Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Palavras, mais palavras

‘No princípio era o verbo’, assim começa o Evangelho de João (1.1). Mas o verbo era início no paraíso; para os simples mortais da Terra, no princípio foi o gesto.

Antes de falar, o homem primitivo entendia-se somente por gesto. A fala surgiu há 72 mil anos, já com o homem de Cro-Magnon. Sir Richard Paget, em seu trabalho Human Speech (Londres 1910), fornece uma hipótese realmente sedutora para essa conquista:

‘Durante a caça e pesca, o homem tivera as mãos ocupadas e era impossível adiantamento na ciência da expressão, e daí ter recorrido à pantomima fisionômica e aos movimentos mais insistentes e vivos de lábios e língua, obrigando-se a expelir o ar através da cavidade nasal e bucal, emitindo sons, assim teria nascido a linguagem por esses sons intencionalmente produzidos.’

Depois veio a escrita e com esta a ordenação e classificação das palavras, isto é, os dicionários. Sobre palavras tratei em dois recentes artigos neste Observatório [remissões abaixo], agora me chega algo de novo: Dicionário dos nomes próprios tornados comuns, do lingüista francês Jean Maillet.

Deixar o nome próprio em um objeto de uso comum pode ser uma benção, mas também, como veremos, pode também ser uma maldição. Os casos mais comuns são de cientistas – basta pensar em Volta, Watt, Ohm, Ampère, Bacquerel e Pasteur, só para citar alguns. Mas existem casos curiosos aos quais não estamos acostumados, algumas vezes por desconhecimento, em associá-los às pessoas envolvidas. Vamos às palavras mais usuais.

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Bechamel – molho feito de farinha de trigo, manteiga e leite. Vem de Louis Béchameil, marquês e maître de Luiz XIV, gastrônomo e cozinheiro, que o criou.

Berlinda – pequena carruagem de quatro rodas e vidraças laterais, com quatro ou seis lugares, e suspensa por molas. Foi inventada na Cidade de Berlim em 1670 (daí o nome), por Philipe de Chieze.

Bic – nome que se dá à caneta esferográfica por sua marca de fábrica, mas esta refere-se à Marcel Bich, que em 1949 introduz na Europa o novo tipo de pena aperfeiçoada pelos químicos Ladislas e George Biro.

Boicotagem – a recusa coletiva de trabalhar em determinada indústria ou estabelecimento comercial e impedir qualquer tipo de transação com eles, uma forma de punir o patrão. Vem do capitão inglês Charles Boycott (1832-97), administrador do condado de Mayo, na Irlanda; pelos vexames que impunha aos camponeses tornou-se odiado por estes, que proibiram qualquer relação de trabalho e comércio com ele.

Cardigã – casaco ou suéter tricotado sem gola, com decote redondo ou em ‘v’, de mangas compridas, que se abotoa até o pescoço. Vem do militar James Brudenell, lord Cardigan, militar inglês, que tinha especial cuidado no vestir-se. Tal elegância chamou a atenção da rainha Vitória.

Carpaccio – iguaria composta de finíssimas fatias de carne de boi crua ou de peixe, foi inventada por Cipriani, proprietário do Harry’s Bar, de Veneza, estabelecimento que se tornou famoso pela freqüência não muito tranqüila do escritor Ernest Hemingway. O nome vem da cor vermelha, pigmento muito usado pelo pintor veneziano do século 15, Vittore Carpaccio.

Derbi – jogo, partida ou competição esportiva de grande destaque. Vem do inglês conde Derby, que em 1782 decidiu juntamente com Charles Burnbury colocar seus respectivos cavalos em uma corrida nas pistas de Epson. Tiraram a sorte para ver quem daria o nome à prova e o vencedor foi Derby.

Dobermann – cão de guarda de porte alto, imponente e de pelo curto. Vem do criador Friedrich Doberman, com cruzamentos e seleções chegou a esse tipo de cachorro.

Gilete – Lâmina de barbear descartável. Vem de King Cap Gillette (1855-1932) inventor e primeiro fabricante dessa lâmina e do aparelho para adaptá-la. Essa palavra, designando lâmina de barbear, ao que me consta, é somente usada no Brasil.

Grogue – bebida alcoólica (rum, conhaque, aguardente etc.) diluída em água quente, com açúcar e casca de limão. Vem do almirante inglês Edward Vernon (1864/1757), que tinha por alcunha Old Grog e ordenou que a cota de rum dada os marinheiros fosse diluída em água.

Guilhotina – instrumento destinado a decapitar condenados à morte, constituído por uma pesada lâmina que desce deslizando por dois montantes. Vem de Josef Ignace Guillotin (1738-1814), médico francês que convenceu os revolucionários de 1789 a adotar uma máquina útil para cortar a cabeça de forma igual a todos e evitar os sofrimentos devidos aos erros do carrasco. Desde 1790 a máquina tomou o nome de guilhotina, todavia o inventor foi um alemão residente em Paris, Tobias Smith, fabricante de cravos (instrumento musical). A história não conta como e por que inventou tão horrendo instrumento.

Linchar – executar sumariamente, sem julgamento regular e por decisão coletiva. Vem de Charles Lych (1742-1820), filho de um emigrante irlandês instalado na Virgínia. Juiz de paz do condado de Bedford, tornou-se famoso durante a Guerra da Independência, quando mandava sumariamente para o patíbulo aqueles considerados traidores da revolução.

Pasteurização – exposição de alimentos a temperaturas elevadas por tempo suficiente para aniquilar certos microorganismos nocivos à saúde, sem alterar o sabor e a qualidade dos produtos. Vem de Louis Pasteur (1822-95) químico e biólogo francês inventor do processo.

Sanduíche – carne, queijo, ovo, peixe ou conserva entre fatias de pão ou produto similar. Vem de John Montagu, conde de Sandwich, que para não deixar à mesa de jogo passou a adotar esse sistema de comer, que foi inventado por seu cozinheiro, de nome desconhecido, que para satisfazer seu patrão servia-lhe durante o jogo um pedaço de carne entre duas fatias de pão.

Silhueta – desenho que representa o perfil de uma pessoa ou objeto, de acordo com os contornos de sua sombra projetada. Vem de Étiene de Silhoutte (1709-67), ministro das Finanças francês, que se caracterizou por ações mal pensadas e conduzidas. Para ridicularizá-lo, passou a ser o nome de coisas inacabadas.