COP26 e Escazú? Onde está localizada Escazú? E por que falar de Escazú e de sua relação com a COP26, que está sendo realizada este ano em Glasgow, na Escócia? A primeira resposta é que em Escazú, uma pequena cidade da Costa Rica, 23 países da América Latina e do Caribe assinaram, em 4 de março de 2018, um acordo regional de proteção ambiental particularmente inovador. O tratado foi rubricado por Antígua e Barbuda, Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, Uruguai.
O título exato do tratado, algo indigesto, esclarece a sua ambição: “Acordo regional sobre acesso à informação, participação pública e acesso à justiça em questões ambientais na América Latina e no Caribe”. É importante notar que este instrumento diplomático incorpora, além da emergência ambiental, a necessidade de informar os cidadãos e proteger a vida dos defensores da natureza. Em segundo lugar, este instrumento diplomático entrou em vigor em 22 de abril de 2021. Naquele dia, o “Dia da Terra” na América Latina, doze países confirmaram que estavam ratificando o tratado, permitindo que ele saísse da virtualidade. Mas o problema é que doze dos signatários de 2018 ainda não o ratificaram. Entre eles estão países regionalmente importantes e influentes, como Brasil, Colômbia e Peru. Por outro lado, deve-se lembrar que em 4 de março de 2018 somente vinte e quatro dos trinta e três países membros da CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe) haviam assinado o Acordo de Escazú. Dez países permaneceram fora do processo: Bahamas, Barbados, Chile, Cuba, Dominica, Honduras, El Salvador, Suriname, Trinidad e Tobago e Venezuela.
Será que os países relutantes mudarão de ideia? É difícil fazer previsões, já que há uma resistência óbvia do Brasil a El Salvador, incluindo Chile, Colômbia e Peru. Cabe lembrar que o chefe de Estado brasileiro, Jair Bolsonaro, em abril de 2019, no início de seu mandato, aboliu vários órgãos públicos responsáveis pelo monitoramento das questões ambientais (biodiversidade, mudança climática, manejo florestal). E entre os países que o ratificaram, existem dúvidas sobre o alcance efetivo do seu compromisso.
Nada está de tudo perdido, se considerarmos os 9 anos de negociação de um acordo que, desde o início, se sabia não ser de modo algum simples de estabelecer. As primeiras reuniões foram realizadas em 2012, após a conferência Rio+20 sobre desenvolvimento sustentável. Foi necessária a tenacidade da CEPAL e dos dois Estados patrocinadores do acordo, Chile e Costa Rica, para se chegar a um compromisso que foi mais ou menos aceito em 4 de março de 2018 por vinte e três Estados da região.
O tratado apresenta dois tipos de problemas para as partes envolvidas. Em primeiro lugar, obriga-os a fazer um trade-off entre o desenvolvimento e o meio ambiente. A questão não é tão óbvia quanto parece. A globalização tornou os países latino-americanos especialistas no nicho do produtivismo agroalimentar e do extrativismo energético e mineral. Em segundo lugar, o aspecto político do acordo obriga os governos a serem transparentes em suas decisões e a garantirem a vida dos ativistas da proteção ambiental.
Esses aspectos são fonte de forte resistência. Os setores afetados, como as empresas de mineração e petróleo e os exportadores de agricultura industrial, estão em pé de guerra. A capacidade desses interesses privados de causar danos é alta em alguns países. No Brasil, eles estão atentos à atitude de laissez-faire do governo, com o risco de aumentar o desmatamento na Amazônia e os acidentes de mineração no estado de Minas Gerais. No Chile, a mineradora Minera Dominga se beneficiou de isenções ambientais. Esta empresa, como acabamos de saber graças à investigação da “Pandora Papers”, pertencia, até pouco tempo, à família do Presidente Sebastián Piñera. Ele se declarou contrário à ratificação de um acordo que “mina a soberania do Chile sobre seus recursos naturais”. Na Colômbia, a FENAVI (Federação Nacional de Avicultores da Colômbia), a Associação Colombiana de Petróleo, a ANDI (Associação Nacional de Empresários da Colômbia), e no Paraguai, a Associação Rural do Paraguai, sinalizaram clara e publicamente sua rejeição a este acordo. Em El Salvador, o Presidente justificou a sua recusa em assinar o Acordo de Escazú com o argumento de que “não pode haver defesa do meio ambiente sem a preservação do desenvolvimento”.
Muitas vezes, no Brasil, na Colômbia ou em Honduras, estes interesses não hesitam em “eliminar” fisicamente aqueles que defendem o desenvolvimento sustentável. Em 2020, três quartos dos 277 defensores dos direitos ambientais assassinados no mundo inteiro estavam na América Latina. A discussão e o encaminhamento de medidas visadas por esse acordo nestes países estão sendo bloqueados pelas maiorias executivas e parlamentares. O “lobby empresarial está atrasando” a entrada em vigor do Acordo de Escazú, disse Alicia Bárcena, diretora da CEPAL, no Dia da Terra. Pior, confirmou Michelle Bachelet, “chefe dos direitos humanos nas Nações Unidas”, “os defensores dos direitos humanos ainda estão sob ameaça na região […]. É absurdo que eles tenham que correr tantos riscos na luta por esta causa”.
Os caminhos para Escazú são tão impenetráveis quanto os do “Céu”? A resposta, como é frequentemente o caso, não está no “não/ou”, mas sim no “e/e”. A resistência persistirá e, em alguns casos, endurecerá. O fato é que o acordo foi capaz, com bastante dificuldade, mas com algum sucesso, de alcançar o quórum de onze Estados que o ratificaram, permitindo a sua entrada em vigor. Estes países exemplares merecem ser mencionados. São eles, em ordem alfabética, Antígua e Barbuda, Argentina, Bolívia, Equador, Guiana, México, Nicarágua, Panamá, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia e Uruguai. Apesar dos demais não terem aderido formalmente, a “sociedade civil” tem se lançado ao combate. Na Colômbia, por exemplo, a Aliança para o Acordo de Escazú está mobilizando sete entidades, entre outras, como a ONIC (Organização Nacional Indígena da Colômbia) para forçar as autoridades e o parlamento a tomarem a rota de Escazú. Suas vozes serão ouvidas em Glasgow e nas urnas do Chile nas eleições presidenciais de 21 de novembro de 2021, assim como na Colômbia e no Brasil, em 29 de maio e 7 de outubro de 2022, nas eleições presidenciais e legislativas.
Texto publicado originalmente em francês, em 28 de outubro de 2021, na seção ‘Analyses’ do Institut de Relations Internationales et Stratégiques – IRIS, Paris/França, com o título original “Amérique latine et COP26: la voie de Glasgow passe-t-elle par Escazú?”. Tradução: Jeniffer Aparecida Pereira da Silva e Jéssica de Oliveira. Revisão de Luzmara Curcino.
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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso – UFSCar e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura.