Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Imperialismo, indústria cultural e Marina

1.

“Na tradição do oprimido que é a que vivemos o estado de exceção é regra geral”, assim afirmou Walter Benjamin na oitava tese de seu ensaio “Sobre o conceito de história (1940)”.

2.

O estado de sítio em que vivemos não é outro senão a própria milenar tradição do oprimido: aluvião de tempos históricos ao mesmo tempo, para dialogar com Marx, trágicos e farsescos, a decretar a natureza histórica da tradição do oprimido ou esta entendida como segunda natureza soberana que nos interdita a afirmação revolucionária do porvir, condenados que estamos, como Sísifo, a carregar o pesado fardo dos passados de opressão nas costas da atualidade, inviabilizando-a e mortificando­a.

3.

A civilização burguesa, sob esse ponto de vista, é a nossa tradição do oprimido soberana e é ela que decreta por todos os lados o estado de exceção para e contra o conjunto da vida na Terra. Essa é a razão pela qual devemos esquecer os rostos dos soberanos pessoais, seja lá que nome tiver, Hitler, Mussolini, Obama. Entender como funciona o dispositivo de exceção oligárquico no atual presente histórico é uma condição fundamental para superá­lo, inclusive se quisermos usar como modelo de alternativa a proposta de Walter Benjamin, no mesmo ensaio, “Sobre um conceito de história”, a que assinala que para romper com o estado de exceção é preciso a produção de outro, não oligárquico.

4.

Sob esse ponto de vista, como funciona o estado de exceção contemporâneo? A primeira observação a respeito, para desmistificar a intelligentsia,é: todo arranjo histórico de exceção é ele mesmo soberano e impõe uma realidade conspirada para a vida nua, para as alteridades, para enfim os oprimidos. Produzir uma teoria revolucionária sobre a conspirada realidade de tal ou qual estado de exceção como regra geral não pode ser visto como uma quimera ou como um delírio de paranoicos. A teoria da conspiração, pois, não apenas é possível e credível como também é uma condição fundamental para coletivamente produzir um estado de exceção contra os estados de exceção oligárquicos. É pois uma práxis.

5.

E como deveria ser o estado de exceção coletivamente produzido contra o oligárquico? Uma ditadura do proletariado? Pensemos a situação sob o ponto de vista de gêneros literários, tendo em vista a farsa e a tragédia. O estado de exceção oligárquico é sempre uma tragédia para as coletividades. Contra ele estas devem desqualificá­lo transformando a tragédia em farsa. Por esse motivo, o estado de exceção coletivo contra o oligárquico deve se constituir através da produção igualmente coletiva, carnavalizante, de uma farsa popular voltada e devotada a desqualificar a seriedade do sistema de exceção oligárquico, que é ao mesmo tempo científico, tecnológico, cultural, epistemológico, histórico, social, civilizacional.

6.

Existe pois um jogo entre a tragédia e a comédia nos estados de exceção, o oligárquico e o popular. Um jogo pendular. Se é o estado de exceção oligárquico que dá o tom, decretando o direito de morte sobre a população mundial, esta se constitui como uma espécie de comédia passiva e/ou regressiva, pois sua tragédia pode ser definida como uma comédia, sob o ponto de vista oligárquico, razão pela qual no estado de exceção oligárquico as oligarquias riem, debocham, agem com cinismo, manipulando, mentindo e, portanto, transformando em ridículos os oprimidos da Terra. Se, por outro lado, é a coletividade, o povo, enfim, que desqualifica o estado de exceção oligárquico, teríamos o que é possível chamar de comédia revolucionária, ativa, a partir da qual o povo ri, desmente, age de forma cínica, com hipocrisia, parodiando e debochando de todo gesto, pensamento, afeto, lógica, perspectiva, enfim, oligárquica. Impossibilitando­a, pela singela razão de que toda oligarquia só o é se for levada a sério. Do contrário, desmancha no ar!

7.

Mas enfim e em começo: como funciona o trágico estado de exceção contemporâneo e como este ri, debocha, satiriza, desqualifica os povos do mundo, transformando­os na tragédia e na comédia de si mesmos? Para responder a essa questão é preciso entender como os poderes oligárquicos sequestram as tecnologias cosmológicas, na atualidade, e como através destas nos oprimem e ridicularizam. Para tanto, a que distinguir com clareza os dois imperialismos que produziram um estado de exceção trágico e oligárquico contra a humanidade, no decorrer da civilização burguesa.

8.

A que distinguir, portanto, o imperialismo europeu (sobretudo o inglês) do imperialismo americano. O primeiro funcionou a partir da expansão/ocupação/usurpação/ exploração/ dominação e uso das forças da Terra, entendendo por estas as forças étnicas, de gênero, linguísticas, minerais, energéticas, vegetais, animais, marítimas, atmosféricas. O conjunto enfim das forças da Terra. Logo tudo que é da Terra, que vive da Terra, a própria Terra.

9.

O segundo, por outro lado, o imperialismo americano, emergiu tendo em vista outra escala de dominação tornada possível através da captura de forças cosmológicas e portanto a partir de um olhar panóptico exterior ao planeta Terra, capaz de concebê­lo, vivê­lo, manipulá­lo integralmente.

10.

Se o primeiro imperialismo, o europeu (inglês) expandiu­se conquistando e subjugando as forças da Terra, mas ainda a partir do ponto de vista da própria Terra, o segundo, o americano, usando forças cosmológicas manipula, carnavaliza, subjuga, impõe­se ( ou tenta) sobre o conjunto das forças da Terra, consciente de sua interação e portanto sem separá­las ou segmentá­las, posto que as combina, as interage, lançando­as umas contra as outras, sem cessar, de forma cínica, artificial, hipócrita, mentirosa, através de tecnologias aptas a capturar forças cosmológicas.

11.

As forças atômicas podem ser concebidas como cosmológicas porque trabalham com a fissura da matéria, tendo em vista o núcleo atômico e também um ponto de vista autorreferencial. Tudo funciona também como uma questão de ponto de vista. O saber científico que manipula átomos de plutônio advém de uma perspectiva cosmológica porque coloca as forças da Terra contra elas mesmas através do alto, tendo em vista uma consciência tecnológica ou tecnocientífica que compreende que o impacto atômico é planetário, não segmentado, espetacular.

12.

O ponto de vista do imperialismo americano é cosmológico porque é autorreferencial. Concebe as forças da Terra de fora da Terra, com plena consciência dominadora de que a Terra é um xadrez ou uma tábula rasa. Um modelo de realização de seu desejo oligárquico de tudo dominar com o objetivo claro de decretar um estado de exceção planetário.

13.

É aqui que temos um importante aspecto de nossa terráquea realidade conspirada. Para que o imperialismo americano imponha sua perspectiva, tendo em vista um ponto de vista cosmológico, é preciso que as forças da Terra acreditem e se fixem em suas supostas realidades naturais – ou naturalmente terráqueas, independente de qualquer fissura atômica.

14.

Enquanto, pois, o imperialismo americano trabalha por fissura atômica, as forças da Terra parodiadas devem conceber a si mesmas como naturais, invioláveis unidades discursivas. Como, enfim, puras.

15.

Temos assim um racismo coletivo que funciona assim: as forças da Terra, tal como o Nazismo, devem defender as suas purezas étnicas, religiosas, de gêneros, nacionais, epistemológicas, culturais. E, agindo assim, como se fossem absolutamente naturais, filhas identitárias da Terra, tornam­se extremamente vulneráveis à tecnologia de fissura atômica pragmática e plástica do imperialismo americano, que sabe que toda força é fissurada, atômica.

16.

A verdadeira bomba atômica, portanto, sob o ponto de vista do imperialismo americano, é a que nos explode atomicamente quanto mais nos agarramos nos nossos núcleos identitários terráqueos. A humanidade toda é a bomba atômica de si mesma, tendo em vista uma comédia regressiva, passiva, tal que a oligarquia americana ri de nós todos e nos ridiculariza, ao explodir­nos coletivamente.

17.

O dispositivo da confissão, tal como o definiu Michel Foucault, tornou­se uma importante tecnologia de dominação da humanidade – tecnologia atômica. Somos fissurados quanto mais nos confessamos ser o que acreditamos ser tendo em vista as marcas de Caim de nossas forças terráqueas.

18.

Uma humanidade confessional nos coloca todos num mesmo pacote terráqueo a ser manipulado, ridicularizado, parodiado. Forças religiosas cristãs e suas atomizações católicas, evangélicas, ortodoxas. Forças religiosas islâmicas e suas atomizações xiitas, sunitas, salafistas, jihadistas, wabistas; forças étnicas e suas atomizações negras, brancas, indígenas, amarelas. Forças confessadas de gênero e suas atomizações heterossexuais, homoafetivas, travestis, transexuais. Forças sapienciais e suas atomizações acadêmicas. Forças confessadas de direita e de esquerda e suas atomizações liberais, neoliberais, social­democratas, maoístas, leninistas, trotskystas; forças geopolíticas e suas atomizações ocidentais, orientais, metropolitanas, periféricas, nacionais, energéticas. Forças. Forças. Forças. Atomizações. Fissuras. Bombas atômicas humanas. Eis o conspirado/conspirando mundo atual.

19.

O mundo conspirado em que vivemos é, pois, confessional. Por isso mesmo religioso. O fundamentalismo, sob esse ponto de vista, não é a exceção mas a regra geral do estado sítio da civilização burguesa sob o signo do imperialismo cosmológico americano que decreta a seguinte indefinidamente palavra de ordem para as forças do planeta: sejam livres confessando suas marcas de Caim! Fundamentam­se religiosamente pela natureza das forças da Terra, acreditando nelas como essenciais forças da natureza!

20.

O dinheiro, como abstração monetária, nada mais é, sob esse ponto de vista, que a autovalorização do valor das forças da Terra. Sob sua dimensão imperial dolorificada transforma­se em Deus do altar da civilização burguesa, convocando às forças da Terra a se afirmarem fundamentalisticamente porque só assim serão fieis a ele. Só assim serão fieis ao petrodólar porque só assim estarão lastreados, como fluxos ambulantes e metamórficos das fissuras atômicas das forças da Terra, à sua abstração transcendental.

21.

É sob esse ponto de vista que é possível afirmar que Marina Silva, candidata à presidência do Brasil pelo PSB, representa o Emirado Islâmico das e nas forças fundamentalistas da Terra, sob o domínio planetário do imperialismo americano. Ela é um lastro religioso fissurado e combinado de forças étnicas, por ser negra; de forças de gênero, por ser mulher; de forças religiosas, como evangélica da Assembleia de Deus; de forças ecológicas, como antiga seringueira da floresta amazônica, além das forças populares do Partido dos Trabalhadores, por ter sido uma de suas fundadoras e ministra do Meio Ambiente do Governo Lula da Silva.

22.

Marina Silva foi capturada e cooptada pelo imperialismo americano cosmológico que soube identificar nela atômicas forças fundamentalistas aptas a serem meticulosamente combinadas com o objetivo de aplicar um golpe de Estado na mínima possibilidade de um Brasil independente de suas garras.

23.

Ela cumpre, pois, a mesma sina do Emirado Islâmico: uma função geopolítica e energética com o objetivo de se contrapor e combater as forças liberadoras senão laicas efetivamente resistentes à dominação planetária do imperialismo americano, como as forças geopolíticas do Brics. Também está a serviço do retorno do Brasil à ordem neoliberal da década de 90, que imperou em toda América Latina, através da fidelidade canina ao tripé econômico neoliberal: juros altos, superávit primário e câmbio valorizado.

24.

Não é circunstancial que o maior banco privado do Brasil, o Itaú, orquestra­a, fissurando e manipulando seus atômicos traços terráqueos.E de banco a banco, chega­se a Wall Street e seu desejo de voltar a submeter o conjunto da América Latina, principalmente os países mais rebeldes, Venezuela e Cuba, usando as forças industriais, populacionais, territoriais, financeiras e oligárquicas brasileiras como modelo de realização da submissão ao imperialismo americano, inclusive e mesmo antes de tudo como modelo de realização fundamentalista a ser usado contra a construção de um mundo multipolar.

25.

Contra Rússia e China, portanto.

26.

É por isso e muito mais que temos todos os motivos do mundo para suspeitarmos do suposto acidente de avião que levou à morte o então candidato à Presidência do Brasil, Eduardo Campos, na chapa do PSB. De todas as possibilidades, o acidente de avião que o vitimou, assim como mais seis pessoas que estavam a bordo, a menos factível, embora provável, é a que querem nos fazer crer: foi uma tragédia acidental. Como vice de Eduardo Campos, Marina Silva tomou o seu lugar num contexto de midiática catarse nacional, meticulosamente USAda e abUSAda pela TV Globo e pelos demais canais de televisão, sem contar a imprensa escrita e radiofônica.

27.

Tudo orquestrado a priori ou a posteriori para alçá­la como candidata com reais chances de ganhar a próxima eleição presidencial no Brasil. Se isso não é conspiração midiático/imperialista, nada mais o é.

28.

A possibilidade de uma sabotagem é teoria da conspiração em face de uma realidade a priori conspirada. Desqualificá­la como insensata e paranoica é não ser capaz de análise mínima em relação à orquestrada realidade manietada pelo imperialismo cosmológico americano, intrinsecamente estabelecido a partir da indiscernibilidade entre saber e poder, entre a tecnociência e o capital, tendo em vista o uso bélico das possibilidades científicas engendradas pelas revoluções atômicas, bioeletrônicas, robóticas, bioinformáticas, assim como a da bioengenharia, da nanotecnologia e das tecnologias de comunicação – revoluções que marcam e demarcam a era do imperialismo cosmológico, em processo.

29.

A indústria cultural planetária, cada vez mais cosmologicamente potencializada por todas as revoluções tecnocientíficas mencionadas, sob o domínio do imperialismo americano, é o cenário a partir do qual a humanidade toda se torna uma paródia de si mesma – a sua própria farsa regressiva. Sem cessar, ela nos edita e reedita parodicamente através de artefatos culturais como telenovelas, filmes, teatros, desenhos, enredos literários, diversos gêneros musicais, danças, programas de auditório, enlatados des­informativos, dentre outros.

30.

Sob o domínio do imperialismo cosmológico americano, a indústria cultural transforma as forças da Terra numa regressiva farsa de si mesma, através da produção sem fim de artefatos culturais confessados, fundamentalistas. Ela é uma poderosa tecnologia de confissão que confina as forças da Terra ao gueto sem saída da natureza vivida como criacionismo, condenando­nos ao que existe, a saber: a civilização burguesa sob o domínio planetário do capital estadunidense.

31.

Marina Silva é a versão brasileira do Emirado Islâmico. Coube e cabe ao criacionismo da e na indústria cultural pretender elegê­la em nome do Deus dólar do cosmológico imperialismo americano.

32.

Não levar a indústria cultural a sério rindo não da farsa que ela realiza de nós mesmos mas da tragédia de seu domínio oligárquico é a saída revolucionária.

33.

Para tanto, é preciso que nossas forças terráqueas se tornem cosmológicas forças não fundamentalistas; forças não limitadas pelo estado de exceção da civilização burguesa e que por isso riem, gargalham, das farsas midiáticas do imperialismo americano.

34.

Logo do novo velho farsante de Marina Silva. O estado islâmico do e no Brasil.

35.

Cortará nossas cabeças?

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Luís Eustáquio Soares é professor da Universidade Federal do Espírito Santo, poeta, escritor e ensaísta