Na revista Veja do dia 30 de novembro, a jornalista responsável pelas pautas científicas, Thereza Venturoli, publicou, em parceria com Okky de Souza, matéria comentando a exposição sobre Darwin no Museu Americano de História Natural. Tirando a novidade da exposição, que reúne manuscritos originais do naturalista inglês, bem como fósseis e uma coleção de plantas, insetos, lagartos e tartarugas gigantes, sobre os quais Darwin se debruçou em pesquisas até sua morte, em 1882, o texto traz o de sempre: ‘provas’ de que o evolucionismo se sustenta cientificamente e críticas ao ‘criacionismo dogmático’.
O texto chama os defensores da Teoria do Design Inteligente (TDI) de ‘adeptos’, e afirma que ‘os cientistas consideram o design inteligente uma aberração’, como se ‘os cientistas’ fossem uma família coesa, com a mesma opinião uniforme. Os autores da matéria simplesmente desprezam os vários cientistas e pesquisadores que questionam o evolucionismo e advogam o criacionismo e/ou a TDI.
O texto de Venturoli e Souza termina dizendo que, ‘para quem crê na mão de Deus por trás da criação da natureza, [Darwin] continua a ser uma pedra no sapato. Para a ciência, permanece como um libertador das amarras do sobrenatural’.
Na edição com data de 7/12/2005, Veja publicou quatro cartas comentando aquela matéria. Duas favoráveis à posição dos autores e duas contrárias. Um dos leitores, Celio, médico de São Paulo, escreveu: ‘Veja proporcionou importante serviço ao destacar Darwin e suas idéias. Como os criacionistas estão combatendo ferozmente as teorias hoje aceitas e comprovadas, inventando o chamado design inteligente, também citado na matéria, é importante anotar que não apenas nos EUA essa batalha está sendo travada… Mesmo assim, alguns adeptos do fundamentalismo religioso, com discutíveis títulos acadêmicos, têm percorrido universidades brasileiras para defender essa idéia. Em resumo, é preciso estar sempre alerta contra os pseudocientistas e o atraso intelectual.’
Pais da ciência
O que tanto Venturoli quanto Celio parecem ignorar é o fato de que os chamados ‘pais da ciência’, sem os quais o método científico não teria sido desenvolvido, acreditavam em Deus e defendiam a Bíblia. Celio chama os criacionistas modernos de ‘pseudocientistas’ responsáveis pelo ‘atraso intelectual’. Será que teria coragem de dizer o mesmo de Galileu, Kepler e Newton?
Recentemente foi lançado no Brasil um livro muito instrutivo para aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos em História da Ciência. Chama-se A Alma da Ciência (Editora Mundo Cristão). Os autores são Nancy Pearcey, escritora científica e editora colaboradora do Pascal Centre for Advance Studies in Faith and Science; e Charles Thaxton, Ph.D. em química e pós-doutorado em História da Ciência pela Harvard.
No livro, eles sustentam as bases cristãs da ciência moderna. ‘O tipo de pensamento conhecido hoje em dia como científico, com sua ênfase na experimentação e formulação matemática surgiu numa cultura específica – a da Europa Ocidental – e em nenhuma outra’, afirmam. E completam: ‘Os mais diversos estudiosos reconhecem que o Cristianismo forneceu tanto os pressupostos intelectuais quanto a sanção moral para o desenvolvimento da ciência moderna.’
Pearcey e Thaxton provam, com boa documentação histórica, que o conflito ciência versus religião é equivocado e tem origem recente. Segundo eles, durante cerca de três séculos, a relação entre a ciência e a religião pode ser mais bem descrita como uma aliança. ‘Os cientistas que viveram do século 16 até o final do século 19 viveram num universo muito diferente daquele no qual vive o cientista de hoje. É bem provável que o primeiro cientista tenha sido um indivíduo temente a Deus que não considerava a investigação científica e a devoção religiosa incompatíveis. Pelo contrário, sua motivação para estudar as maravilhas da natureza era o ímpeto religioso de glorificar o Deus que as havia criado.’
Cientistas e historiadores como Alfred North Whitehead e Michael Foster, ao contrário do que diz o médico Celio, convenceram-se de que, longe de ser um impedimento para o progresso da ciência, o Cristianismo na verdade o incentivou – que a cultura cristã dentro da qual a ciência surgiu não foi uma ameaça; mas, sim, exerceu a função de facilitadora. Isso porque a Bíblia ensina que a natureza é real, diferentemente de outros sistemas religiosos que a consideram irreal, como o panteísmo, o Hinduísmo e o idealismo. Nas palavras de Langdon Gilkey, professor de Teologia da University of Chicago School of Divinity, a doutrina bíblica da criação implica que o mundo não é ilusório; antes, é ‘uma esfera de estruturas definíveis e relações reais e, portanto, um objeto passível tanto do estudo científico quanto filosófico’.
Outra convicção bíblica que favoreceu o desenvolvimento da ciência é a idéia de que a natureza tem valor; de que o que Deus fez é bom. Os gregos antigos, por exemplo, não tinham essa convicção. Eles equiparavam o mundo material ao mal e à desordem, daí o fato de denegrirem qualquer coisa relacionada à esfera material. O trabalho manual era relegado aos escravos, enquanto os filósofos levavam uma vida de ócio, na busca das ‘coisas elevadas’. Muitos historiadores acreditam que esse é um dos motivos pelos quais os gregos não desenvolveram uma ciência empírica, que requer observação prática e de primeira mão, bem como a experimentação. Por outro lado, o Cristianismo ensina que o mundo físico tem grande valor como criação de Deus e que as coisas materiais devem ser usadas para a glória de Deus e para o bem da humanidade. Por isso, na Europa Ocidental cristã nunca houve o mesmo desprezo pelo trabalho manual. Não havia uma classe de escravos para realizar trabalhos e os artesãos eram respeitados.
Pearcey e Thaxton dizem que, além da valorização do mundo físico, a religião bíblica promoveu uma ‘desdeificação’ da natureza, precondição essencial para a ciência. ‘Enquanto a natureza é objeto de adoração religiosa, sua análise é considerada uma heresia… O monoteísmo da Bíblia [do Deus fora da matéria] exorcizou os deuses da natureza, libertando a humanidade para desfrutá-la e investigá-la sem medo. Somente quando o mundo deixou de ser objeto de adoração é que pôde tornar-se objeto de estudo.’ E para que se tornasse objeto de estudo, o mundo deveria ser encarado como um lugar onde os acontecimentos ocorrem de modo confiável e regular – o que, diga-se de passagem, também foi um legado do Cristianismo. (É bom lembrar, também, que o próprio avanço da tecnologia se deve, em grande medida, ao pensamento cristão bíblico. Os primeiros cientistas consideravam a tecnologia um meio de amenizar os efeitos destrutivos do pecado, conforme registrado em Gênesis 3.)
Ombros de gigantes
Como disse anteriormente, os ‘pais da ciência’ conseguiram conciliar a pesquisa científica com suas convicções religiosas. Eis alguns exemplos:
René Descartes, matemático e filósofo do século 17 – Para ele, as leis matemáticas investigadas pela ciência eram legisladas por Deus da mesma maneira que um rei determina leis para o seu reino. Assim, conforme o historiador Carl Becker, a idéia de leis naturais não foi derivada da observação, mas sim, veio antes da observação, originária da crença no Deus bíblico. Não foi um fato da experiência, mas uma estipulação da fé. E Eiseley diz que, em termos históricos, a ciência nasceu ‘de um ato inteiramente baseado na fé em que o Universo possuía uma ordem e que esta podia ser interpretada por mentes racionais’.
Van Helmont, um dos primeiros químicos – ‘Creio que a natureza é o projeto de Deus, por meio do qual uma coisa é aquilo que é, fazendo ou agindo como lhe é ordenado.’
Nicolau Copérnico, astrônomo polonês que defendeu o heliocentrismo em oposição à visão católico-aristotélica vigente na época (a Bíblia nada tinha que ver com essa disputa, embora muitos confundam isso) – ‘As leis da natureza não são intrínsecas e não podem ser deduzidas a priori: antes são impostas ou infundidas por Deus’, e só podem ser conhecidas a posteriori, por meio da investigação empírica.
Galileu Galilei, físico, matemático e astrônomo italiano – Ele argumentou que não podemos presumir saber como Deus pensa; devemos sair e olhar para o mundo que Ele criou (inaugurando assim o método científico).
Isaac Newton, físico, matemático e filósofo inglês (um dos maiores cientistas de todos os tempos) – Segundo ele, o principal objetivo da ciência é realizar uma argumentação restrospectiva ao longo da cadeia de causas e efeitos mecânicos ‘até chegar à primeira de todas as causas, que certamente não é mecânica’ – e que, para Newton, é Deus. Newton escreveu muita coisa sobre Teologia (inclusive tratados sobre Daniel e Apocalipse). Mas os cientistas modernos parecem ignorar isso.
‘O método experimental foi mais bem sucedido do que jamais poderia se imaginar’, observa Eiseley, ‘mas a fé à qual ele deve sua existência também tem uma dívida para com o conceito cristão da natureza de Deus.’ A crença num Deus fidedigno e racional levou ao pressuposto de um universo racional e ordenado. E, de acordo com Eiseley, ‘a ciência de hoje ainda é mantida por esse pressuposto’. A pergunta, segundo Pearcey e Thaxton, é: ‘Quanto tempo mais esse pressuposto continuará a manter a ciência?’
Certa vez, Newton disse que ‘se vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes’, referindo-se humildemente aos seus colegas de ciência Kepler e Galileu. Infelizmente, a humildade que impregna essa declaração do grande cientista inglês parece não existir na postura de muitos cientistas modernos, que ignoram a opinião religiosa dos gigantes que os precederam. Quando qualificam certos pesquisadores atuais de ‘pseudocientistas’ pelo simples fato de crerem no criacionismo, estão, na verdade, ofendendo até mesmo aqueles que os precederam e que lhes legaram o próprio meio de sobrevivência: a ciência.
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Jornalista, membro da Sociedade Criacionista Brasileira (www.scb.org.br) e autor dos livros A História da Vida, Por Que Creio e Nos Bastidores da Mídia (www.cpb.com.br)