Encontrei no sebo um livro esgotado: O mundo dos olhos, do oftalmologista e amante de literatura Sylvio Abreu Fialho, publicado em 1975. Um verdadeiro tratado, com referências a Machado, Alencar, Bandeira, Drummond, Guimarães Rosa e muitos outros.
Uma viagem ao fundo do olhar humano. O autor conciliava sensibilidade e ciência. Empregando termos técnicos da sua especialidade, captava especiais sentidos nos olhos alheios.
Além das citações literárias, decifra alguns olhares ‘famosos’. O olhar global e pesado de Carlos Lacerda, o olhar ansiado e curioso de Euclides da Cunha, o olhar cansado e desencantado de Monteiro Lobato, com seu sobrecenho enorme protegendo os olhos pequenos.
Voltemos nossos olhos para os olhos de políticos hoje mais ou menos visados.
O olhar do atual governador de São Paulo, Cláudio Lembo. Os pêlos grisalhos das sobrancelhas, em contraste com os cabelos brancos e a palidez do rosto, dão à sua fisionomia um toque de caricatura. Exuberância de bruxo na expressão meio sonhadora. Na ausência de bigode ou barba, um pouco de selvageria permitida. As olheiras indicam noites maldormidas, talvez em meio a leituras, talvez em conversas infindáveis.
Adivinhar visões
A vivacidade do olhar do presidente Lula. Um olhar de quem está atentíssimo a tudo, sempre à cata de informações e saídas no labirinto político. Impossível acreditar que esses olhos não viram e não vêem o que todos estão vendo. Olhos que não se fecham. O sulco entre as sobrancelhas denuncia preocupações e longos anos de ‘cara de protesto’. Bolsas sob os olhos indicam noites maldormidas, talvez em meio a discussões, talvez assistindo a jogos de futebol pela TV.
É frio, direto, o olhar de Geraldo Alckmin, mesmo quando sorri (sorriso comedido). As sobrancelhas retas expressam visão sem sutilezas. O mundo não tem contrastes. A falta de brilho do olhar condiz com a autovigilância, a necessidade de controlar os processos. Um olhar que só vê o que quer ver.
O olhar tristonho de Cristovam Buarque, mesmo quando está sorrindo. As sobrancelhas pequenas parecem querer subir, subir, sair testa acima, tamanha a sua perplexidade: ‘Por que o Brasil não dá certo, seria tão simples?’
Palocci e seu olhar sonolento, mesmo quando sorri. Olhar entediado, de quem não está a fim… As olheiras indicam noites maldormidas, talvez analisando extratos, talvez à espera de um telefonema importante.
De olho nos olhos políticos, para adivinhar neles visões políticas.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br