apalavra final do processo
Inconformado com a sentença parcialmente procedente, MPF apela para o TRF 5ª Região.
O recolhimento das Identidades ilegalmente expedidas pela Fenaj e Sindjorce, é apenas um dos itens que o MPF peticionou na inicial. O procurador da república, dr. Marcelo Mesquita Monte, inconformado com o resultado da sentença, deu entrada na 2ª. Vara Federal do Ceará, a manifestação judicial Nº 25012/2012, com fundamento no art. 513 do Código de Processo Civil, requerendo que os autos sejam enviados ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª. Região em Recife-PE.
As razões da apelação do Ministério Público Federal no Ceará são as seguintes na peça jurídica enviada:
O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública em face da Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj e do Sindicato dos Jornalistas do Ceará – Sindjorce, a fim de obter provimento mandamental que determine aos réus:
a) a expedição de Carteira de Jornalista Profissional a todos aqueles que, satisfeitas as demais condições legais, tenham concluído Cursos Sequenciais de Formação Específica em Técnicas de Jornalismo (Curso de nível superior);
b) o recolhimento de todas as carteiras de identificação que contenham a menção jornalista profissional diplomado e a realização das respectivas retificações para constar tão somente a menção jornalista profissional;
c) a divulgação da decisão judicial pelas entidades rés em seus respectivos sites, bem como em periódicos jornalísticos, a fim de que os interessados apresentem suas carteiras, as quais devem ser substituídas no prazo de 15 dias;
d) a proibição de expedir Carteira de Jornalista em desacordo com as prescrições da Lei nº 7.084/82 e das normas emanadas do Ministério do Trabalho e Emprego.”
No momento os autos se encontram com o MPF para analisar as apelações e contra-razões dos procuradores dos réus. Em seguida o Dr. Marcelo Mesquita Monte fará suas contra-razões. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, oportunamente, serão remetidos os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª. Região para seu processo e julgamento.
Agora, a palavra final do processo cabe aos desembargadores federais do TRF da 5ª Região.
Para conhecer melhor o caso, consulte:
Justiça Federal no Ceará – www.jfce.jus.br– Processo nº 0001783-78.2012.4.05.8100
Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Ceará – www.prce.mpf.gov.br
Procedimento Administrativo (P.A) – Nº. 1.15.000.001207/2011-84
Procedimento Judicial – Nº. 0001783-78.2012.4.05.8100
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[Esperidião Júnior de Oliveira é jornalista (Fortaleza, CE)]