A contemporaneidade se caracteriza por uma crise de natureza filosófica: é a crise metafísica. O princípio primeiro de onde tudo procede e o fundamento do ser e das coisas entraram em crise desde que Nietzsche dissolveu o conceito de verdade ao anunciar a morte de Deus. Desde então, a cultura ocidental vem sofrendo sucessivas metamorfoses. No contexto dito pós-moderno, a fragmentação abre caminho para a atuação da comunicação, indo dos meios às mediações.
Pois foi para discutir tais transformações que se realizou em Porto Alegre, de 17 a 19 de outubro de 2005, o colóquio Metamorfoses da Cultura Contemporânea, promovido pelo Programa Copesul Cultural. Foram três dias de escuta em que um público superior a mil pessoas vislumbrou discursos inflamados pró e contra uma idéia de Pós-Modernidade. Estiveram reunidos no colóquio Michel Maffesoli, Muniz Sodré, Gianni Vattimo, Sérgio Paulo Rouanet, Jean Baudrillar( em conferência gravada em vídeo), Arnaldo Jabor, Renato Janine Ribeiro, Carlos Roberto Cirne Lima e Donaldo Schüler.
No presente artigo, busco sintetizar com fidelidade as déias apresentadas por esses ilustres pensadores que, divergindo ou concordando entre si em relação ao moderno e pós-moderno, estão unidos na busca interpretativa das metamorfoses da cultura contemporânea. Como qualquer síntese baseada na audição e tradução, sem a possibilidade de confrontação com escritos dos autores, é provável que possa haver algum tipo de equivoco lingüístico ou mesmo de interpretação.
Começamos com aquele que é o mais renomado pensador dito pós-moderno, o sociólogo francês Michel Maffesoli.
‘O retorno das emoções sociais’
Michel Maffesoli propõe o resgate da importância do pensamento sensível, pois a passagem da modernidade para a pós-modernidade se dá justamente na esfera da sensibilidade. Salienta que pensar a contemporaneidade exige coragem de ir contra certas correntes e encontrar significado para a vida. Nesse contexto, refletir sobre o imaginário (dimensão mítica da verdade de uma época) nos ajuda a encontrar palavras para expressar ‘aquilo que é’, e assim reinventamos o mundo. Também é importante distinguirmos as duas monarquias, os reinados que conduzem a vida moderna e pós-moderna. No primeiro caso, temos a monarquia da homogeneização que se expressa no monoteísmo, no substancialismo e na idéia de que é preciso ‘ser alguma coisa’ para dominar a natureza e o próprio destino. Temos o homem consciente de sua capacidade de agir sobre o mundo, o homem racional, inteligível, que encontra em Santo Agostinho o princípio moderno da unidade, e em Descartes seu símbolo.
A metamorfose começa com a saturação dessa monarquia; uma desagregação que gera uma forma nova, mudança e continuísmo ao mesmo tempo. A monarquia da pós-modernidade é a heterogeneização, a pluralização do ser. A lógica da dominação se inverte, e o ser é dominado pelo objeto, embora acredite ainda dominar. O sujeito não mais auto-determina aquilo que é, mas torna-se aquilo que o outro diz que ele é. Daí a dimensão hedonista e efêmera do ser que se apresenta como uma borboleta (dura pouco). Nesse durar está implicado o pertencer. E é na metáfora da tribo, no existir através do outro, na heteronomia que o ser encontra certa estabilidade. Na tribo, o indivíduo encontra um ambiente emocional que lhe permite partilhar sentimentos, sensações. Essa metamorfose do racional para o sensível resgata o humano, o dionisíaco, o ser como devir.
‘A morte do homem cartesiano’
O escritor Donaldo Schüler questiona o porquê da reflexão sobre as metamorfoses. Schüler afirma que a mudança caracteriza a cultura ocidental, é a inquietude que a diferencia do oriente. As metamorfoses podem ser verificadas desde muito cedo, por exemplo, no cristianismo que implantou mudanças que tranqüilizaram o mundo até o século 12. Mas com o surgimento da universidade, a inquietação retornou. No século 17, Descartes chegou ao ápice da racionalidade, nascendo daí a ciência como a conhecemos hoje. O ‘penso’ cartesiano recai na dissecação, no pensamento de morte: morte de línguas, de civilizações, espécies. Da consciência da morte emergem a filologia, arqueologia, etc.
Quando Nietzsche anunciou a morte de Deus, já estava morto o homem cartesiano. A morte do homem afetou a realidade do próprio homem, o que se evidenciou nas artes de modo geral. Malarmé lançou os dados da fragmentação; Baudelaire o instante da morte. O pensamento de morte caracteriza a modernidade: morte da linguagem, que permanece com significantes sem significados. A semiologia matou a hermenêutica e, com a morte das formas, das essências, restaram apenas significantes vazios.
Na contemporaneidade, busca-se aquilo que se esfacelou, que não se encontra mais. A reunificação não é mais possível. Em Joice, morre até mesmo o autor. Em Kafka, impera o absurdo. Se Freud buscou o inconsciente, Lacan encontrou a superficialidade. No século 20, a revolução, em curso, produzida pela robótica substitui o trabalho fundamentado no braço pelo robô, que não tem salário nem faz greve. Procura-se pelo fundamento da linguagem? Pois a linguagem foi aviltada pelo política, pela mentira, pelo consumo, pela falta de credibilidade. Somos conscientemente iludidos. Na pós-modernidade – uma aceleração que constitui o último capítulo da modernidade – somos levados ao além homem. A pós-modernidade não cria, mas recolhe o que sobrou. Temos um homem máquina que goza diante do fabricado. Nossa crença é no computador, mas ele ainda permanece dominado pelo homem, então, para onde caminhar? Caminhar na direção do sentir, do refletir, do poetizar das coisas. Desviemo-nos da rota, busquemos caminhar, pois somos todos pensadores e poetas buscando um sentimento de mundo.
‘Sobre a diversidade’
Muniz Sodré apresenta Macunaíma, o herói sem caráter e preguiçoso, como um símbolo do moderno no Brasil. De lá para cá, não surgiu uma pós-modernidade, mas uma modernidade tardia. Nessa modernidade tardia, o mais importante não é a diferença, mas a diversidade. O diverso é ‘glocal’ (global e local). Diversos são os indígenas, que não querem a segregação, mas a inserção social. A diversidade se recusa à classificação, à comparação. A diversidade recusa a reflexão especulativa, requer a aceitação. Já a diferença tem no racismo sua violência, pois compara, inclui e exclui.
Sodré salienta que a diversidade humana é algo mais a ser sentido que entendido pela razão causal (tipicamente moderna). A simples comparação não diz nada sobre a diversidade. Os homens não são iguais nem desiguais, mas coexistem na sua diversidade de repertórios, hábitos, etc. Na modernidade tardia, se subtrai ao racional, se reporta à memória, ao ritual, à lenda. Disso resulta a alegria de viver, os jogos de linguagem, o reconhecimento sensível da diversidade e o respeito à liberdade do outro. Parece que a afetividade possui estratégias onde o saber se constitui.
Um alerta: a disseminada idéia do desencantamento do mundo é suspeita. De que mundo estamos falando? Não será uma categoria européia? Será que para as classes subalternas o mundo se desencantou? Talvez um certo encantamento do mundo europeu tenha se perdido. Como baiano, Sodré lembra que ‘a Bahia continua encantada’, pois o povo é litúrgico e o s deuses não desapareceram. O que nos falta é repensar a linguagem.
‘Adeus à Verdade’
O filósofo italiano Gianni Vattimo considera a metamorfose uma categoria ontológica (ser enquanto ser, de comum essência) muito importante. A partir dos estudos de Heidegger e Nietzsche, ressalta que o ser não é, mas acontece. Ao falar de Heidegger, Vattimo salienta que o filósofo alemão criticava o imperativo da moral, ou seja, a necessidade de se fazer aquilo que os outros esperam que façamos. Heidegger demonstrou que o ser não é objetivamente, mas acontece num horizonte histórico. Nietzsche, por sua vez, verá no ser a capacidade de metamorfose, pois pensar no ser como estabilidade objetiva é renunciar à liberdade. O ser está além das aparências. Ao anunciar a morte de Deus, Nietzsche está dizendo que Deus, enquanto representação, não nos serve mais. Assim, o fundamento se desfaz e a metafísica – base do autoritarismo – desmorona.
Pensar no ser como evento, e não como eterno, é pensar no ser em nossa época, é pensar na própria experiência. Assim, a verdade passa a ser a experiência, a essência do ser. A experiência da verdade se dá na comunidade a qual pertencemos, uma comunidade estética. No sistema difuso em que vivemos, temos verdades específicas. Nessa perspectiva, a verdade sofre metamorfoses e se transforma em caridade, em amor ao próximo e respeito à alteridade. Abandonar a idéia de verdade absoluta e objetiva é abandonar a violência. A verdade, sujeita à interpretação, deve ser fundamentada na liberdade, em função de um projeto.
Vattimo acredita que o pós-moderno é capaz de realizar transformações no moderno, apontando a caridade como saída. O pensamento fraco é capaz de interpretar e escutar o ser como evento. No ocidente cristianizado, é o enfraquecimento das igrejas que pode recuperar um ecumenismo perdido. O pensamento fraco – aberto à escuta – evita o literalismo cristão, pois não se acredita mais numa igreja, mas na mensagem primeira. Desde Lutero, qualquer um pode ler a Bíblia e tirar daí suas conclusões.
Vattimo não concebe como positivo o retorno a um universalismo iluminista, pois o universalismo pode se transformar em imperialismo. Devemos também nos confrontar com uma realidade dura: talvez a sociedade totalmente livre não seja mesmo possível e a nossa ‘natureza’ seja um hábito enraizado e, assim sendo, como encontrar ai alguma universalidade?
‘Neomodernidade e sistema’
O filósofo Carlos Roberto Cirne Lima não é um entusiasta da pós-modernidade, mas propõe um diálogo – com suas teses, antíteses e sínteses – entre a pós-modernidade e uma outra corrente: o universalismo iluminista, lembrando que as idéias são verdadeiras, mesmo que as coisas não sejam. Sua crítica ao pós-moderno – em sentido estrito – começa com a pretensão desta filosofia em considerar a existência de diversas áreas sem que haja um grande princípio agindo sobre todas elas, logo, haveria apenas verdades parciais. Retomando o princípio sofista de que ‘não existe nenhuma proposição verdadeira, exceto essa’, evidencia que ‘não existe nenhum princípio fundamental, exceto a pós-modernidade’.
A pós-modernidade é um pilar do universalismo iluminista que, em outras épocas, teve outros nomes. O cristianismo, por exemplo, ao se tornar religião oficial do Império Romano, buscou unificar o ocidente, gerando uma metamorfose que misturou a essência das primeiras comunidades cristãs e os símbolos e ritos da religião do Egito. O Império Romano se metamorfoseou em sociedade cristã a partir do sincretismo.
A filosofia platônica se instaurou até o século 12. Depois, uma segunda metamorfose dissolveu a idéia de essência do ser e das coisas, apresentando o movimento como princípio do universo. A concepção do Deus que age acima das nuvens cedeu espaço para a compreensão de que o homem é participante da natureza de Deus (Panenteísmo). Ao menos os filósofos sérios se depararam com essa questão. Cirne Lima salienta que foi com a ciência da lógica de Hegel que encontramos a perfeita destruição de Deus, e não em Nietzsche, que não tem lógica nenhuma. Hegel não negou a existência de Deus, mas falava de um Deus presente, não acima das nuvens.
Na questão religiosa, Cirne Lima, que conviveu com os ‘teólogos dissidentes’ Karl Rahnner e Hans Kung, rememora que uma grande metamorfose poderia ter acontecido nos anos 50, quando um grupo de teólogos e filósofos reunidos na Europa, grupo do qual ele fazia parte, propôs um esboço para uma religião ecumênica a ser discutida naquele que seria o Concilio Vaticano II. Para isso, era preciso mudar o conceito de Deus e de Igreja. Cirne lima foi responsável por escrever um novo conceito de infalibilidade papal que pudesse ser aceito pelas outras denominações cristãs. A partir do conceito por ele criado, Hans Kung escreveu um livro. Tal livro gerou processos por parte do Vaticano e Kung foi proibido de atuar. Um dos grandes opositores do projeto criado pelo grupo de Rahnner foi o jovem teólogo Joseph Ratznger (atual Bento 16).
Para Cirne Lima, o futuro exige um único Deus, uma única igreja, um país ajudando o outro, instituições como a ONU e a Cruz Vermelha: universalismo. Os pós-modernos, por sua vez, querem ficar com os cacos daquilo que foi quebrado pela marreta de Nietzsche, sem referências; e não percebem que esses cacos estão repletos de fundamentalismo. Na contemporaneidade, não temos mais sistemas filosóficos, nem religião, exceto os fundamentalismos, não temos mais arte. Nessa perspectiva, o universalismo iluminista permite o resgate de autores, de idéias que apontam uma saída para evitar o ódio crescente que nos cerca.
‘As duas modernidades’
Diplomata e cientista político, Sérgio Paulo Rouanet detecta um clima de mal-estar na cultura contemporânea. Esse mal-estar vem do fracasso da funcionalidade, da eficácia. Embora a técnica e o progresso tenham produzido muitos bons frutos, ao mesmo tempo foi gerada uma patologia social.
No que tange à pós-modernidade e à modernidade, ambas receberam críticas da esquerda quanto da direita, embora os pós-modernos não aceitem mais essa distinção ‘direita’ e ‘esquerda’, como também não criticam nada nem exigem coisa alguma. Rouanet rememora alguns autores pós-modernos importantes: Jameson e a crítica ao capitalismo multinacional; Maffesoli, o pós-moderno feliz que vislumbra um mundo novo (mas não será esse novo na verdade o arcaico?), defende as tribos – que são antiprodutivas, antipolíticas, sem coesão e hedonistas. A secularização está sendo substituída pelo esoterismo. Temos um reencantamento do mundo.
Sobre Vattimo, Rouanet não o tem como pós-moderno, pois Vattimo não ama o mundo como ele se apresenta, não abandonou a crítica. Ao contrário, é mobilizado por valores radicalmente modernos; é movimentado por uma constelação axiológica. Ele pode até ser um relativista no sentido da cognição, mas não dos valores. Rouanet crê em constantes universais que não passam com o tempo. Acredita na existência de uma natureza humana, assim como Marx e Freud. Existe uma essência – não há diferença básica entre os seres humanos, ao menos num nível sistêmico.
Rouanet partilha da mesma perspectiva de Habermas, ou seja, nem modernidade, nem pós-modernidade: a terceira via é a Neo-modernidade, sabendo-se que a modernidade é aporética. Duas vertentes devem andar juntas: a funcional e a humanista, que se apresentam na eficácia e na autonomia, respectivamente. Trata-se do programa da Ilustração. A modernidade iluminista é um projeto ainda incompleto, que pode ser resgatado. A vertente iluminista ainda não se realizou, mas pode acontecer, desde que receba ajuda da vertente funcional. Um desdobramento possível dessas duas vertentes é a crítica e a utopia: uma realidade dual, da utopia concreta. A Neo-modernidade resgata a transcendência sem a qual não há espaço para a crítica, tampouco para a utopia.
‘Carnaval/Canibal’
O sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard acredita que a compreensão da contemporaneidade passa pela distinção entre dominação e hegemonia. A hegemonia é a fase terminal da dominação. Se na dominação existe uma relação dual, entre senhor e escravo, na hegemonia essa relação desaparece e impera a realidade integral, das redes, do virtual. Ao interiorizarmos voluntariamente a ordem mundial, liquidamos os valores simbólicos. É a realidade farsante que sofre uma carnavalização que repousa na canibalização da realidade pelos signos.
A eleição de Schwarzenegger para governador da Califórnia demonstra a farsa ocidental, onde a política não passa de um jogo, é um passo para o fim do sistema representativo, ou seja, o carnaval da imagem é também a canibalização pela imagem. É o declínio da potência através da paródia de um empreendimento niilista de liquidação dos valores e de simulação total. Através de simulacros, a América fraca parece forte diante do mundo. E sua hegemonia está justamente na aparência.
A problemática da confrontação mundial está no desafio lançado às outras culturas para que se igualem no rebaixamento dos valores, para que se globalizem. Em nosso contexto atual, buscar um discurso universal é matar a possibilidade de revolta. O discurso universal é assumido pela espécie que se considera superior às outras. Em verdade, os homens colocam suas paixões singulares a frente de qualquer finalidade ideal. O universalismo não faz mais sentido nem efeito. Quanto mais o mundo se globaliza, maior a discriminação. O enfrentamento não é mais apenas político, mas metafísico e simbólico.
‘Utopia pós-moderna’
O filósofo Renato Janine Ribeiro reflete a modernidade e pós-modernidade a partir da política. Rememora que a modernidade política nasceu com Maquiavel e More. Considera os dois autores um tanto estranhos, enigmáticos. A obra Utopia, de Thomas More, diz que a teoria determina a prática. Tal princípio se evidenciou, por exemplo, nas cidades planejadas, como Brasília.
A utopia permanece como uma proposta que ao mesmo tempo pode ser irrealizável e de ruptura. Ribeiro nos apresenta dois exemplos de utopias em relação ao mundo do trabalho. O primeiro, vem da França: a idéia de redução da carga horária de trabalho – três dias por semana, seis horas por dia, dos 25 aos 40 anos. Em termos contábeis, não haveria prejuízo da produtividade e aumentaria a qualidade de vida do trabalhador, que teria mais tempo para o lazer. A segunda proposta é brasileira: trabalhar quatro dias por semana e ficar devendo um dia semanal a ser pago quando da aposentadoria. Também não haveria prejuízo da produtividade. As duas possibilidades se encaixam na perspectiva moderna.
Ribeiro sugere outra perspectiva, agora pós-moderna. Em relação à primeira proposta, o importante seria o estoque de horas de trabalho. Ribeiro propõe uma outra forma: a pessoa escolhe o quanto quer trabalhar, se tudo em alguns meses do ano, ou uma vez por semana. O que importa é cumprir a meta. A primeira conseqüência disso seria a impossibilidade da identidade do indivíduo ser apresentada a partir da profissão, do ‘ser o que se faz’. O indivíduo poderia se apresentar, por exemplo, a partir daquilo que faz por lazer, teria outra identidade. Utopia? Seria também utopia um membro da União Européia ser dez anos italiano, vinte anos francês, 5 anos alemão durante a vida? Será que, de certa forma, isso já não acontece? Parece ser algo factível.
O problema da pós-modernidade está na crise de identidade. A identidade poderia ser aquilo que gostamos de fazer ou ser, e não mais algo ligado à funcionalidade. Pós-modernidade e modernidade não precisam marchar separadamente, podem estar juntas: eis a utopia pós-moderna – a metamorfose como processo e não como produto.
‘O Brasil e o mundo com Lula e Bush’
O jornalista Arnaldo Jabor detecta um problema enfrentado pelo intelectual quando deseja expressar algo e atingir como meta uma conclusão final. Nem sempre a conclusão é possível. É difícil falar da fragmentação e a partir dela alcançar uma universalidade.
Num plano pessoal, Jabor diz que sua grande utopia foi o projeto socialista. Com o fim dessa utopia, o pensamento ocidental ficou fragilizado. A crença e a esperança se foram. Foi a perda do sentido de um projeto humano, ou talvez, a perda de uma ilusão de sentido, do controle. Por outro lado, essa fragilidade pode ser a atual força motriz de um pensamento indutivo, e não dedutivo, como até então se caracterizou a modernidade. Jabor rememora que fazia cinema para mudar o mundo, para construir algo novo e uno. O sonho foi sendo destruído a cada nova invasão soviética a algum país.
A crença nas alternativas apresentadas por Gorbachev se desfez quando Bush – o pai – anunciou a vitória do capitalismo americano em pleno Kremlin. Com a família Bush, a democracia americana, marcada pela capacidade de autocrítica e renovação, foi se esfacelando. Clinton, um democrata capaz, porém anacrônico no mundo atual, foi derrotado por um escândalo sexual, e as forças republicanas voltaram com todo o vigor. Eis que o onze de setembro veio e mudou brutalmente o mundo. Osama fez o melhor filme catástrofe da história da América. Por outro lado, Bush é o Osama americano.
No Brasil, a esperança em Lula era o desejo de ver a democracia institucional instaurada por Fernando Henrique se transformar em social democracia através de ações de caráter micro, que aos poucos modificariam o macro, especialmente a economia. Mas, infelizmente, com tristeza, o caminho que o governo assumiu é motivo de luto.
Vivemos num mundo em que a esperança totalizante, os projetos humanos generalizantes estão em crise. Talvez, Nietzsche esteja certo: a saída está na arte, a única capaz de renovar retendo em si a dor da finitude. Como viver sem acreditar num projeto definitivo? Esse é o nosso desafio. Quem sabe o caminho não está no navegar indutivo rumo à fraternidade e a beleza…
Refletir sobre as metamorfoses da cultura e a condição pós-moderna impossibilita, como salientou Jabor, qualquer fechamento, qualquer conclusão. Essa é também a posição de Vattimo ao apontar a escuta e a fragilidade do pensamento como caminho. Talvez, Vattimo seja, dentre todos os intelectuais aqui citados, aquele que consegue melhor capturar o contemporâneo e apontar um caminho. Pode parecer contraditório indicar qualquer referência, mas, como tantos disseram, viver sem nenhum balizamento é inviável. Mesmo aqueles que não aceitam nenhum fundamento fazem dessa posição o seu fundamento particular. Adotar uma posição de abertura parece ser o mais adequado diante dos desafios da contemporaneidade.
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Jornalista, mestre em Comunicação Social