Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Magias e simpatias para 2006

O frade dominicano Tomaso Campanella, que viveu entre os séculos XVI e XVII, foi o primeiro a chamar Luís XIV de Rei Sol. Defensor de Galileu Galilei, adepto do heliocentrismo, tinha entretanto idéias pouco científicas. Com o fim de proteger o papa Urbano VIII de contaminações de um eclipse, lacrou um dos quartos pontifícios no Palácio Barberini – de propriedade de sua família; ele se chamava Maffeo Barberini – borrifando seu interior com vinagre de rosas e água em que tinham sido mergulhadas folhas de cipreste.


Não contente com todas estas providências, decorou as paredes com galhos e panos brancos de seda. Mandou ainda acender duas velas e cinco tochas representando o Sol, a Lua e os planetas, arranjando-as de tal modo no quarto que produzissem um ângulo benéfico e esconjurassem os perigos celestes representados pelo eclipse que todos temiam.


Com músicas apropriadas, invocou a proteção de Vênus e de Júpiter, com o fim de arrumar aliados na luta contra as más influências de Saturno e de Marte. O papa tinha verdadeiro pavor dos poderes sobrenaturais da magia e em 1634 mandara decapitar um nobre e enforcar e queimar seus dois cúmplices que haviam profetizado sua morte. Sua família demoliu tanto o patrimônio de Roma para fazer obras católicas que dela se disse: ‘Quod non fecerunt barbari, fecerunt Barberini’ (o que não fizeram os bárbaros, fizeram os Barberini).


Tomaso Campanella não foi o único a olhar para cima e tirar conclusões insólitas. Antes dele, Tomás de Aquino dissera que as estrelas eram provas luminosas da existência dos anjos e não corpos celestes de calor e luz. Campanella tinha entretanto mais imaginação. Seu romance A Cidade do Sol, de 1623, propôs uma cidade-estado administrada por um rei, filósofo e padre, que acreditasse nos poderes da magia. Defensor de Galileu Galilei e bem visto pelo cardeal Richelieu, celebrou num poema o nascimento de Luís XIV e foi o primeiro a chamá-lo de Rei Sol.


Gian Lorenzo Bernini foi outro que acreditou em coisas pagãs, mesmo tendo feito o Êxtase de Santa Teresa D’Ávila. Num baldaquino de bronze da Basílica de São Pedro, mostra imagens do Sol, de abelhas e de folhas de loureiro. Acreditava que as abelhas, produzindo a cera das velas utilizadas nas cerimônias religiosas, produziam multidões de sóis quando acesas. Bernini casou aos 41 anos com a jovem Catarina, que tinha a metade da idade do namorado, mas que lhe deu 11 filhos e muito incentivou o marido, que morreu aos 75 anos.


Vaticínios ameaçadores


E hoje, o que mudou? A modernidade sugere hegemonia do laico, do secular sobre o religioso, mas não é bem assim. A princípio atribui-se à incultura e à ignorância a crença em poderes sobrenaturais. Não é bem assim. Todos seguem o velho ditado: ‘No creo en brujas, pero que las hay, las hay’.


As bruxas adoram anos favoráveis. Em 1964, discutia-se apenas qual o modelo democrático de esquerda que sucederia a João Goulart. Veio uma ditadura que durou até 1985! Em 1966 estávamos tão confiantes que organizamos quatro seleções para a Copa do Mundo. Fomos à Inglaterra e ganhamos um único jogo.


Agora, dá-se como favas contadas que venceremos a Copa de 2006. E o presidente Lula está certo de que será reeleito.


Quando criança, amigas de minha mãe, todas umas bruxas, vendo-me tão magrinho no berço, diziam: ‘Este menino não se cria’. Meu pai chegava do trabalho e dizia resoluto: ‘Se cria, sim’. Por isso, acredito em bruxas, pois as tenho visto desde quando nada podia fazer contra seus ameaçadores vaticínios, mas acho que elas não são invencíveis. Para derrotá-las precisamos de aliados.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), onde dirige o Curso de Comunicação Social