Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Inimigos Feicebuqueanos

“Vamos combinar uma coisa. A palavra amigo usada no feicebuque é demais porque a conexão é excessivamente tênue para receber este tão importante título. Amigo é o nome que se dá a algo bem mais profundo. Posso estar sendo um chato ao fazer este tipo de comentário mas é o que penso cada vez que me deparo com esta denominação usada de modo tão banalizado e tão pouco aderente ao conceito do que é ser amigo. O amigo do feicebuque é virtual demais para o meu gosto. E tenho dito. “

Esta foi uma tirada que publiquei no feicebuque sobre um aspecto banal e importante a caracterizar esta mídia social. Não retiro nada desta afirmação meio arrogante que fiz lá atrás. O uso do termo amigo no feicebuque continua a suscitar dúvidas que até hoje não tive resposta adequada. Os conceitos de modernidade liquida de Zigmunt Baumann são, no meu entender, os primeiros que, ainda que tateando, dão alguns sinais de apreensão maior deste fenômeno típico da nova sociedade em que estamos mergulhados.

Como estou sempre a pesquisar sobre esta situação irresolvida deste novo mundo fiquei intrigado com o significado da palavra avatar que uma amiga, que é minha  inimiga feicebuqueana, usou para definir a imagem que temos na mídia social. Foi uma tentativa dela de  explicar este paradoxo que é sermos amigos na vida real e inimigos na virtual. Cotejando com a minha tirada inicial a coisa fica ainda mais confusa.

Continuando: Procurei, primeiro no Dicionário Aurélio e depois no Google e em ambos encontrei a mesma explicação:
“avatar
substantivo masculino
1. rel na crença hinduísta, descida de um ser divino à terra, em forma materializada [Particularmente cultuados pelos hindus são Krishna e Rama, avatares do deus Vixnu; os avatares podem assumir a forma humana ou a de um animal.].
2. processo metamórfico; transformação, mutação.
“o a. de um artista”.

O diálogo entre o real e o virtual

Depreendi disso que o Google apenas copiou do Aurélio a definição não acrescentando esta nova configuração dada a palavra avatar a partir do filme do James Cameron. Isso é o de menos. Importa elucubrar melhor sobre o tema e assim chegar a uma conclusão mais profunda, se possível. O  avatar me lembra  em tudo o transe mediúnico na umbanda quando o sujeito incorpora um outro. Se for neste sentido não se encaixa denominar avatar o ser publico que se expressa nas mídias sociais.

Primeiro, porque sou eu mesmo que estou me expressando ali e não um outro, uma outra entidade com poderes mediúnicos ou com superpoderes, como é o caso do significado de Avatar no referido filme. Segundo, a analogia com estar nas mídias sociais uma faceta descolada e diferente do real não se confirma porque todos aqueles valores ali defendidos estão presentes de forma importante e são fundamentais na vida real.

A visada deve ser outra e tem a ver mais com a dificuldade de ambas as partes, isto é, daqueles que são amigos na vida real e inimigos feicebuqueanos, de enfrentarem a dureza de um diálogo onde se estabelecem diferenças ideológicas fundamentais tornadas  impossíveis de ser superadas e mesmo encaradas com naturalidade, pelo menos, no momento de acirramento ocorrido durante e imediatamente depois das eleições e ainda hoje, em menor grau. O que piora a situação é, como já escrevi em vários artigos neste mesmo Observatório da Imprensa, a transposição – sei, é uma imagem caricatural que, no entanto, tem sua razão de ser – do pior do espírito do torcedor de futebol para esta esfera pública.

Os malfeitos dos que pensam iguais a mim em politica e costumes são varridos para baixo do tapete e os dos que pensam diferentes, nestes assuntos citados,  são difamados através do uso dos expedientes mais truculentos e desqualificados. Esta linguagem bélica piora quanto pior é o analfabetismo politico. Analfabetos políticos, independente de escolaridade e classe social – o que tem de analfabeto político com titulo de doutor não está no gibi –, usam a linguagem chula e desqualificada de bêbado de boteco para atacar quem pensa diferente.

No entanto, não é este o caso do ruído entre meus amigos que deixaram de serem amigos no feicebuque e continuaram amigos na vida real. Aqui o ponto de discórdia não foi fruto de grosserias e uso de termos chulos e/ou agressivos. Foi de antagonismo politico/ideológico. A dureza da minha crítica ao anti-petismo está no cerne da cizânia instalada e os que se sentiram incomodados pelos meus comentários e/ou pensamentos políticos mesmo quando ditos de modo republicano e civilizado.

O que significa isso? Penso que não estamos preparados para nos deparar com o pensamento discordante sem encara- lo como ofensa pessoal. Ainda que se entenda que discordância de qualquer natureza não significa conflito total e que podemos perfeitamente conviver com quem pensa diferente paira um clima de hostilidade e agressividade difícil de superar quando o assunto é discordância em pontos importantes como politica e/ou costumes até mesmo entre pessoas tidas como fora dos padrões típicos do senso comum conservador.

Crítica ácida e com humor

Ser republicano e civilizado não significa deixar de utilizar termos duros na crítica como idiota e imbecil de forma genérica quando se depara com algo digno desta denominação. Pensadores refinados como, por exemplo, Umberto Eco são useiros e vezeiros no uso deste termo quando a ocasião requer. O dito dele dizendo que a internet deu voz aos imbecis e o do escritor Javier Marias que foi mais longe dizendo que ela os organizou, não poderiam ser críticas mais justas e apropriadas. Acredito, como os acima citados, ser impossível fazer crítica da sociedade massificada sem acidez e humor que são parte importante do processo civilizatório ao desmistificar (des)valores do status quo.

Daí a necessidade do uso de termos adequados ainda que não se enderece pessoalmente a ninguém em especial ou somente a instituições e figuras públicas conhecidas. O incomodo, no meu entender, se dá porque os alvos das críticas são admirados pelos antagonistas ideológicos que se veem atingidos indiretamente dada a identidade existente entre os que comungam consciente ou inconscientemente os valores hegemônicos neoliberais. Isso não quer dizer que a estilo grosseiro e truculento é exclusividade da direita. O fato é que a direita ganha disparado neste quesito. Ganha, com certeza, por estar em consonância com a narrativa hegemônica estampada nos jornais, noticiários de TV e rádios e assim pode, confortavelmente, replicar estes valores aprendidos  nos comentários nas mídias sociais.

O ato de tirar da condição de amigo do feicebuque alguém que continua amigo real ilustra o grau de insuportabilidade gerado pelo estilo livre e escrachado de opinar em politica e comportamento ali exercitado, mesmo quando não pautado por truculências e ofensas pessoais. Tanto isso é verdade que este ato de retirar o amigo real da condição de amigo feicebuqueano, que a primeira vista parece uma ofensa, é, na verdade, uma forma de preservar a amizade que seria prejudicada caso continuasse a existir este confronto diário neste espaço publico. Até que seja estabelecido um modus vivendi mais civilizado e tolerante esta medida extrema e inusitada, pelo menos para mim, revela- se adequada.

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Jorge Alberto Benitz é consultor