Meu texto já estava resumido na cabeça. Seria qualquer coisa como: O Nariz de Bolsonaro no discurso da ONU. Ele mente como respira.
Em lugar do Bolsonaro, que queima a Amazônia, cantando um hino evangélico, seria Pinóquio, presidente do Brasil.
Era só uma questão de fazer umas pesquisas, ler a transcrição do falacioso discurso na ONU, que descredibilizou ainda mais o Brasil diante das nações, juntar as mentiras e completar o texto, embora sem esperança de desconverter sequer um de seus seguidores.
A ideia do presidente pinoquiano se reforçava porque, ao fazer uma pesquisa, descobri uma inusitada informação. A de que o nariz de um mentiroso não se alonga como acontecia com o nariz de Pinóquio, mas suas narinas se dilatam e se aquecem. Ao mesmo tempo, o autor da mentira, enquanto pronuncia a lorota, sente uma excitação sexual. Caso seja um homem, tem provavelmente uma ereção.
Teria o italiano Carlo Collodi sabido desse efeito perverso e viagra da mentira, ao escrever a história do boneco de pau? E preferido se fixar no nariz, mesmo porque, em 1881, seu ilustrador Enrico Mazzanti não aceitaria desenhar outra coisa?
Seria essa a chave para se entender o porquê dos amantes e maridos mentirosos? Sem mentir, eles brochariam…
Mas é verdade, nessa linha o texto estaria mais para Pasquim que Observatório da Imprensa. Ou atualizando, mais para Detonautas com Micheque. E correria o risco de não ser publicado.
Foi quando aconteceu o inesperado, provando haver realmente um deus nos socorrendo nas horas graves.
E como sempre a mensagem veio por WhatsApp.
Era um brado nacionalista, em defesa de nossa Pátria amada, verde-amarela. Dizia mais ou menos o seguinte: “vocês que estão lá fora, brasileiros ou estranjas, calem a boca, a Amazônia é nossa e nós queimamos árvores, matamos índios, assamos animais da floresta o quanto quisermos. Vão cuidar de suas terras e não metam o bico por aqui. Somos patriotas, defendemos as cores do nosso Brasil, salve, salve, mesmo se forem cinza e carvão! Não estamos queimando nada, mas se estivermos a floresta é nossa, queimamos até as raízes se quisermos!”.
E isso me lembrou os anos 60-70, quando provavelmente esses mesmos, mais jovens, diziam, não eram ainda os evangélicos: “Brasil, ame-o ou deixe-o!”
Naquela época, não eram incêndios e queimadas, mas o Brasil já era um fiasco na ONU e no mundo.
Será que o desmatamento da Amazônia para criar gado e plantar soja poderia ser comparada com a campanha do Petróleo é Nosso?
Não! A destruição das florestas e a transformação da região em pastos para gado é um dos fatores importantes no clima do planeta. Faz alguns anos, vem acontecendo um aquecimento responsável pelo desaparecimento gradativo das geleiras em todo mundo, os oceanos começam a invadir as regiões costeiras. No polo sul, vem se acelerando o derretimento da calota de gelo da Antártida. Entre os países mais ameaçados está a Holanda, onde trabalhos faraônicos vêm sendo feitos para proteger suas costas.
Porém, os patriotas brasileiros poderão responder — “e daí? o que o Brasil tem a ver com isso?” Ora, os holandeses temem um anunciado aumento do nível do mar de 1,5 metro, até o fim deste século. Porém, se houver uma aceleração do aquecimento da temperatura terrestre, as previsões são de 2,5 metros.
Só na Holanda? Não, nas costas brasileiras também porque vivemos num planeta, somos uma comunidade mundial. Isso quer dizer o seguinte: nós não poderemos evitar, com nossas patriotadas, que o Oceano Atlântico engula nossas mais belas praias e invada todas nossas cidades costeiras. As áreas planas junto ao rio Amazonas também serão inundadas e nas terras hoje desmatadas para se criar gado, não se poderá nem plantar. Talvez só criar peixes!
O desmatamento de hoje, além de ser um crime ambiental, é uma lenta auto-destruição de nosso território. Uma loucura, condenada pelos cientistas, não só estrangeiros, como também brasileiros. Como se dizia no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha — “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.